Lara Montenegro (*) –
Hoje tive uma das conversas mais duras da quarentena. Uma pessoa me escreveu, no fim de semana, pedindo uma cesta básica, depois de ver a divulgação da campanha Rede Solidária. Fui responder hoje cedo, pra entender as circunstâncias e avaliar que tipo de suporte era possível dar. Ela vende roupas usadas em feiras da Ceilândia, Distrito Federal, e não está trabalhando há algum tempo por conta da quarentena.
Com uma mãe diabética e hipertensa e um irmão com deficiência, ela me conta que o aluguel está vencendo esta semana e teme ser despejada, pois não tem um centavo pra pagar. Solicitou o auxílio emergencial e há dias sua ficha está sob análise, sem resposta.
Pergunta se eu saberia de algum lugar onde pudesse viver como caseira com os dois (a mãe e o irmão). Por fim, me manda uma foto de costas e eu fico sem entender. Na sequência, me diz que está vendendo os cabelos pra tentar levantar dinheiro pra pagar o aluguel, perguntando se eu não sabia alguém que tivesse interesse.
Vendendo os cabelos pra pagar o aluguel.
Vendendo os cabelos pra pagar o aluguel.
Releio várias vezes a mesma frase, custando a acreditar.A miséria e a humilhação todos os dias conversando comigo ultimamente, em primeira pessoa. Organizo o apoio pra ela enquanto as lágrimas molham o teclado do computador. Choro de raiva dessa gente nefasta e sem escrúpulos que governa o país hoje, que espalha mentira e doença, que libera dinheiro a rodo pra banco, mas coloca todo tipo de obstáculo pra quem tá morrendo de fome ter acesso ao benefício mínimo. Sinto uma vergonha profunda de viver nesse nosso tempo.
Nosso grupo de mulheres de esquerda salva o dia mais uma vez. Levantamos a grana do aluguel, cesta básica e remédios em poucas horas. Em outro extremo, choro de novo, emocionada, agradecendo por estar cercada por elas. Nossa potência feminina/sta. Dando as mãos a gente vai tentando se curar dessa dor do mundo. Diariamente.
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(*) Lara Montenegro, geógrafa.