"A vida é de quem se atreve a viver".


Rogério Neuwald: “O ´Ele Não!´, protagonizado nas eleições de 2018, foi um movimento feminino, não só baseado na forte intuição das mulheres como em sua percepção imediata do histórico de vida do candidato à presidência”.
Chega de patriarcado! "Feme sapiens", já!

Rogério Neuwald (*) –

Lembro que as primeiras vezes que ouvi fofocas, ainda menino, fiquei estupefato pelos acontecimentos. O feminino era sempre o motivo do assunto. A vizinha que traiu o marido, a menina moça que beijava todos os rapazes da vizinhança, a garota que andava com roupas de menino, as duas meninas que passeavam de mãos dadas. Já os maridos que frequentavam a zona, os rapazes que se embebedavam na noite anterior, o pai que batera na filha e na mulher nunca eram motivos da boataria. Isso me causava desconforto e confusão na mente. Confusão que gerou angústia e reflexão ao longo do tempo.

O mais estranho era que, em todo final de tarde, um senhor aposentado sentava-se à porta da casa com sua cuia de mate e palestrava para a meninada – "meninada" que só o termo é no feminino. Os ouvintes eram todos meninos.

Sentávamos na calçada para ouvir suas estórias, da menina que era bonita e andava de saia curta, da dona de casa que estava saindo muito, à tarde, sozinha, e ninguém sabia onde ela estava indo. O cidadão aposentado enfatizava a vantagem de sermos homens e os privilégios da condição masculina. Eram conversas intrigantes não pela veracidade, mas pela apologia à supremacia do macho.

No bairro, quando surgia uma fofoca, todas tinham origem numa mulher. "Viram o que aconteceu com fulano? A dona Maria, ou a dona Joana, ou a dona cicrana, me contou". As fofocas saíam todas da boca de mulheres, mas morriam no bairro mesmo, pois logo se via que eram mentirosas.

Enquanto isso, a reputação das pessoas, mulheres na maioria, já tinha caído na boca do povo. Os homens, estes, continuavam frequentando a zona, seguindo com suas bebedeiras, agredindo, violentando adolescentes e sonegando impostos.

Os tempos evoluíram... será??

Hoje com a informação instantânea falamos com o outro lado do planeta, fazemos operações bancárias sem sair da casa, passamos dia e noite nas redes recebendo e repassando fofocas. A situação que era restrita ao bairro agora está no mundo.

Compartilham-se informações sem saber da veracidade, como no bairro, na ânsia do espírito masculino da competição, de ser o primeiro, de estar contribuindo com o domínio de nossas verdades, que são de opinião e não de conhecimento.

Em uma hora recebemos mais fofocas do que toda a juventude de todo um bairro. Aquilo que causava espanto no passado, mesmo sendo mentira, por preconceito, por mero descompromisso com a verdade, não é motivo de comentários, apenas de um encaminhar via zap, facebook, instagram, twitter, alimentando fofocas em escala planetária, as fake news.

Mas de onde vêm as fofocas hoje? Penso em Steve Bannon, o fofoqueiro universal, que como outros de mesma cepa viaja mundo afora procriando governos de extrema direita, cujo único trabalho é o de disseminar mentiras e dominar o fazer político, que já não existe mais como tal. Olavo de Carvalho, mesmo morando nos Estados Unidos, alimenta o gabinete do ódio do clã Bolsonaro e gera a discórdia no Brasil.

E o que esses personagens têm em comum? São homens, ditos da espécie homo sapiens, que se julgam superiores e crentes de que incentivando a competição, a mentira, o preconceito, a violência, podem continuar alimentando o lado mais perverso da maldade masculina: o do poder e o da morte.

Em momento de prisão domiciliar, como este da crise do "coronavírus", e de muita reflexão entre incertezas, resta ao menos uma certeza: há os que defendem a morte e há os que defendem a vida, a "Pacha Mama", do culto andino.

O "Ele Não!", protagonizado nas eleições de 2018, foi um movimento feminino, não só baseado na forte intuição das mulheres como em sua percepção imediata do histórico de vida do candidato à presidência.

Mas os fofoqueiros de sempre, os mesmos, os do espírito de porco que agora nutrem os Bolsonaro, trataram de desacreditar o movimento com imagens falsas e difamações absurdas, negando o principal motivo da iniciativa das mulheres: a defesa e a proteção da vida.

Talvez, na tentativa de encontrar as diferenças entre o feminino e o masculino possa se considerar mesmo que a principal delas seja a das emoções e de como lidamos com elas. Mulheres trabalham melhor que os homens as emoções, processam melhor, entendem melhor, usam melhor os sentimentos, são mais sábias que os homens.

O feminino, por trabalhar em harmonia o cérebro e o coração, pratica muito mais a empatia e a alteridade do que o masculino, o que leva à compaixão e a desperta ao seu redor. Mulheres são vida: nascimento e esperança. No mundo ideal, o masculino e feminino devem estar em complementariedade.

As lutas feministas avançam em todo o planeta. Mulheres guerreiras no sentido da força e da perseverança estão em busca da igualdade e a cada dia mais e mais libertas. Mas os "homo" do poder são muitos e com os seus maiores aliados, o ódio e a violência, insistem na tese de dominar as sociedades. O patriarcado ainda impera.

Numa rude metáfora, o feminino é o Estado e o masculino o Deus Mercado. Este que incentiva a competição, o cada um por si, a lei do mais forte, a meritocracia, a desigualdade, a riqueza de poucos, o corruptor. O Estado é que acolhe na crise, que cobra e distribui com justiça, para a saúde, a escola, a velhice, a cidadania.

Então, das muitas lições da crise do Covid-19 e em meio a tantas incertezas, talvez a mais real e necessária seja a reflexão que precisamos fazer sobre o masculino.

O homem que se considera sábio caducou com suas mentiras e está matando o planeta e toda a vida nele contida. Não sabe dar as respostas necessárias à sobrevivência de todas as espécies. Não sabe conviver em estado de harmonia, solidariedade e cooperação.

Temos que continuar sapiens mas, agora, com o destino da humanidade devendo ficar mais no coração e nas mãos das mulheres. É hora de passar a limpo até a nomenclatura, para "mulier sapiens” ou quem sabe "feme sapiens", para podermos entrar em um mundo mais justo, equilibrado, generoso e saudável.

Outra coisa: não provenho do mundo das letras. Só escrevi porque acredito mesmo que a regência pelo universo feminino é o caminho que poderá nos levar ao equilíbrio planetário.
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(*) Rogério Neuwald é engenheiro e mora em Brasília.

 

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