José Carlos Peliano (*) -
Não conheço pessoalmente Márcio Fagundes, mineiro, jornalista, pai de dois filhos, ex-marido de uma grande amiga, residente honorário de Belo Horizonte. Honorário é por minha conta porque acho que quem mora lá já garante todas as honras de uma linda metrópole, histórica, despojada, mas altaneira.
Não sei quais são ou foram seus hábitos, usos e costumes, nem tenho sua ficha corrida. Mas falta não faz, sua foto diz tudo. Mostra, grita, esperneia, aponta, define, mais que uma datiloscopia. É aquela história, a gente bate o olho nela e vê sem precisar ser médium ou sensitivo de berço como é e quem é a pessoa.
Já os amigos próximos, de rua, de bares, de trabalho, de reuniões, do cafezinho na esquina, da esquina sem cafezinho, todos eles dizem a mesma coisa.
Até mesmo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, através de nota pública, um dos aglomerados de trabalhadores sérios e competentes da palavra, da notícia, do fato, tal como ele é, não do jeito que os editores querem ou mesmo os donos das emissoras, jornais e assemelhados pretendem para encobrir, tergiversar ou inventar notícias.
Isentos de vícios, artifícios e ofícios, repudiam a prisão do colega, profissional reconhecido, ilibado, construído nas linhas e entrelinhas da verdade tal qual ela se mostra e apresenta, não a que interessa e alimenta. Os tempos de agora já não trazem mais as cores de outrora.
Pois Márcio (foto abaixo) foi retirado de casa às 6 da manhã da quarta-feira, 18 de abril, pela truculência policial, sem limites, sem freios, sem medida. Viram a cena trágica, corroída, insuportável, os filhos, vizinhos e o dia que pensava em começar claro, limpo, com um bom e belo horizonte.
Quebrou-lhe o alvorecer da natureza soberba mais um golpe contra o cidadão comum, sem privilégios, favores, incentivos e conluios perpetrado por nossa justiça (?), assim mesmo, minúscula, sem a estatura de um Ruy Barbosa, Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva, de tantos outros que já tinham a defesa dos direitos humanos e sociais correndo pelas veias.
Trabalhou na Câmara dos Vereadores de Minas Gerais, onde um de seus representantes, então vereador, hoje foragido e procurado por corrupção, se envolveu em transações ilícitas de licitações. Na época Márcio era superintendente de comunicação, não tendo nada a ver com a parte administrativa.
Maldita máquina hierárquica e meritocrata que se aproveita, subverte, corrompe, manda e desmanda, porque tem anel no dedo, diploma na parede, cargo representativo, pose de semideus, ou até de deus mesmo, como muitos dos que se arrotam defensores da legalidade e transparência.
Para se precaver, Márcio sempre assinava a papelada da burocracia com as iniciais O.P. (ordem da presidência) para se livrar de futuras complicações. Mas não valeu nesse caso. Foram atrás dele achando que tinha coisas escondidas em casa. Só acharam ele, a filha e muitos livros, além do aconchego familiar, do reduto inviolável do lar. O arrancaram de lá assim mesmo, não satisfeitos com a rasteira que levaram. Mas deixaram feridos os filhos, vizinhos, o coração de Márcio e a presunção de inocência.
Filmava tudo isso às escâncaras uma equipe da Globo que já estava na porta, como sempre, antes mesmo dos policiais chegarem!
Sua história sabemos porque ele está rodeado de amigos, colegas e profissionais que o estimam e sabem quem ele é. Mas quantos outros, mulheres e homens incógnitos, estão por aí afora sendo levados diariamente aos camburões para serem esquecidos nas masmorras da insanidade, truculência, medievalismo, sem qualquer lei e ordem.
Afinal, para que servem leis se não se encontram policiais, promotores e juízes que as respeitem em nome do povo, pelo povo e para o povo?
Quando é que nosso país vai sair das fraldas sujas da prepotência, discriminação, elitismo e violência branca?
Como diriam nossos pais, estamos num mato sem cachorro, embora hajam muitos cachorros soltos por aí. Levaram Márcio por conta da famigerada, oportunista e sórdida aplicação tupiniquim da teoria do domínio do fato.
Basta que alguém trabalhe em qualquer hierarquia em posição de mando ou de serviço direto ao mando para que seja considerado culpado, apenas por suspeita, convicção judicial, ou qualquer power-point da vida que mostre qualquer esquema estapafúrdio de causa e efeito saído de mente doentia.
Tudo isso começou com a aplicação errada, fraudulenta, suspeita e oportunista da teoria, desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin**, por Joaquim Barbosa no julgamento do processo conhecido por mensalão.
De lá para cá a justiça brasileira abraçou o absurdo jurídico, tal como aplicado aqui, para incriminar e condenar muitos outros numa penada, sem nenhuma prova palpável, concreta, objetiva. Instalou-se a presunção de culpa, afundou-se o preceito constitucional da presunção de inocência.
Pois no caso de Márcio, vale somente o domínio da foto. Basta olhá-la para ver uma pessoa visualmente sem tiques de banditismo, malandragem, golpismo, safadeza, pilantragem, especialidades de muitos representantes políticos nacionais. As provas? Seu passado, se quiserem, sua ficha corrida, tudo isso reforça, o domínio do fato, quando todos os colegas, amigos e profissionais, representados pelo Sindicato, servem de provas suficientes e atestam a honradez de personalidade, comportamento e atitude do presumido culpado.
Além do fato dele mesmo já ter ido muito antes ao Ministério Público, espontaneamente, dar seu depoimento sobre todo o caso.
Os tempos estão sombrios, mas com as mentes claras temos muito o que fazer para desfazer manchas fascistas se espalhando na sociedade brasileira.
Márcio é um dos atingidos por esse vírus pestilento. Juntemo-nos aos jornalistas e demais democratas para combater e livrar essa doença impiedosa, maligna e contagiosa. Salvemo-nos o país antes que o vírus venha também atrás de nós!
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(*) José Carlos Peliano é economista, poeta e escritor
**https://leonardoboff.wordpress.com/2012/11/02/dominio-do-fato-e-fato-do-dominio/