Geniberto Paiva Campos -
Transcorrido exatamente um ano da votação do impeachment na Câmara Federal, persiste a dificuldade de decifrar as entranhas do golpe que colocou no poder um inusitado grupo de dirigentes políticos, que pela sua insana ousadia e ausência de limites, assombra o Brasil e o mundo.
Algumas coisas, no entanto, já se tornaram claras:
- não se trata tão somente da simples tomada e ocupação transitória do Poder Executivo;
- algo mais profundo ocorre na base ideológica orientadora do movimento golpista, cujo planejamento e sustentação financeira estão localizados fora do país, fato que será cabalmente comprovado mais adiante. O esclarecimento dos fatos históricos é inexorável;
- a violência não está na prática – antiga – da luta pela tomada do poder, mas na mudança radical na economia, nas relações capital x trabalho, na ruína da cadeia produtiva, na renúncia ao conceito de soberania, na modificação das bases e fundamentos de educação pública, na destruição completa da credibilidade da classe política, e na extinção total do movimento sindical brasileiro;
- o poder real deverá ser exercido por uma nova classe: ”apolítica” e dedicada à gestão.
No modelo do atual prefeito de São Paulo, o qual ressuscitou a “vassoura”, instrumento que enganou, de forma primária, tosca, os eleitores brasileiros na eleição presidencial de 1960.
Para quem teve paciência e estômago para rever as imagens da sessão plenária da Câmara na votação do impeachment, então comandada pelo deputado Eduardo Cunha, deve ter ficado surpreso ao perceber que a antiga “Casa do Povo” estava tomada por uma fauna desconhecida mas absolutamente ciosa do seu papel.
Demonstrando, pelo seu olhar e pela entonação de voz, suas convicções ideológicas.
Tomadas pelo ódio e pela intolerância. Ingênuos a serviço de uma causa cujas consequências lhes são desconhecidas.
As votações subsequentes na Câmara comprovam que ocorreu a criação de uma maioria incontrastável de deputados. Que vota obedientemente em bloco. E recusa o debate político. Legítimos representantes da “nova classe”.
Todos esses fatos e seu rápido desenrolar deixaram as forças democráticas perplexas. E a elite em regozijo permanente (eles acreditam que Michel Temer vai salvar o capitalismo).
Mas, afinal, o que estaríamos vivenciando hoje, do ponto de vista político-institucional?
O que acontece assim tão grave, que induz as forças políticas do campo democrático à perplexidade, ao imobilismo? Ou à dificuldade de construir uma resistência efetiva ao golpe?
Trata-se da complexidade de um movimento rigorosamente planejado e executado há anos pela elite financeira americana com a imprescindível colaboração de organismos estatais e o conluio de forças políticas internas brasileiras. Que se tornaram neoliberais apátridas.
Vale tudo para derrubar um governo progressista, após várias derrotas nas eleições presidenciais. E de mais de uma década de políticas sociais e inclusivas.
Aproveitaram, de forma irresponsável e sem nenhuma avaliação estratégica, o novo colonialismo dos americanos, que resolveram aplicar fórmulas recentes de dominação na América Latina, recém-criadas em seus laboratórios.
Honduras, Paraguai e o Brasil são os novos alvos dos experimentos neocolonialistas dos Estados Unidos.
Ao contrário do que fizeram anteriormente em vários países (e continuam fazendo atualmente, vide o caso da Síria) - com discutíveis resultados políticos – bombardeando impiedosamente, matando e torturando inocentes, crianças e idosos, sempre na perspectiva de dominação, adotaram, desde 2009 diferentes metodologias de dominação. Exatamente este modelo agora aplicado entre nós.
Novamente cabe a pergunta: - o que fazer diante do imenso poderio das forças antidemocráticas, submetidas ao controle externo do neocolonialismo?
De acordo com o professor Nilson Lage, entre as razões que conduziram ao golpe de 2016, situam-se:
1) “o temor permanente de que se obtenha em algum momento uma aliança política nacional estável no Brasil;
2) o Brasil sempre foi considerado concorrente potencial dos Estados Unidos, pela extensão do território, população, e em décadas recentes, pela expansão agrícola e acumulação de conhecimento tecnológico”.
Conclui o professor Lage dizendo que “a questão agora não é mais conter o problema Brasil em limites razoáveis, mas resolvê-lo de vez, o que significa a erosão dos meios e da cultura nacional ao ponto do não-retorno”.
Diante da possibilidade da coerência e acerto da avaliação do professor Lage, pode-se concluir que se trata, no caso presente, de uma situação extremamente difícil para as forças democráticas brasileiras, face às suas sérias implicações geopolíticas.
Ações de resistência política devem ser bem avaliadas. Evitando-se ações precipitadas.
A iniciativa do jogo político está no campo adversário, o qual conduz o jogo para a arena que, no momento, lhe pareça mais conveniente: o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário.
Considerando que o apoio da mídia ao movimento golpista é histórico e incondicional. E ocorre no Brasil desde início dos anos 1950. Contra todos os governos progressistas.
Impõe-se, em tais condições adversas, a criação de núcleos de inteligência política e estratégica, para que a resistência democrática se faça de maneira efetiva, na defesa dos interesses supremos da nação brasileira, gravemente ameaçados.