José Carlos Peliano (*) –
As ditas autoridades brasileiras, desde que tomaram assento na Esplanada com a última eleição no ano passado, adotaram medidas de política econômica ao sabor do mercado financeiro e às custas da população, não toda ela, como se presumia e se vê depois, mas de sua maioria esmagadora.
Este parágrafo, de fato, não deveria ter começado o texto dessa forma, haveria de ser aos poucos, aos comprimidos, não de uma tacada só, para evitar um mal-estar, como um soro aplicado a pacientes com problemas agudos. Mas, não teve outro jeito, fomos tratados assim por eles e a resposta tem de ser do mesmo nível para ficar marcado pela indignação. Aqui não cabe paz e amor, nem fazendo arminha com as mãos.
Por que assim? Porque as medidas adotadas, ou melhor, desmedidas viciadas e atropeladas, só fizeram reduzir drasticamente ou mesmo acabar com conquistas sociais havidas desde a Constituição de 88 ao tempo em que carrearam e desviaram recursos públicos para serem utilizados pelos apoiadores e a claque do entorno governamental, a sanguessuga financeira.
Ao comparar os investimentos públicos realizados e as despesas sociais desde o golpe contra Dilma Rousseff até hoje em comparação à movimentação no mercado financeiro, em especial ao pagamento de juros da dívida pública, fica claro que o desmoronamento da economia é evidente e desastroso.
Ou visto de outro ângulo, do estoque de mais de US$ 300 bilhões acumulados pelos governos Lula e Dilma, perto de 15% já foram para o brejo por conta de uma política externa irresponsável e inconsequente, sem eira nem beira, somente para cobrir o rombo das contas externas e da saída de capitais.
Em poucas palavras, nossa economia está em frangalhos, sem ter nem saber para onde caminhar. Crescimento quase nenhum, apesar das malditas reformas trabalhista e da previdência. O ministério da economia é comandado por um despreparado, irresponsável, reconhecido até mesmo por gente da sua mesma linha neoliberal de ver os negócios, por exemplo, Armínio Fraga.
Voltamos ao foco do que interessa aqui. Desmonte da área social: entre outros absurdos, redução dos direitos trabalhistas, dificuldade crescente nas condições de aposentadoria por tempo e idade, falta de reajuste do funcionalismo público federal há cinco anos, redução de verbas do programa Bolsa Família e do SUS, desmonte homeopático da universidade pública em contingenciamentos sem noção e falta de apoio à agricultura familiar.
Impactos na área econômica dessas desmedidas sociais. A redução dos direitos trabalhistas acarreta igual diminuição dos recursos do FGTS que é o maior fundo público de financiamento imobiliário, acarretando queda de projetos não só da construção popular, quanto dos demais equipamentos urbanos e rurais.
A dificuldade de aposentadoria retira recursos da demanda pessoal e familiar, restringindo o volume agregado de compras e investimentos que chegam ao mercado, reduzindo os negócios. A falta de reajuste do funcionalismo segue igualmente o mesmo sentido da falta de recursos da aposentadoria.
A redução de verbas do Bolsa Família idem para o pessoal de menor nível de renda, o mesmo se dá para o SUS que deixa de contratar mais gente não gerando mais renda para a formação de consumo. Os desmontes da universidade pública e da agricultura familiar levam a efeito similar aos anteriores, além de desorganizar totalmente as áreas de educação de um lado e por outro de produção de verduras, frutas e legumes para as famílias.
O impacto social decorrente desses desmontes é de avaliação imediata. Aumento considerável do contingente mais pobre da população. A pauperização generalizada e ampliada. A uberização das atividades econômicas, que é, de fato, o biscate oficializado nos mais variados ofícios e setores.
A medida síntese dessas consequências é o índice de desigualdade de Gini, que mede a concentração de renda entre as pessoas e famílias. Ele atingiu o maior nível desde sempre quando começou a ser medido pelo IBGE: atualmente está em 0,57, estando entre os dez mais elevados e desiguais do mundo.
A pauperização da população se reflete na desorganização e desmantelamento da produção tanto industrial quanto agrícola, claro das pequenas e médias propriedades. A bola de neve não tem mais tamanho, levando tudo de roldão. A troco de quê, se pergunta? A troco de uma visão absurda, suicida, superada e de enterro consumado em todos os países por onde esticou suas lentes. Trata-se do neoliberalismo exorbitado na área financeira.
Além do que eles, os ditos especialistas, que defendem a zorra financeira, acreditam que o mercado por si só, a mão invisível que veio lá de Adam Smith, tem condições de arrumar a economia, colocando as coisas em seus devidos lugares.
Não aceitam Keynes, nem servido com boa dose de whisky, que pregava a intervenção anticíclica de recursos do estado para trazer a economia ao equilíbrio. Vejam a insensatez: como crer que o mercado, formado pelos agentes econômicos e financeiros mais robustos, interessados eles mesmos em retirar da economia os lucros mais exorbitantes, irá tratar de atuar como médico e enfermeiro cuidando dos desvios e disparidades que se manifestam na economia?
A insensatez chega ao cúmulo de financiar o Estado brasileiro atual comprando e comprando seus títulos públicos, negociando juros altos “of course”, aumentando o tamanho da dívida, deixando setor público de aplicar os recursos em investimentos de longo prazo e reduzindo em consequência a capacidade produtiva para dar segurança à produção social.
Prefere-se o lucro fácil pelos juros pagos nos papéis do que ampliar ou criar novos investimentos. Qualquer dona de casa é capaz de entender isso sem maiores esforços porque é o que elas fazem todo o mês administrando seus próprios gastos. Nossas “autoridades” econômicas deveriam fazer cursos de final de semana com as donas de casa mais pobres porque elas sabem bem mais que eles.
Esse é o retrato da ação da sanguessuga financeira que toma conta do país. Mas como tudo na vida vai e volta, o que acontece com a atual crise mundial provocada de um lado e há tempos pela disputa EUA x China e de outro pela recente pandemia do corona vírus, a sanha financeira foi derrubada pela queda das bolsas mundiais e dos negócios financeiros. Muitos grupos perderam dinheiro, outros quebraram de vez e alguns sobrevivem por respirador artificial, dependurados em alguns papeis de pouco valor e especulações de calças curtas.
E o mais assustador é o preço a ser pago por nós todos habitantes de países inconsequentes como o Brasil e os EUA. Aqui, além de mandarem embora os médicos cubanos, quiseram acabar com o SUS, não conseguiram, mas fizeram reduzir seus recursos e atendimentos, e agora com a provável chegada generalizada do corona vírus vai ser somente ele, o SUS, mesmo estropiado, o serviço público criado pela Constituição cidadã de 1988, ironicamente, quem vai poder dar conta do recado. Já nos EUA, como derrubaram o “Obama Care”, quem precisar ser socorrido nos hospitais vai ter de pagar os tubos, claro que só os que podem, para ter atendimento na rede privada.
A imagem sombria de “Blade Runner” me vem à mente com a dominação das cidades pelas grandes corporações enquanto a mão-de-obra uberizada, biscateada ou desocupada toma conta das ruas com as mais diversas atividades. Quem sair por último apague a luz!
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(*) José Carlos Peliano, poeta, escritor e economista.