José Carlos Peliano (*) -
É uma questão de semântica sim, ao trocar de lado as sílabas de toga e gato, uma palavra vira a outra. Mas é também uma questão de significados, os quais, segundo os lacanianos, resvalam em significantes.
Há uma questão adicional por fim não menos importante nem última. Trata-se da numerologia de Pitágoras, ambas as palavras somam 7 (2+6+7+1=16 = 1+6=7), o número pitagórico para uma pessoa que procura sempre saber das coisas, mas é a uma só vez esperta e desligada. Podendo também ser, quando interessar, esperta para ser desligada ou desligada para ser esperta.
A troca de sílabas pode levar o leitor a algumas interpretações. O gato que escondeu na toga, a toga que faz ou cobre a cama do gato, o gato de toga, a toga em forma de gato, e por aí vai. A escolher ou a acrescentar. Afinal, o troca-troca pode virar uma brincadeira ou um jogo. Espaço livre para criatividade e, vai ver, descobertas.
Para os iniciados é mole a tentativa, aliás divertida, produtiva e eficaz, para os poetas em especial, mas igualmente escritores, publicitários, gente da área artística é chegada a esses devaneios.
Para os não iniciados pode ser um caminho novo a seguir, quem sabe vem abrir espaço para outras incursões no estudo da língua portuguesa, na formação das palavras e em suas origens através de hábitos, usos e costumes das etnias. Ou simplesmente um mero passatempo. Quem sabe?
O significado de cada uma delas é objetivo, claro e definido. A toga foi a vestimenta usada pelos romanos na antiguidade, mas que veio a ser adotada mais tarde também pelos membros da justiça, particularmente magistrados. Hoje em dia, sobraram majoritariamente esses últimos, os únicos a usarem suas peças pretas, do pescoço para baixo, os conhecidos membros togados. Às vezes solenes, às vezes ridículos, a depender do membro, sua aparência e suas conveniências.
Dirão, e as vestimentas de grupos clérigos e de habitantes do Oriente Médio? Direi que eles não usam toga propriamente dita, mas uma cobertura corporal popularmente conhecida por túnica e suas variações de tecidos, cores e modelos.
O gato é o charmoso animalzinho de estimação ou de rua, de andar leve e macio que, em geral, encanta as pessoas, mas não os cães, e assusta os ratos. Muito admirado na Turquia a ponto de andar pelas ruas e casas sem ser absolutamente molestado, acolhido às dezenas anos sem fio no seu espaço de trabalho pela inesquecível Nise da Silveira, mas evitado em canis ou locais urbanos de trabalho, dito civilizados, como escritórios, tribunais e ambientes assemelhados, e proibidos em lugares assépticos tipo hospitais e postos de saúde.
Há uma outra acepção paralela para a palavra, muito conhecida entre aqueles que usam de subterfúgios para fugirem pelos subterrâneos da dissimulação malandragem e enganação.
O gato pode ser entendido, então, como o ato de se aproveitar do alheio em benefício ou interesse ou achismo próprio. Exemplos são muitos, entre tais, puxar para sua casa uma linha de eletricidade do vizinho, sem que esse saiba; copiar a prova de alguém ao seu lado furtivamente; subcontratar trabalhadores clandestinamente; interpretar a juízo particular uma legislação contrariamente ao entendimento convencional, ou votar por algum motivo contra num julgamento embora esteja a favor de alguém ou de alguma coisa, ou vice-versa.
Como se vê, ou melhor se lê, o significado paralelo de gato e a numerologia têm muito mais a ver do que imagina a vã filosofia. O mesmo se dá com toga e o paralelismo com gato e a numerologia.
Há o gato que subcontrata pela gatunagem e há o magistrado que escorrega no subterfúgio para levar a compreensão da lei ao seu bel prazer. Nesse caso pode-se falar em gatos togados e somente nesse caso. Como então descobrir um gato togado? Existe algum meio eficaz de se apontar um que esteja enrolando a interpretação da lei?
Recordo-me de três exemplos por sua relevância. Por que só 3? Uma razão é porque não sou da área do direito e, portanto, não acompanho julgamentos em foros ou tribunais.
Outra porque esses dois exemplos são flagrantes e saltaram aos olhos dos jornalistas, especialistas e comentaristas. Uma ministra do Supremo anos atrás ao dar seu voto proclama: “...não tenho prova cabal contra fulano, mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite...”.
O segundo mais recente da mesma autora: “...sou contra a prisão em segunda instância, mas no caso específico do habeas corpus de fulano, vou acompanhar vocês e ser a favor da prisão em segunda instância...”.
Ao faltar prova numa situação, vota-se contra porque a literatura assim permite? Ao estar a favor noutra situação, vota-se contra para seguir os votos dos demais? Falta de estudo, conhecimento, opinião, não importa, esse são exemplos típicos de escapar da questão por subterfúgios.
Um gato, ou melhor, uma gata togada. No frigir dos ovos qual a força do voto? É um voto que vale na contagem, mas vale no mérito? Pior, qual seu valor na condenação? Votar contra porque acha que é assim, porque pode por ser juíza ou para seguir os pares? Qual o argumento e a base jurídica? E o acusado como fica? Que se dane?
Por último, o mais relevante, a condenação dada ao ex-presidente Lula pelo Juiz Sérgio Moro. Sua sentença não traz provas nem indícios de provas, apenas um power-point com ilações explanatórias, apesar de a defesa ter rebatido com provas todas as acusações.
Um julgamento eminentemente político, reconhecido até por juristas de outros países, cuja sentença condenatória foi acompanhada pelo tribunal de recursos. Sob o mesmo diapasão, clima, jeito, convicção e circunstância. Gatos togados, em sua maioria, tergiversaram, inventaram, douraram a pílula, e condenaram em prazo diminuto um julgado, o presidente mais querido que já houve nesse país e o que mais fez pelo povo.
Deixaram de fora muitos outros acusados soltos, conhecidos corruptos repletos de provas. Deram assim os verdadeiros pulos dos gatos. A justiça brasileira, seguindo essas pegadas, está fadada e fardada a ser um inacreditável saco de gatos. A população?
Essa ainda não vem ao caso.
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(*) José Carlos Peliano é economista, poeta e escritor.