"A vida é de quem se atreve a viver".


Martins: "Dói muito para os lúcidos ver na tela, pelos telejornais, o fogo queimar quase todo o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros".
Paraíso em chamas

Luiz Martins (*) -

Até parece título de superprodução de enlatado ruim, tipo Inferno na Torre. E o cinema típico da indústria cultural até nos mostra na tela tragédias para que elaboremos catarse face aos horrores do mundo. Como se diz em bom goianês, coisa de louco, sô!

Dói muito para os lúcidos ver na tela, pelos telejornais, o fogo queimar quase todo o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, ainda mais para mim, que nos meus tempos de repórter iniciante fiz matérias sobre o abandono dos parques, um deles, o de Veadeiros, à época (meados da década de 70), na seguinte situação: 21 fazendas e um orfanato, pode ser que ainda estejam por lá, pois, desapropriados, mas não indenizados – era o que alegavam.

Com exceção do orfanato e algum outrem, sempre foi prática de fazendeiros botar fogo, seja para renovar pasto; seja para facilitar a destoca do próximo plantio.

Afora o descaso atávico das autoridades e suas ameaças de construir represa e reduzir a área ecológica, nunca houve muita seriedade em respeitar a natureza por ali, mesmo sendo esta senhora patrimônio e atrativo maiorais em torno de Alto Paraíso, São Jorge e Cavalcanti que, apesar de incontáveis deslumbres (cachoeiras, rios, fauna, flora...), sequer contaram com suportes e logística de turismo à altura do mérito, nem mapas e guias de qualidade.

Por vezes, mais sinônimos de acampamentos para moçada “bicho grilo” e de loucuras-beleza como o aeroporto para boeings que, tempos atrás, era indicado como observatório de discos voadores.

Há muita gente séria por lá: na sociedade alternativa; no turismo; na militância preservacionista; na cultura. E é em nome destes últimos que encomendo as minhas mais elevadas esperanças, pois, eu vos digo, em verdade, estes já mereceram nesta o seu mais Alto Paraíso. [Foto dos voluntários - CMBio]



Os mais jovenzinhos não hão de saber, mas, a cidade se chamava Veadeiros, nominação trocada pelos vereadores que não se sentiam confortáveis com o gentílico. Veados, de fato, já eram raros, vítimas de caçadas e, pelo que me disseram (não sei se tem fundamento), de aftosa.

Quanto ao orfanato, Fazenda Bona Espera, foi muito astral, para não dizer surreal. Cheguei lá com o fotógrafo (não havia esse asfaltão de hoje, fomos de teco-teco) e ficamos ouvindo meninada em algazarra, numa peladinha de futebol, mas, falando uma língua que não compreendia, mas incrivelmente familiar, ainda mais que eu ainda me lembrava de alguma coisa do velho latim e comecei a me intrigar. Romeno? Parecia.

Aí, apareceram um cara de Goiânia e uma escocesa. Ele, guiado por sonhos mediúnicos; ela, algo assim. Missionários à sua maneira. “Isto aqui é uma colônia esperantista; esses meninos já estão sendo alfabetizados no idioma universal”. Mundo redondinho e casualidades de cair o queixo.

Eu estava justo contando isto, à mesa de um rango vegano, na sede da União Planetária, uma reunião da TV Supren. Quando dessa estada, não havia conhecido “o casal de italianos”, porque tinham viajado. “Somos nós”, disse um senhor idoso, do outro lado da mesa, meneando a cabeça para o lado da esposa. Até hoje me arrepio.

Entenderam porque sofro tanto em ver o nosso Alto Paraíso em chamas?
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(*) Luiz Martins – da série Minicrônicas.

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