Hoje (8/8), às 20h, no Café Daniel Briand (104 Norte), a Associação Andar a Pé comemora o Dia Mundial do Pedestre. Compareça! Em homenagem a esse dia, Wilde Cardoso, membro da associação, escreveu este artigo: -
Num distante 8 de agosto de verão, um grupo de músicos passou por uma faixa de pedestre e registrou a foto para a capa de seu último álbum. Um mês mais tarde, o disco Abbey Road dos Beatles era lançado.
Seu sucesso musical não foi maior que a capa do LP. Nada mais emblemático para que se propusesse que tal data fosse dedicada ao Dia Mundial do Pedestre ... mesmo em Brasília, por mais contrarie o mito de que os brasilienses são feitos de cabeça tronco e rodas.
Brasília tem sim seus motivos para comemorar. Afinal, o projeto de Lúcio Costa eliminava barreiras no solo para que “tramas autônomas” fossem oferecidas “para o trânsito local dos pedestres a fim de garantir-lhes o uso livre do solo”.
O comércio local foi projetado voltado para as residências, com acesso exclusivo aos pedestres por meio de calçadas arborizadas.
No mall dos ingleses, como Lúcio se referia à Esplanada dos Ministérios, haveria “extenso gramado destinado aos pedestres”. Praças seriam construídas na plataforma superior da rodoviária para o livre trânsito das pessoas, o tráfego dos automóveis se processaria sem cruzamentos e o chão seria restituído às pessoas a pé.
Eram os anos 1960, do nascimento de Brasília e dos Beatles. Brasília fazia muito sucesso no mundo dos arquitetos. Crescia e muitas pessoas e carros passavam por ela.
Os Beatles experimentavam tamanho sucesso que já em 1966 pararam de circular por meio a multidões, isolaram-se no estúdio da Abbey Road e isso os esgotou. Ao terminarem sua obra, buscaram resgatar o que já não podiam fazer como os demais cidadãos: atravessar tranquilamente a rua em frente ao seu trabalho. Assim aconteceu a foto de 8 de agosto de 1969.
Na década de 1990, Brasília começou a se distanciar do seu projeto original e já estava sufocada pelos automóveis. O eixão impedia os amigos de irem à casa da “Noélia” e as passagens subterrâneas não davam a mínima segurança aos trabalhadores que delas se utilizavam.
A cidade ficou escandalizada com o número de pedestres vitimados no trânsito. Ela também precisava de uma faixa de pedestres para se libertar. Era 1º de abril de 1997 quando bem coordenada campanha pela paz no trânsito resultou em lei impondo o respeito às faixas e às pessoas que nela passavam.
Seus cidadãos ficaram orgulhosos. Um pé na faixa e os carros paravam. Enfim, a cidade poderia ser novamente o seu refúgio ... ledo engano. A cidade relaxou e em 2016 morreram 132 pedestres no trânsito, sendo 6 atropeladas sobre a faixa.
Esta, como mito, não foi suficiente para garantir o chão livre aos cidadãos proposto por Lúcio.
Era preciso resgatar o projeto original, quiçá, refundar a Brasília – capital do pedestre. Com tal intenção (ou pretensão), nasceu em dezembro de 2016 a associação Andar A Pé – o Movimento da Gente.
Uma de suas primeiras iniciativas foi avaliar as calçadas do plano piloto a partir da percepção do cidadão. Foi realizado Safari Urbano em cinco roteiros recorrentes na cidade.
As qualidades se destacaram, sobretudo, pelo prazer de andar pelas alamedas das quadras residenciais, pela disponibilidade de equipamentos públicos a curtas distâncias, pela existência de calçadas em boa parte dos trechos e pela razoável sinalização da cidade.
A avaliação, no entanto, anotou muito mais problemas, e de várias ordens. Desde a farra dos veículos estacionados em áreas verdes e calçadas sem serem incomodados, o piso descuidado das calçadas construídas pelo governo ou por particulares, a falta de acessibilidade adequada a todos, seja nas áreas comerciais, junto a faixas de pedestres ou nas passagens subterrâneas, a falta de iluminação na plataforma superior da rodoviária ou a aridez incômoda da inexistência de gramado e árvores no museu da República.
Regiões centrais da cidade avançam rapidamente contra o direito de se andar a pé. Esse é o caso dos setores comerciais e bancários, cujo abandono é notável à noite e aos finais de semana.
Situação também presente nas passagens subterrâneas sob o eixo rodoviário, aqui a qualquer hora ou dia da semana. A ocupação das quadras 700 contraria frontalmente o livre circular das pessoas. As casas se fecham em grades, as grades invadem as áreas públicas, estas restam abandonadas e escuras e os pedestres solitários e muitas vezes apavorados ao passar por seus caminhos.
Diferentemente dos Beatles, não é possível atravessar uma faixa de pedestres e dizer bye-bye. Há muito o que fazer na nossa vila e é por esse mesmo motivo que há muito o que comemorar nesse dia mundial do pedestre.
Aliás, Brasília é por si só uma comemoração ao desafio. As pessoas não acreditavam na sua criação. Quando decidida, não acreditavam que seria construída. Quando construída, não acreditavam que seria habitável ou habitada.
Quando se consolidou, disseminaram vários mitos sobre a cidade: as árvores não cresceriam, e ela virou uma cidade bosque; a cidade não tinha calor humano, e emergiram relevantes movimentos culturais; a esplanada dos ministérios era grande demais para manifestações populares, e o povo encheu seus gramados muitas e muitas vezes para protestar e para festejar.
É preciso comemorar Brasília, a capital do pedestre. Comemorar o projeto do modernista que pensou a cidade para as pessoas. Comemorar nossa obrigação de adequar tal projeto à dinâmica social dos nossos dias. Comemorar para poder andar a pé por suas calçadas em quaisquer setores onde se possa observar os i-pês(sic) que resistem lindos a cada estação.
Viva Brasília, Capital do Pedestre!