Leonardo Hernandes (*) -
Em janeiro de 2013, o então governador Agnelo Queiroz assinou o Termo de Adesão ao Sistema Nacional de Cultura no qual estavam previstas, entre outras tarefas, a criação do Sistema de Cultura do DF.
De lá para cá, foram realizados inúmeros debates com a comunidade cultural, consultas públicas e uma Conferência Distrital de Cultura para tratar da criação do nosso Sistema e do Plano de Cultura.
Somente agora toda essa jornada se materializa em Projeto de Lei elaborado pela atual gestão do Governador Rodrigo Rollemberg, que encaminhou, no final de 2016, à Câmara Legislativa, o projeto para a criação da Lei Orgânica da Cultura – LOC, que institui o Sistema de Arte e Cultura do DF - SAC/DF.
O projeto já foi aprovado na Comissão de Educação, Saúde e Cultura com emendas e segue sua tramitação agora com a volta das atividades da Câmara Legislativa.
O complexo e ambicioso Projeto de Lei revoga quase toda a legislação distrital que trata das políticas culturais e se torna, praticamente, o único marco legal a tratar sobre o tema.
Assim, cerca de 300 artigos são extintos e muita coisa muda. O texto tem importantes avanços, como a desburocratização do Fundo de Apoio à Cultura – FAC/DF.
O modelo de gestão sistêmica para as políticas públicas organiza as instituições e as regras que operacionalizam uma determinada política e viabiliza, de forma contínua, a distribuição de competências e recursos, excluindo a necessidade de assinatura de convênios.
A proposta de ter para a cultura um modelo de gestão sistêmica, a exemplo do Sistema Único de Saúde – SUS, vem sendo implementada no Brasil desde 2003 pelo MinC e utiliza um Plano para definir metas e diretrizes a serem alcançadas em 10 anos.
Podemos resumir da seguinte forma: o Sistema é corpo da política, o Plano é a alma e os recursos o sangue. Somente com essas três partes funcionando em harmonia o modelo terá êxito.
Uma gestão sistêmica é fundada em três bases: desconcentração, descentralização e participação social.
A desconcentração ocorre com a organização dos componentes do Sistema e a distribuição de responsabilidades e competências dentro do mesmo órgão governamental.
No caso, a Secretaria de Cultura, Conselhos, Subsistemas e fundações. Já a descentralização é a distribuição de atribuições e recursos para outros órgãos e entes da federação, sendo esse o maior desafio desse tipo de iniciativa, principalmente no DF, onde temos Administrações Regionais e não cidades com autonomia financeira e administrativa.
FALHAS - O projeto em tramitação é falho nesses dois aspectos. Primeiro que, ao extinguir a lei do FAC e do Conselho, concentrou-se excessivamente as decisões na função do Secretário de Cultura esvaziando o poder do atual Conselho de Cultura do DF - CCDF.
O projeto não cria mecanismos efetivos para a descentralização das políticas e recursos entre as regiões do DF, atendo-se, apenas, a incluir essa atribuição da descentralização entre os princípios e objetivos.
Sem esses mecanismos não haverá Sistema. A determinação hoje existente, na atual Lei do FAC, de limite de contemplação de apenas um projeto por proponente desaparece, podendo, portanto, empresas com fins lucrativos acumularem projetos e recursos a fundo perdido.
O complexo e volumoso número de Conselhos e Colegiados da participação social previstos é pouco efetivo, tendo um aspecto meramente consultivo e acessório.
A Lei nº 111 de 1990, por exemplo, confere ao CCDF diversos e relevantes poderes, inclusive o de convocar o Secretário e aprovar o Plano de Ação da Secretaria.
Essas atribuições, dentre outras, serão extintas com a nova Lei. Essa alteração é fortemente contrária aos resultados da IV Conferência de Cultura que discutiu o projeto de Sistema de Cultura para o DF.
O Plano de Cultura Decenal não está atrelado efetivamente à gestão do Sistema. Não há nenhum dispositivo que obriga a vinculação orçamentária da Secretaria de Cultura e a execução dos recursos do Sistema de Financiamento para alcançar as metas previstas no Plano.
Assim, o Plano poderá ser apenas uma peça de intenções sem que o gestor de plantão seja obrigado a aplicar recursos para o devido alcance de suas metas.
Outra iniciativa de resultado duvidoso é a criação de duas fundações públicas de direito privado.
Uma para tratar do patrimônio histórico e artístico e outra para cuidar das artes no DF. Afora o debate da opção do governador Rollemberg de transferir para a administração privada as políticas públicas, causa estranheza a proposta de uma fundação que não resolverá o problema da preservação do patrimônio.
Uma fundação não terá o poder para emitir laudos e licenciamentos ou embargar obras. Poderá facilitar a administração, promoção e até a conservação mas não cumprirá o papel que caberia a um Instituto. Essa sim, uma necessidade urgente para a nossa Capital Patrimônio da Humanidade.
A segunda fundação tem um papel confuso. Apresentada como uma estrutura para executar as políticas para as artes tem como suas principais atribuições o fomento e a economia criativa.
O fomento é responsabilidade do Sistema de Financiamento (FAC e Lei de Incentivo) que ficam ainda mais concentrados na Secretaria e sem vínculo previsto com a nova fundação.
A economia criativa é um conceito amplo que envolve setores da inovação, tecnologia, moda, gastronomia, etc. Seria melhor tratar da Economia da Cultura, conceito mais restrito e próximo das artes.
Isso sem falar que parece pouco crível que tenhamos espaço fiscal para implementar essas duas novas estruturas diante do quadro calamitoso do orçamento do DF.
Portanto, embora a apresentação da Lei Orgânica da Cultura (LOC) seja um episódio para se comemorar e contenha avanços normativos, o presente projeto está ainda distante de resolver o desafio de estruturar uma política pública de cultura que seja capaz de fazer chegar à população de todas as cidades o acesso à fruição cultural e a vivência artística.
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(*) Leonardo Hernandes é ator, produtor e Gestor de Políticas Públicas pela UnB. Foi Subsecretário de Fomento da Secretaria de Cultura do DF entre 2011 e 2014 e Diretor de Mecanismos de Fomento do MinC até junho de 2016.