"A vida é de quem se atreve a viver".


Cem Anos da Revolução Russa, a utopia do socialismo
Socialismos

Luiz Martins (*) -

Quando a esquerda se faz desgastada, aparelhada, objeto de achincalhamentos, aí eu vou mais para a esquerda, o que em nada acolhe sectarismo, e procuro refúgio nas utopias, embora nesse rumo o tempo atual seja safra escanifrada e, por vezes, riem-se na cara da gente ou vêm com ceticismo e desdém: “Nossa, como você é ingênuo”!

Confundem utopia (u-topos = o que ainda não tem topologia, mas já alvorece) com devaneio, nada contra, o papa temático no assunto, Gaston Bachelard, maior parte da obra sobre poéticas: do espaço, das águas, do fogo, dos sonhos.

Olha que livro maravilhoso: “O direito de sonhar”. Freud diria que vivemos a maior parte dos expedientes em atendimentos oníricos, daí, tratados como: “A interpretação dos sonhos”; “Psicopatologia da vida cotidiana” e “O chiste e suas relações com o inconsciente”.

E para quem acha que Marx era o cão danado do ateísmo, ele era tão somente o velho profeta dos horizontes, plasmou o que a Humanidade não teve competência à altura, mas bem que ensaiou.

Cai, então, a ficha desta prosa, os cem anos da Revolução Russa. A TV Brasil, olha que surpreendente, nos brindou com uma exibição-festival do cinema soviético, Eisenstein na cabeça.

Anteontem, quase me entalei de comoção com imagens e trilha de “Os cossacos de Kuban” (Ivan Pyriev – 1901-68), ao meu ver uma pintura cinematográfica ao estilo do Realismo correspondente, com um porém: metade dos cossacos não era de “vermelhos”, muito pelo contrário. [foto a seguir].

O realce que recolho, portanto, é de um século do “socialismo real”. Matizes vários, desde os bolcheviques aos requintes da democracia sueca. De ‘nossa’ parte, um panteão de ilustres a quem represento com os nomes de Arraes, Brizola e, tchan, tchan, tchan (este clarim é para os mais jovens), um líder camponês, José Porfírio de Sousa (1912— ?), desaparecido em Brasília (1973) e de corpo jamais encontrado.

Revolucionário no seu tempo presente, na resistência a grileiros, Porfírio foi praticamente o presidente de uma fugaz (porque logo esmagada) República Socialista de Trombas—Formoso (GO), minúsculo capítulo da história brasileira sobre o qual algum spot ainda há de ser focado, pois de obscurantismo a censura fez a sua parte. Falta pesquisa e justiça.

Muitas pessoas neste país foram perseguidas e martirizadas somente porque lutaram por causas futuristas e porque não se conformaram com o “alinhamento automático” para com a doutrina de Washington e porque vislumbraram saídas mais dignas para a pobreza do que as caridades da “Aliança para o Progresso”.

A ditadura pós-64 não se contentou com o poder e a revanche foi com sede às atrocidades. Mesmo a morte de João Goulart ainda está por ser esclarecida.

Dia desses, um rapaz veio com esta: “Você é marxista?”. Sou tão cristão quanto você, mas lembrando da fantástica trilogia de judeus: Cristo, Marx e Freud. Como pode um jovem formatar-se com tanto fervor em clichês antigos e recentes?

“Os Sem-Terra”, prosseguiu, “são treinados pelas Farcs”. Santo Deus!

Quantas lendas! Cada um com a sua, houve uma vez um verão, o verão do calor socialista, sinônimo de uma era que parecia ter chegado a alguns quadrantes e cuja “evolução” ideológica e linear era: primitivismo, escravagismo, feudalismo, capitalismo, comunismo e socialismo.

Quando eu vim ao mundo dessa cartilha ela já era interdita, a esquerda uma terra arrasada e os seus devotos foram tão cassados quanto os primeiros cristãos em Roma. Havia e ainda há os que a qualquer custo, incluindo o sacrifício de pessoas, querem encerrar a história com o capitalismo.

Uns, esclarecidos quanto ao seu papel nos esquemas de domínio; outros, ainda que de boa fé, de falsa consciência de que o socialismo é um perigo, uma espécie monstro alienígena.

Preferem a ilusão das sombras fantasmagóricas na parede de uma caverna platônica ao fulgor da luz que lá fora ilumina um mundo passível de ser construído com participação, lucidez e coletividade.

Os avanços se dão primeiramente na validação das propostas (legitimidade) e, mais tarde, no pragmatismo da experiência (legalidade). No caso do socialismo, as referências ainda estão por aí, mas, hoje, meu saudosismo vai para uma união de povos (e não apenas um bloco mercadológico), como foi a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

É um retrato na parede, uma Itabira (Drummond) cósmica que talvez tenha sido concretude antes de se cumprir como ideal.

Licença peço para discordar de Lennon (ele, noutro contexto, claro), o sonho não se acabou, pois sempre poderemos sonhar, inclusive, antes de adormecer.

E, melhor ainda, ao descobrir que estivemos anestesiados demais e por um tempo quase sem fim.

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(*) Luiz Martins – da série Minicrônicas.

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