"A vida é de quem se atreve a viver".


GDF gasta R$ 19 mi para revitalizar o quê? O Eixão da Morte?
A revitalização do Eixão e o coronavírus

Wilde Cardoso Gontijo Junior (*) –

Recentemente o Governo do Distrito Federal colocou uma placa de propaganda da recuperação do Eixo Rodoviário de Brasília. O asfalto foi renovado, as faixas de rolamento repintadas e os taxões que separam a “faixa presidencial” central recolocados.

O Eixão foi reformado, mantendo suas mesmas características rodoviárias. Foi recuperada sua situação original.

No entanto, apesar de tantos re-isso, re-aquilo, a manchete estampada na placa do GDF foi questionada por alguns: Revitalização do Eixão? Será que esse termo cabe bem para representar o que foi realizado pelo governo? Uma obra como essa revitaliza essa rodovia?

Para responder a tal questão podemos recorrer ao Aurélio: revitalização é o conjunto de medidas que visam criar nova vitalidade, dar novo grau de eficiência a alguma coisa. O mesmo dicionário diz que tal substantivo é aplicado à revitalização de um conjunto urbanístico, de uma região, por exemplo.

Diria sem pestanejar que, segundo o Aurélio, o que foi feito deu nova vida ao asfalto e poderia sim ser chamado revitalização.

Poderíamos ainda recorrer às definições do Código de Trânsito do Brasil. Afinal, muitos em Brasília talvez não saibam, mas o Eixão é classificado como RODOVIA e está sob a responsabilidade do Departamento de Estradas de Rodagem.

Segundo esse Código, rodovia é uma via rural pavimentada. Pode soar estranho: uma via rural? Essa é a definição oficial no país e é assim que foi assumido pelos tomadores de decisão em Brasília: uma rodovia no centro da cidade.

Imagina-se, então, que tal rodovia estava em decadência no exercício de suas funções e, para revitalizar sua capacidade de rodagem de veículos, torná-la mais eficiente no exercício de sua função, nada como melhorar o pavimento e a sinalização da pista.

Diria mais uma vez sem qualquer dúvida: isso foi realmente feito! A rodovia Eixão está mais pronta do que nunca para ser uma via eficiente, fazendo rodar em seus quase 14 quilômetros, os veículos individuais que trazem e levam milhares de brasilienses todos os dias.

Resolvida a questão etimológica, a pergunta que não quer calar é: por que no título desse artigo foi feita referência ao mais famoso personagem da nossa atualidade – esse tal coronavírus. O texto e o título desse artigo se referem ao mesmo assunto?

Afirmaria peremptoriamente: sim, é o mesmo artigo. E vou tentar explicar o porquê.

O Eixão original, conforme proposto pelo seu idealizador, revitalizado ou não, dividiu a cidade em duas partes totalmente distintas. Acima ou abaixo dele, as pessoas circulam, se encontram, convivem. A cidade está viva nessas partes. As árvores florescem e envolvem as residências e os comércios, as igrejas e as escolas. A vida acontece.

Entre as duas partes, no entanto, existe o Eixão. Seco, sem árvores e onde não se pode ver a gente da cidade. Poderoso muro formado por veículos em velocidade, sem obstáculo algum, sem semáforos, sem passantes a pé para atrapalhar seu desfile majestoso pela via urbana. Piso perfeito, sinalização exclusiva, soberano que passa por Brasília sem vê-la, sem se relacionar com quaisquer das partes, sem conviver com a cidade, sem precisar da sua gente.

O Eixão é o maioral do isolamento social na cidade. Com ele ninguém pode. Com ele não há conversa, devemos aceitá-lo como ele é: não tem vacina. Aos domingos, permite-se um afrouxamento a esse isolamento cotidiano: das 7 às 18 horas ele descansa e abre-se aos cidadãos. Já não é a rodovia dos carros, é o Eixão do lazer. A partir do final do dia, no entanto, retoma seu posto para que, impune, volte a impor o distanciamento social aos brasilienses. É assim e ponto.

É o nosso coronavírus urbano. Agora revitalizado. Os acidentes entre veículos e pessoas já lhe proporcionaram o apelido de Eixão da Morte. Mas ele vive e, agora, revitalizado "revive". As pessoas devem passar por baixo de suas faixas de rodagem, em passagens sujas, escuras, perigosas. Parecem escombros de uma cidade bombardeada na guerra. Mas ele está lá: ao ar livre, limpo, renovado, protegido desses seres que submergem sob seu asfalto.

Revitalizado? Sim, forte como nunca, os carros consolidam sua hegemonia “nas cidades”: a de cima e a de baixo.

O coronavírus provavelmente encontrará sua vacina e nos deixará. Poderemos voltar a nos encontrar, nos abraçar, nos beijar.

E “as cidades”, vão se encontrar algum dia? Quem sabe algum dia ela possa ser efetivamente uma única Brasília, conectando suas partes, enchendo suas ruas de vida, de gente, sem isolamento social promovido por criações do próprio ser humano – nossos vírus, sejam carros ou rodovias em plena malha urbana. Propostas existem. Quem sabe.

A seguir, proposta de revitalização do Eixão feita por Amanda Sicca – canteiro central com árvores, passagens de pedestres e semáforos.


___________________
(*) Wilde Cardoso Gontijo Junior, coordenador da Associação Andar a Pé – o Movimento da Gente.

Você não tem direito de postar comentários

Destaques

Mais Artigos