"A vida é de quem se atreve a viver".


Geniberto Paiva Campos
Sobre médicos e pacientes – o AVC de dona Marisa

Geniberto Paiva Campos (*) -

Os médicos primitivos eram os feiticeiros da tribo. Isso criou uma aura de magia da profissão médica, em seus primórdios.
Mas a evolução do conhecimento científico e a crescente e inevitável incorporação de tecnologias para diagnosticar, prevenir e tratar enfermidades recolocou a medicina num patamar mais acessível ao entendimento humano.

Alguns chegaram a afirmar que a tecnologia iria desumanizar a profissão médica. Parece que não é bem assim.

Ao contrário, até. O acesso dos pacientes às tecnologias de informação/comunicação criou a figura do “dr. Google”, de livre acesso aos pacientes, a qual obriga os médicos a uma atualização científica permanente – a educação continuada – e à troca de informações com as pessoas sob os seus cuidados e com os seus familiares.

E criou uma espécie de compartilhamento – ou cumplicidade – entre médicos e pacientes e suas famílias. Os quais passaram a fazer parte do processo de tomada de decisões diagnósticas e terapêuticas.

Em resumo, esta tem sido a característica do que se poderia chamar de medicina moderna. E novos e inacreditáveis avanços já estão sendo incorporados. A uma incrível velocidade.

No entanto, existem valores e padrões que podem ser assumidos como imutáveis - e permanentes - na prática médica.

Considerando o imenso poder que os médicos têm sobre os pacientes, existe um Código de Ética que todos os profissionais devem obedecer. E um juramento simbólico, conhecido como Juramento de Hipócrates, proferido na solenidade de formatura, onde os profissionais, em linhas gerais, prometem exercer a profissão com competência e dignidade. E humildade.

E todos são controlados por órgãos locais e de âmbito nacional, os CRMs e o CFM, autarquias públicas que têm a função de “proteger os pacientes contra eventuais desvios dos profissionais”.

(Pouca gente imagina os conselhos regionais e o federal de medicina com estas funções).

Mas há também um controle interior, talvez um impulso interno, que faz as pessoas escolherem a profissão de médico: o desejo de ajudar os indivíduos que perdem a sua saúde a recuperá-la.

De proteger a sua saúde, através da medicina preventiva. De chegar até a terapia paliativa, quando os recursos curativos se esgotam e tornam-se inúteis.
Como dizem alguns indivíduos sábios, o que orienta aqueles que escolhem a Medicina como profissão é gostar de gente. Ter por elas solidariedade. E compaixão.

Portanto, ao vestir o seu jaleco, o(a)s médico(a)s precisam estar imbuídos desses valores permanentes. E da sua nobre e digna missão. Tendo nos pacientes o seu foco permanente de cuidados. E profunda solidariedade humana.

A mídia e a ideologia política

O atual jogo político, mediado pelos partidos, mas com decisiva cumplicidade dos órgãos de comunicação, tem trazido algumas surpresas e perplexidades relacionadas ao comportamento público dos médicos e cidadãos brasileiros da classe média.

Médicos de todas as especialidades, como parte integrante do organismo social, são também submetidos a uma contínua e competente lavagem cerebral (o termo pode ser forte, mas é plenamente adequado) pela mídia.

A qual faz parte da elite econômica, que necessita do controle de todos os poderes para impor seu conteúdo ideológico, através da propaganda política e da manipulação, sem limites.

Desde o final do ano de 2002, com a ascensão do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República, os brasileiros passaram a ser submetidos a intenso bombardeio midiático. O objetivo: criar o ódio político ideológico ao PT.

Os resultados dessa operação político-midiática tornaram-se visíveis a partir de 2005 com o chamado Mensalão. Mas como os resultados eleitorais nas três eleições presidenciais subsequentes não foram aqueles esperados, a elite brasileira optou pelo afastamento, a qualquer custo, do Partido dos Trabalhadores do poder. 

Decisão que resultou num estranho e conturbado processo de impeachment. O chamado golpe jurídico-parlamentar.

Na prática, o retorno ao poder da ideologia neoliberal. Impondo ao Brasil uma pauta retrógrada e contrária aos interesses nacionais. Fazendo o Brasil regredir ao século XIX.

O que se observa agora é a atuação desastrada dos novos animais políticos criados pelos órgãos de comunicação. Inegável êxito da eficiência midiática.
Integrantes da classe média tomados pelo ódio político ideológico, habilmente inoculados pela mídia, através de lavagem cerebral impiedosa, ao longo de 14 anos de manipulação livre e irresponsável. Sem qualquer limite ético. Sem o mínimo controle.

Apenas dois exemplos atuais, relacionados à doença fatal da esposa do ex-presidente Lula, seriam suficientes para demonstrar aonde pode chegar o equivocado, injustificável comportamento desses novos animais políticos, movidos pelo ódio, e proclamando abertamente: “d. Marisa Letícia deve morrer”.

A presença de duas mulheres na porta do Hospital Sírio Libanês/SP, portando cartazes ofensivos à ex-primeira-dama, d. Marisa Letícia, internada naquele hospital por conta de grave AVC hemorrágico, do qual veio a falecer.

Os cartazes e as declarações dessas manifestantes assumiam explicitamente sua torcida pela morte da paciente.

Finalmente, a espantosa declaração de um médico neurocirurgião recomendando aos colegas que assistiam a ex-primeira-dama para, simplesmente, executar a paciente.

Em outras palavras, promover um assassinato médico – legal. Afinal, tratava-se de uma inimiga das suas convicções neoliberais, portanto, merecendo a morte. Simples assim.

O que teria levado essas pessoas – incluindo um profissional médico -  a assumir publicamente tais posições?

Tão claramente contrárias ao direito à vida, inerente a todos os seres humanos? Tão distante dos sentimentos humanitários e de solidariedade que integram os mais elementares padrões e crenças religiosas? O que nos afasta, inexoravelmente, da possibilidade de vivermos numa sociedade civilizada?

Com a palavra os donos de empresas de comunicação – rádios, jornais, revistas, TVs – e seus ditos “jornalistas”, que insuflam o ódio, a mentira, a mais deslavada falsificação de notícias e interpretações da realidade, cotidianamente repetidas.

Esse tipo de animal político, produzido em suas fábricas de propaganda política-ideológica, representa o êxito inegável de mais de uma década de manipulação irresponsável.

Para onde se imagina conduzir o país, com tamanhas inverdades? Lembrar que os alemães, na década de 1930, também manipulados por Goebbels, ministro das Comunicações de Hitler, apoiavam a perseguição aos judeus.

E xingavam violentamente os que eram transportados nos trens para a morte indigna nos campos de concentração, caracterizando a “solução final”. O Holocausto, uma mancha indelével na história da humanidade.

Sabemos os resultados dessa política de extermínio. Até hoje lembrada, para que não se repita.

Nenhuma população, ou grupos de indivíduos, de qualquer país, não importando o seu nível de desenvolvimento sócio econômico e cultural, estaria livre da manipulação dos seus sentimentos coletivos. Modificados de acordo com os interesses das suas elites, como sempre manipulados pela mídia.

Como explicar o comportamento da população norte americana nas últimas décadas, senão através desse eficiente processo?

Os norte-americanos acreditam, e estão seguramente convencidos, que os Estados Unidos têm uma missão a desempenhar no mundo; que os seus exércitos participam, sempre, de “guerras justas”; que a livre competição e o livre mercado são a melhor forma de alcançar o progresso.

E aplicam as teorias de Darwin no campo sócio econômico: os mais aptos é que devem sobreviver.

Desigualdade, justiça social, exclusão econômica, ausência de direitos são apenas danos colaterais provocados pelo deus mercado.

A mídia tem um papel essencial na criação e manutenção desse ideário. Quase religião.

Fácil, portanto, culpar os animais políticos, fruto de sórdida propaganda ideológica. Reclamar a sua punição.

Mas os verdadeiros culpados estão aí. Livres. Impunes. Prontos a cometer novos crimes e delitos. Aumentado o contingente de “animais políticos”. Prontos a proclamar tolices políticas, “urbe et orbe”.

Até quando?

- Descanse em paz, d. Marisa Letícia. E perdoe aqueles que não sabem o que fazem.

Em sua memória, os versos do poeta maior, Carlos Drummond de Andrade:

“As coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão...”
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(*) Geniberto Paiva Campos (*) – médico cardiologista – CRM/DF 645

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