Geniberto Paiva Campos (*) –
“A distribuição da riqueza é uma das questões mais vivas e polêmicas da atualidade” (1)
O que acontece no Brasil, mais precisamente a partir de 2013, é consequência direta dos eventos que sacodem o mundo. É justo reconhecer que há uma certa dificuldade em se fazer esta conexão.
Há um método investigatório, geralmente utilizado pelas organizações um pouco mais sofisticadas em suas apurações, que adotam, na busca dos responsáveis por eventuais ilegalidades, o lema “follow the money” (siga o dinheiro). O qual, na maioria das vezes, constitui um reforço importante na investigação.
É possível aplicar este método para entender o que ocorre no mundo da construção permanente da desigualdade? Vamos fazer esforços nesse sentido, usando de toda isenção que tema tão delicado requer.
No final do século XX, o sistema capitalista tornou-se hegemônico, como forma de organização das complexas relações da Economia. A implosão da União Soviética e a consequente extinção da sua forte influência no leste europeu, e como principal antagonista da hegemonia norte americana, representou o fim do socialismo na região. Restando a China, ainda no campo socialista, mas assumindo, em sua nova política econômica, de formato híbrido, evidentes componentes neoliberais. Um desfecho, talvez inesperado, da evolução dos sistemas econômicos, num mundo em permanente mudança.
Alguns itens essenciais, que se imaginavam permanentes, iriam sofrer mudanças significativas na hierarquia dos valores adotados consensualmente por países e estados-nação. Porque o sistema capitalista também mudou. Mudanças que vinham ocorrendo na medida em que se tornava cada vez mais hegemônico.
O capitalismo, reconhecido como a melhor forma de produção de bens materiais e de riquezas, foi assumindo, gradativamente, uma nova configuração, priorizando a busca do lucro a qualquer custo, sem levar em conta possíveis consequências. Agora denominado “Capitalismo Financeiro”. Codinome do Neoliberalismo.
Exposto o cenário, já podemos partir “em busca do ouro”. De uma forma não chapliniana, claro.
Na epígrafe que abre este artigo, Thomas Piketty, em 2013, afirma que “A distribuição de riqueza é uma das questões mais vivas e polêmicas da atualidade”.
A forma de distribuir a riqueza é, na realidade, a maneira mais efetiva de construir uma sociedade justa ou de propiciar a criação da desigualdade e da injustiça social. Uma desigualdade aceita como algo natural do sistema econômico - pós globalização - criando as corporações multinacionais e instituições da área financeira, atuando em escala internacional, com sua excelência, o mercado, assumindo a coordenação e a gerência dos negócios. E aos Estados restando, apenas, um papel secundário de apoio e concordância com os novos gerentes, para garantir os negócios.
Como resultante desse esquema, o economista Ladislau Dowbor (2) sugere, de forma pertinente e inteligível, a construção de uma lista de itens que ajudam a entender como funciona o esquema do que ele denomina “o capital improdutivo”. Vamos, então, seguir o dinheiro...
1.Oito pessoas possuem mais acumulação de riqueza do que metade da população mundial. Tem algo de profundamente errado nesta forma de distribuição dos ganhos;
2.Financeirização do sistema: a partir de década de 1980, o sistema capitalista entra na fase de domínio dos interesses financeiros, com maior valor agregado sobre os processos produtivos, contribuindo para o aumento da desigualdade;
3.Segmentação de classes sócio econômicas, resultando em eternização da pobreza: quem nasce pobre permanece pobre. Caberia, portanto, repensar e redirecionar as estratégias de desenvolvimento econômico social, enfocando a questão da desigualdade. Ressaltando que não se trata de uma questão ideológica, mas de justiça econômica e social;
4.O coeficiente de aumento da renda para os que estão no topo da pirâmide de ganhos, acentua a distância entre estes e os que integram a base. Causa: elevado rendimento das aplicações financeiras sobre a produção, provocando graves distorções no sistema de ganhos;
5.Os pobres devem assumir a culpa pela sua pobreza, que decorre do seu pouco esforço e falta de iniciativa. Os ricos evidenciam que sua riqueza é fruto de dedicação e merecimento intrínseco;
6.Redução do papel do Estado na economia, com o mínimo de intervenção que possa contrariar os interesses do Mercado, (exceto nas crises financeiras);
7.Meio Ambiente: as políticas de defesa e preservação do Meio Ambiente atrapalham os negócios, reduzindo os ganhos dos investidores. A natureza é indestrutível e infinita no atendimento às necessidades do Homem. Os ambientalistas, e suas propostas, portanto, devem ser contidos;
8.Os Sindicatos Operários devem ser enfraquecidos até a sua extinção. Os direitos trabalhistas serão precarizados e reduzidos. E o proletariado extinto como classe social;
Os itens listados pelo economista Ladislau Dowbor (2) em seu livro, constituem uma espécie de catecismo neoliberal, com seus dogmas e crenças irrefutáveis. Um sistema econômico construído para se tornar uma espécie de religião, onde dissidentes e hereges não são bem vindos.
Tenta-se, na realidade, da viabilização de um sistema econômico – o Neoliberalismo - que somente sobrevive e se amplia em regimes autoritários. O imenso poder econômico, concentrado em pouquíssimas mãos, atuando sem limites geográficos, e criando suas próprias normas, se apropria de instituições definidoras do regime democrático e dos canais de comunicação/informação sociais.
Tudo isso gerando um poder, (poder corporativo), ainda pouco conhecido e percebido pelas cidadanias nacionais, as quais são facilmente submetidas aos seus desígnios.
Este o desafio para todos os países e nações atualmente. O que está acontecendo no Brasil, desde 2013 e nos anos subsequentes, é a comprovação cabal das ações destrutivas, sem quaisquer limites – éticos, políticos ou sociais - do poder das corporações financeiras.
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(*) Geniberto Paiva Campos, do Instituto Sapiens.
(1) Piketti, Thomas – O Capital no Século XXI – Ed. Intrínseca, 2013.
(2) Dowbor, Ladislau – A Era do Capital Improdutivo – Ed. Outras Palavras & Autonomia Literária. 2017.