Geniberto Paiva Campos (*) -
“Nós andamos muito satisfeitos com aquela rapaziada dos bastidores na Dow. O produto original não era grande coisa – se os viets fossem rápidos, conseguiam raspá-lo fora. Assim, a rapaziada começou a acrescentar poliestireno e ele passou a grudar” (...) - um piloto americano falando das alegrias do napalm. (1)
Por várias décadas os militares fizeram intervenções na política brasileira. Com origem no “Movimento Tenentista”, início da década de 1920, para combater os corruptos de então, denominados “carcomidos”. Estes deveriam ser afastados da gestão pública e exemplarmente punidos.
É extensa a lista das intervenções militares no processo político-administrativo do país.
A maioria, senão a totalidade, inspirados no Movimento Tenentista.
A “Coluna Prestes”, expressão histórica do Movimento, foi, na avaliação do jornalista Domingos Meirelles: “uma das mais extraordinárias marchas revolucionárias da História da Humanidade. Durante dois anos e meio, um grupo de jovens oficiais do Exército e da Força Pública de São Paulo vagou pelo interior do país, em companhia de uma legião de civis, empurrados pelo sonho de transformar o Brasil numa grande nação. Dignos e honrados, tinham todos o talhe de homens de bem do seu tempo”. (2)
A chamada “Revolução de Trinta” significou a chegada ao poder do Movimento Tenentista. Quando o gaúcho Getúlio Vargas assumiu a presidência da república, no golpe que destituiu o presidente em exercício Washington Luís, em 1930.
A partir daí, em várias oportunidades, as Forças Armadas estiveram presentes como poder moderador e/ou intervencionista, no processo político- institucional do país.
E que teve o seu momento culminante em abril de 1964, com o denominado “golpe” ou “revolução” de 64. Dependendo do ponto de vista político de quem avalia o movimento. E adquiriram amplos poderes para colocar em prática o seu projeto de Nação.
Com erros e acertos, altos e baixos, os militares deram a sua contribuição ao nobre empenho de “transformar o Brasil numa grande nação”, apud Meirelles : como cidadãos indignados com o arbítrio, o nepotismo e a corrupção que devastavam o país.(2)
Instalada a “Nova República”, o Brasil entra no século 21 como uma país à procura da Democracia Plena. Um país desenvolvido, industrializado, livre do atraso, do analfabetismo. Uma das maiores economias do mundo. Pronto a assumir seu papel de grande potência, no chamado concerto das nações.
Eis senão quando, como diziam os antigos, tornou-se necessário uma nova temporada de “caça aos corruptos”. Pois havia estranhos no ninho. A chegada improvável ao poder, em 2003, de uma nova agremiação trabalhista. O Partido dos Trabalhadores.
O papel histórico que coube anteriormente às Forças Armadas, seria agora desempenhado pelo sistema judiciário, a “Rapaziada da Toga”.
Começava ali o desmonte do Estado de Direito, substituído por normas confusas, as quais visavam tão somente à extinção gradual dos direitos de cidadania. Dando início à substituição sutil e gradativa da civilização pela barbárie.
Curiosamente a sociedade civil a tudo assistiu inerte, como que alheia ao que se passava.
A condenação de réus sem culpa formada, em processos criminais. Substituindo as provas por conceitos vagos como “domínio do fato” e trazendo à baila a “literatura jurídica” para justificar a ausência de evidências mais elementares que justificassem condenação pessoas provavelmente inocentes em um processo criminal.
Associações de juristas, ordem dos advogados, organizações sociais, a consciência da cidadania foram, aparentemente, incapazes de perceber a ausência de legalidade, legitimidade e justiça nessas condenações. E assumiram a sua paralisante perplexidade.
Estava, assim, escancarada a porta para os passos subsequentes. Ultrapassados os limites do direito natural, o país adotou o Estado de Exceção.
Em nome do “combate sem trégua à corrupção” tudo se tornou permitido.
Foram, então, criadas novas “campanhas anticorrupção”, com batismo midiático.
E o apoio irrestrito dos órgãos de comunicação. Sempre vigilantes e implacáveis na defesa da democracia sem povo e sem voto.
Eliminando, na prática, direitos fundamentais como “presunção de inocência”; amplo acesso ao direito de defesa; decretação de prisão sem a conclusão do processo, e sem que fossem usados todos os recursos jurídicos disponíveis, permitidos em Lei.
Tudo em nome de um delírio punitivo, justificado, ingenuamente, pela necessidade do combate sem tréguas – muitas vezes seletivo – à “corrupção”. Na prática, promovendo o mais gritante e indefensável retrocesso da democracia, da liberdade e dos direitos humanos.
Dessa forma, não se sabe em nome do quê, instituindo um novo regime totalitário no Brasil. Representado por um Executivo que não governa, preocupando-se apenas na pronta entrega do patrimônio tangível e intangível do país aos interesses externos e na rápida extinção de direitos trabalhistas e previdenciários dos brasileiros.
Um desfecho totalmente imprevisível para mais um curto período de ensaio democrático no país: 1985/ 2016. Pois assim caminha a nação brasileira.
Como o japonês de Hiroshima, entre incrédulo e perplexo, após o bombardeio atômico em 1945, também perguntamos: “A saída! Onde fica a saída???”
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(*) Geniberto Paiva Campos é membro do Instituto de Estudos Brasileiros/IEB e do Coletivo Lampião.
(1) Arundhati Roy, no prefácio de “Razões de Estado”, Noam Chomsky, Ed. Record, 2008.
(2) Domingos Meirelles, in “As Noites das Grandes Fogueiras” – uma história da Coluna Prestes – Ed. Record, 2013.