"A vida é de quem se atreve a viver".


Cristiano: "Meu amigo Roger, foi escutando Pink Floyd - ´Animals´ que eu conheci ´A Revolução dos Bichos´ e ´1984´, dois dos mais importantes libelos antifascistas já escritos".
Meu caro amigo Roger Waters

Cristiano Torres (*) –

Permita que eu fale assim, ainda que pessoalmente não tenha me apresentado antes. Conheço você e seu trabalho desde pequeno e escrevo agora para agradecer a você.

Para te agradecer por ser este grande amigo do Brasil, por não ter medo de dizer a verdade, nem de apontar a perda de rumos do País. Obrigado por defender a vida e por homenagear nossos mortos. Por não ter medo de expor a ferida e mostrar os desafios e dores que teremos pelo caminho.

Muitos brasileiros hão de concordar comigo e dizer: “Obrigado por tudo!” Principalmente por não ter medo. Esse mesmo medo que hoje nos conduz a uma trilha obscura e cheia de perigos.

Quero lhe agradecer também por me acompanhar desde muito novo e ensinar — com a sua arte e a do Pink Floyd — a ser antifascista. Você foi mais um dos importantes guias.

Permita-me te contar uma estória e me apresentar. Uma estória sobre reencontros. E sobre emoção e esperança.

Meu nome é Cristiano, sou jornalista e tenho 43 anos. Nasci algumas semanas antes do lançamento do LP "Wish you were here" e, desde criança, me acostumei a escutar, com meus pais, as clássicas canções do rock inglês — Beatles, Rolling Stones e Pink Floyd, principalmente.

Há alguns dias, depois de toda a intensidade provocada pela sua apresentação da turnê "Us+Them" aqui em Brasília, e principalmente por causa de todo amor e respeito que você demonstra pelas pessoas (por todas as pessoas!), redescobri dentro de mim algo que há muito estava esquecido e que, de tão importante, carrego comigo até hoje, graças a você também!

Permita que eu conte a você um pouco da minha vida, para que entenda.

Entre os 13 e 14 anos, tomado por aquela tão comum coragem adolescente, de quem quer fazer seu próprio caminho, comecei a decidir eu mesmo que músicas ouvir, que livros ler… enfim, procurei formar o meu próprio gosto do mundo. Escolhi alguns LPs e fitas cassete que estavam por ali, em casa, e escutei, escutei, escutei avidamente durante meses, e com toda a atenção. Entre elas, umas das minhas preferidas era o cassete do álbum "Animals", do Pink Floyd, que eu contrabandeei para o meu quarto e consumi profundamente durante todo aquele ano. Foi minha primeira paixão "pink floydiana".

Gostava bastante de ouvir esse disco ao deitar, muitas vezes adormecendo antes mesmo da música terminar. Naquela época, o "Animals" era para mim quase como uma canção de ninar.

Percebo hoje, porém, que esse disco foi, também, a minha trilha sonora pessoal de uma época de mudanças radicais no Brasil.

Era 1989, época em que o Brasil estava, como hoje, tomado pelo espírito cívico e pelo desejo de mudança. Naquele ano estávamos em festa. Toda a população poderia novamente tomar nas mãos os destinos do país: haveria uma eleição, finalmente, 25 anos depois do Golpe de 1964, que marcou o Brasil com uma cruel ditadura de longos 21 anos.

Todos queriam participar, inclusive nós, meninos e meninas que ainda não podiam votar. Por isso, escolhi um candidato, fiz campanha e decidi ler, ver o ouvir tudo o que eu podia. Conversava com amigos, lia os jornais, assistia aos debates, participava dos comícios e manifestações… E lia livros, muitos, principalmente os de política. Desses, dois me impressionaram sobremaneira: ambos de George Orwell, grande crítico dos totalitarismos.

Foi escutando Pink Floyd — "Animals", principalmente — que eu conheci "A Revolução dos bichos" e "1984", dois dos mais importantes libelos antifascistas já escritos. Na época não compreendia as letras de suas músicas, pois não dominava nada em inglês. E qual não foi minha surpresa ao descobrir, anos depois, que o meu tão adorado cassete era inspirado nesses livros e, da mesma forma, um libelo antifascista!

Só depois da sua apresentação, dias atrás, percebi a feliz coincidência que reuniu George Orwell, seus discos e a democracia no Brasil. Por isso, gostaria de te agradecer — como fã, claro, mas principalmente como brasileiro — por participar hoje de um dos momentos mais difíceis de nosso País, em que a democracia se encontra novamente ameaçada.

Para mim é um reencontro: 29 anos depois, sua música e os anseios do Brasil estão reunidos, com todos os medos e esperanças que as grandes mudanças provocam. Naquela época, era o sonho democrático e o desejo de reunião, de pacificação entre nós; hoje, o perigo do regresso, uma nova divisão — a ameaça, novamente, da ditadura.

Mas reunião também deste homem de 43 anos com aquele menino de 14, que ainda acreditava que podia mudar o mundo de uma vez, para melhor.

Ouvindo suas canções de novo, e ao vivo, reencontrando os animais de sua música — "Dogs" e "Pigs" —, animais que, no entanto, falam mais do que tudo dos homens e mulheres que vivem, desejam, se perdem e sonham, que têm medo e raiva. Redescobri também uma renovada esperança. Por mais sombrio que seja o caminho, não tenho mais medo. Tenho renovada a fé e a esperança daquele menino de 14 anos, tão perto dos destinos da nação.

Resistir: sem dúvida, o que nos resta é resistir! Como muitos gostam de dizer, luto, para mim, é verbo. Com Marielle Franco, com Mestre Moa do Katendê. Com todos os nossos ancestrais.

Obedecendo à Lei e à Vida.

Um forte abraço, do tamanho do nosso Cristo Redentor, que há de nos proteger, junto com todos os Orixás.

Como disse o Pelé, certa vez: “Love, Love, Love!”. É tudo de que nós precisamos.

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(*) Cristiano Torres é jornalista.

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