"A vida é de quem se atreve a viver".


Charles Darwin (1809-1882), autor de A Origem das Espécies, consagrou a teoria que é estudada cientificamente em todo o mundo. O criacionismo é típico de religiões e não pode ser imposto no ensino público.
Núcleo Charles Darwin contra o criacionismo

O Núcleo Charles Darwin da Universidade de São Paulo (USP) protesta contra a defesa do criacionismo feita pelo novo presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Benedito Guimarães Aguiar Neto, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Benedito é reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e defensor da teoria do "design inteligente", uma outra denominação para a tese do criacionismo. Em uma palestra realizada em outubro do ano passado, quando ainda estava à frente da Mackenzie, ele defendeu que a universidade amplie os estudos sobre a área.

“Queremos colocar um contraponto à teoria da evolução e disseminar que a ideia da existência de um design inteligente pode estar presente a partir da educação básica, de uma maneira que podemos, com argumentos científicos, discutir o criacionismo”, disse Benedito.

Em nota pública, divulgada no dia 24/1, o Núcleo de Apoio à Pesquisa EDEVO-Darwin, da USP, protesta contra a defesa do criacionismo como matéria cientifica a ser estudada nas universidades como pretende Benedito Guimarães.

A seguir, a íntegra da nota:

“O Núcleo de Apoio à Pesquisa em Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução “Charles Darwin” (NAP EDEVO-Darwin), ligado à Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), que reúne diversos cientistas atuantes na área da evolução biológica, diante de matéria divulgada no site do jornal Folha de São Paulo de 24/01/2020, sobre opinião emitida por pessoa que será encarregada de dirigir a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), ligada ao Ministério da Educação (MEC), vem a público esclarecer que:

O chamado “criacionismo científico” não é reconhecido pela comunidade científica de nenhum país, reunida em associação científica com membros acreditados junto a instituições acadêmicas desvinculadas de organizações religiosas ou por elas financiadas;

Literalmente todas as evidências disponíveis, corroboram a explicação da diversidade e estrutura da vida na Terra por meio de processos de descendência com modificação e que todos os seres vivos são conectados por relações de ancestralidade comum. Novas áreas da ciência, como a Genômica, continuamente fortalecem este paradigma. Não existem dúvidas plausíveis de que o processo evolutivo seja a melhor explicação para os fenômenos da vida, uma conclusão aceita há mais de um século e atualmente endossada inclusive por muitas instituições religiosas, como o Vaticano;

É amplamente reconhecido que o chamado “design inteligente” é simples eufemismo do dito “criacionismo científico”, sendo que o mesmo exato termo (“intelligent design”) já era usado com o mesmo sentido no século dezoito por teólogos protestantes, como Joseph Butler (1692-1752). A expressão foi utilizada originalmente naquele contexto para retomar as teses de Tomás de Aquino a fim de comprovar a existência de uma divindade criadora do universo, o que deixa claro como as expressões têm exatamente o mesmo sentido conceitual;

Apenas algumas denominações religiosas têm no criacionismo científico um de seus dogmas centrais, em especial as de maior expressão no chamado “cinturão evangélico” dos Estados Unidos, com tentativas de se introduzir o ensino do chamado “design inteligente” nos currículos escolares. O ensino religioso é permitido no Brasil, mas deve ser restrito à disciplina de ensino religioso, que não é de frequência obrigatória, e não pode incluir proselitismo religioso (Lei 9394/1996, Art. 33).

A última manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) examinou o conteúdo do ensino religioso definido nesse artigo, não abordando a inclusão de dogmas religiosos nas disciplinas científicas;

Ao impor aulas de “criacionismo científico” desde os anos iniciais do ensino fundamental a todas as crianças, em disciplina de frequência obrigatória, configura-se uma afronta ao regramento legal brasileiro, por obrigar os filhos de todas as famílias a aprender o que algumas denominações religiosas estadunidenses conservadoras elegeram como dogmas centrais obrigatórios para seus seguidores. Trata-se, portanto, de proselitismo religioso estatal compulsório, vedado expressamente por lei federal. Lembre-se que essa prática também é proibida nas escolas públicas estadunidenses.

Além de afrontar uma lei federal infraconstitucional, essa prática, se consumada, afrontará a própria Constituição Federal, ao colocar o estado brasileiro a favorecer certas denominações religiosas, em detrimento de outras. E ainda condenará o Brasil a caminhar de maneira cada vez mais lenta na trilha da melhoria da educação pública, comprometendo irremediavelmente a qualidade da educação, o que, aliás, contraria outro ditame constitucional;

Não bastassem as afrontas às leis e à própria Constituição Federal, essa imposição, se implementada, condenará a juventude do país a não compreender questões científicas básicas acerca da vida no planeta, como a origem e a importância da conservação da biodiversidade, o desenvolvimento de resistência a antibióticos por parte de certas bactérias, e tantas outras questões que o mundo moderno veio a entender graças à teoria da evolução.

O desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro estará ainda mais comprometido se a anunciada iniciativa vier a ser consumada nas escolas brasileiras de educação básica.

Universidade de São Paulo, 24 de Janeiro de 2020.”

Assina:
Núcleo de Apoio à Pesquisa em Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução “Charles Darwin” (EDEVO-Darwin/USP).

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