José Carlos Peliano (*) –
Estudos científicos comprovam que escutar música tem efeitos benéficos para o organismo humano e por extensão aos demais organismos das plantas e animais e a música de Mozart, por exemplo, faz bem para o coração em especial e a redução do stress em geral. Já “As Rosas não Falam” do grande sambista Cartola simplesmente exalam o perfume do amor e da sagração feminina.
No mesmo sentido, martelar diuturnamente nos ouvidos notícias de uma nota só, perdão Tom Jobim e Newton Mendonça pelo uso indevido do tema, não só afunilam as expectativas diárias como também reduzem ou dificultam as possibilidades de encontrar alternativas melhores.
Desde a instalação no STF, em 2005, do processo conhecido por mensalão que se deu início ao martelar diário nos jornais, revistas, rádios e TVs de um ataque sem tréguas, sem precedentes, parcial, seletivo e direcionado, ao Partido dos Trabalhadores e seus membros.
Independentemente da opinião de um lado e outro, pois há argumentos contra e a favor, a elite tupiniquim conseguiu ajudar e galvanizar a demonização do partido e sua administração federal.
São muitas as razões de terem colocado na fogueira da inquisição bananeira o demônio caricaturado. Desde não engolirem um metalúrgico, nordestino, sem curso superior, com menos um dedo numa das mãos, falando do jeito do povo, até verem políticas públicas serem direcionadas para os mais pobres e não para projetos e vantagens fiscais em benefício dos grandes empresários do campo e da cidade, especuladores, financistas e rentistas. Os mais ricos sentiram-se preteridos pelos mais pobres.
A aplicação equivocada, ou até mesmo proposital, da teoria do domínio do fato**, sem o respaldo jurídico correto, imparcial, entendido, conforme opinião do criador da teoria, Claus Roxin***, acabou gerando condenações injustas e irreversíveis. Daí parte do ódio ao PT e seus representantes.
A demonização, então, teve raízes ideológicas e oportunistas, em poucas palavras, o comando do país não deveria estar nas mãos de Lula nem o comando do Congresso sob a influência representativa do PT. A elite conservadora, reacionária e hipócrita rejeitava essa arrumação político-partidária, embora tenha sido a maioria dos eleitores que a consagrou nas urnas. Era o início do golpe branco contra o PT.
No desenrolar desse processo, as camadas das classes alta e média alta, igualmente de formação conservadora, passaram a apoiar o movimento, de início midiático e jurídico, mais tarde também parlamentar, de afastamento do PT e seguidores do poder. Parte das camadas populares, diante do bombardeamento diário da mídia de um lado e da falta de formação política de outro, acabou por sucumbir às denúncias e condenações, mesmo que muitas delas inverídicas, fantasiosas, inventadas.
Se o massacre midiático pressionou e encurralou o governo Lula, que tirou o país do buraco e o levou a 6a economia do planeta, o pior veio com Dilma que não conseguiu reeditar Lula, especialmente em seu segundo mandato, não terminado.
Ao invés de continuar a aplicar políticas de crescimento com investimentos em infraestrutura, não apenas com redução localizada de alguns tributos, Dilma resolve aplicar uma política contracionista com forte ajuste fiscal, da cartilha da austeridade de Joaquim Levy. Isso acaba por aprofundar a crise, levando-a ao impeachment. Ironicamente, o espaço por ela aberto à direita em seu segundo mandato é por onde o golpe entra e toma o seu lugar.
De todas as maneiras, há que ser lembrado, pois sempre “esquecido” pela maioria de seus críticos de plantão, que ela não tinha apoio no Congresso Nacional, entre os de oposição declarada e os da base podre de apoio. Nessas circunstâncias, não havia como levar qualquer proposta melhor para o país pois já ia para lá fadada ao fracasso, caso de tantas engavetadas pela presidência da Câmara.
A atuação de Joaquim Barbosa, então presidente do STF, ainda no governo Lula, condenando só com denúncias, surtiu efeito, e as instâncias judiciais inferiores seguiram em muitos casos o enredo. O demônio vermelho, então, vai tomando conta aos poucos da vida política do país. O maior reduto de resistência dessa campanha fraudulenta de enganação foi o Nordeste, cuja votação a favor do PT se manteve em níveis altos, em geral maiores do que nas demais regiões do país. Enfrentaram os nordestinos incólumes a sanha contrária vinda das demais regiões.
Por quê? Porque, apesar de desacertos, reconheceram os feitos dos governos petistas, entre outros, a redução da pobreza, a inclusão de mais de 30 milhões de pessoas no mercado de consumo, o controle da inflação, o aumento de estudantes pobres na universidade e nas escolas técnicas recém-criadas, entre outros. A maior conquista, porém, reconhecida mundialmente, inclusive pela ONU, foi a diminuição da desigualdade secular de renda entre os habitantes. O bolo com cobertura vermelha foi, enfim, saudavelmente melhor repartido nesse período, particularmente nos três primeiros mandatos do PT, e menos diferenciado entre ricos e pobres.
Tachado, então, de corrupto pela máquina midiática, jurídica e parlamentar, assim como seus membros ou simpatizantes, o PT vai perdendo espaço político. O mal banaliza-se. Petista não presta, o partido engana o povo, o presidente petista deve sair rápido do poder e não ser mais eleito, “toda essa raça tem de ser excluída da política nacional”. Lá e acolá começa a pipocar violência localizada contra grupos petistas. O diabo teria que ser banido da vida brasileira. Os arautos do incentivo à banalização foram os jornalões, os canais de televisão, os parlamentares da oposição e membros do judiciário.
O golpe sai do Congresso e chega e se espalha nas ruas. A banalização do mal chega às mídias sociais e aí o leite derrama de vez.
Insuflados por grupos minoritários, tipo MBL e que tais, os integrantes das redes começam a destruir a imagem do PT, seus representantes, membros e simpatizantes. A destruição é de todo tipo, desde partidária, até pessoal.
Ninguém e nada escapa. Enquanto isto, as chamadas autoridades públicas não agiam, mudas, surdas, cegas, deixavam correr a sanha vingativa e surreal.
Sem ter a quem recorrer internamente, o PT foi sendo pouco a pouco massacrado, os tribunais parciais ou recebiam, mas não acolhiam ações, ou simplesmente as descartavam de pronto. Restou ao partido recorrer a tribunais internacionais, onde teve apoio e repercussão. No meio da demonização chega-se ao cúmulo de prender Lula em um processo comandado por Moro, onde não há prova de nenhuma denúncia apresentada, segundo opiniões de juristas de renome nacional e internacional. A indústria da delação premiada ganha status no foro de Curitiba, mesmo sem qualquer prova concreta, objetiva, convencional, apenas indícios, suposições e convicções. A caça às bruxas chega ao ápice no país.
Demonizado o PT, banalizado o mal, tudo sem controle, pois sem bom senso, respeito, cidadania, solidariedade e justiça, ocorre a coisificação do país. Solta às ruas há tempos a radicalização entre petistas e anti-petistas, entre corruptos e puros, entre o mal e o bem, os adjetivos surgem de imediato, coisas ruins e coisas boas. Ou isso é coisa de demônio, coisa de corrupto, coisa de mentiroso. Ou isso é coisa do Senhor, coisa de Cristo, coisa da verdade. Entra em ação na mixórdia política e ideológica a religião, notadamente pela disseminação de condenações estapafúrdias de alguns pastores evangélicos.
Faz parte da corrente de coisificação esconder os males da corrupção assignados não à esquerda, representada pelo PT, mas aos outros partidos e representantes da direita. Estes com provas, áudios, vídeos e testemunhas.
Mas o diabo é ainda vermelho. Foi assim, por exemplo, com a sala carregada de milhões em nome de Geddel Vieira Lima e nada aconteceu. O mesmo com outros tantos milhões, esses de dólares, em nome de José Serra no exterior e de forma semelhante a justiça nem se mexeu. Outro alarmante, o processo contra Aécio Neves prescreveu na gaveta do STF.
Entre outros de igual absurdo e quilate de verdadeira e comprovada corrupção. A cor do mal permanecia vermelha a todo custo, jeitinho e injustiça.
Diante do caos reinante na representatividade na política do país, na respeitabilidade da justiça e na confiabilidade da mídia escrita, falada e televisada, arranjaram das fileiras da inexpressividade um candidato sem currículo para a Presidência da República. Com toda a história do país jogada às favas em poucos anos, ele assume o ódio jogado sobre o PT, o desprezo pela democracia e a desumanização dos desprezados pelos arautos da insânia – os pobres, negros, índios, LGBTs e mulheres.
A barbárie travestida de ditadura está às portas do Brasil, caso o projeto de coisificação se alastre e se aprofunde mais e tome conta de fato no segundo turno da eleição dos rincões e cidades brasileiras. É o resultado do processo de condenação e queima do movimento de diminuição das diferenças socioeconômicas iniciado pelos governos petistas. O conservadorismo, o radicalismo, a meritocracia e o elitismo não querem que isso aconteça, querem continuar no domínio da nação, mandando nos demais, trabalhadores e brasileiros mais pobres. Já vimos esse filme outras vezes, infelizmente, que redundaram em massacres, mortes e destruição de nações e cidadanias.
O pouco tempo que resta é para virar as previsões das pesquisas, ainda há
muita gente que vai votar como gado, quando um mais destrambelhado e despolitizado grita impropérios mais alto e o resto segue atrás. O país não merece esse absurdo que se avizinha. Da amada terra do Brasil.
Resta-nos permanecer na luta e acreditar e como nos lembra Marcelo Rubens Paiva: “apesar de você, as cores do arco-íris continuarão as mesmas, ele sempre estará entre o céu e a terra, continuará lindo a nos emocionar”. E celebrar sempre a humanidade e sua diversidade como nos versos luminosos do poeta negro Solano Trindade: “subi ao monte pra ver o homem da terra e vi que o homem é maior que a terra”. Assim seja.
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(*) José Carlos Peliano é poeta, escritor, economista.
***https://www.conjur.com.br/2014-set-01/claus-roxin-critica-aplicacao-atual-teoria-dominio-fato