José Carlos Peliano (*) –
Nesses tempos birutas, tais quais aquelas de aeroportos, que a gente olha e ela vai para um lado, mas vai para outro em pouco tempo ao olhar de novo e assim sucessivamente, é preciso pensar bem antes de se levantar da cama, com cautela, e começar a elaborar uma pequena pauta de passos a serem dados em direção ao dia que começa. Em direção a um novo ano que começa porque haverá mais 364 dias pela frente, sim, e assim, desse jeito, todo santo dia. Afinal começamos anos novos a cada dia. E encerramos os passados também.
Não se trata de uma ajuda espiritual ou religiosa, nem pensar; autoajuda, menos ainda; ordem militar, caia fora; conselhos de nossos pais, um pouco pode até ser; papo de amigos, bem assim, mas principalmente um descarrego de luminescências vindas de depois muitos apertos, indignações, sofrimentos, tristezas, passados por nós mesmos. Mas não só isso, trata-se de um grito de resistência vindo lá do fundo do fundo de si mesmo, diante de tanta doideira e destruição solta por aí, comandada pela turma atualmente de plantão no comando do país instalado no planalto central.
Vamos chamar os passos a seguir apenas de passos e não mais do que passos, que podem ser de andar somente, curtindo momentos; de sair correndo, quando for o caso; de dançar, seja um bolero da vida, uma valsa, ou um samba no pé, ou o que der na cabeça e descer à dança dos pés; ou passos para sequenciar atividades e ações necessárias no dia a dia de cada dia nosso. Tudo vale se o vale de cada um de nós ainda valer nesses dias em que o futuro parece não valer nada diante do vale-tudo do governo, destruindo conquistas sociais e trabalhistas adquiridas depois de muita luta nos anos passados em governos democráticos que sabiam dar valor à vida que vale cada um de nós outros.
Um primeiro passo é não perder a verve, a postura, o estilo, o jeans velho de guerra, os amuletos, a sandália, o casaco marrom, e principalmente segurar a alegria para não a perder, assim como a disposição de sorrir, rir em risadas soltas, perceber e sentir a graça das coisas, mesmo sem graça, mas exatamente por isso, a coisa pode ser sem sentido, absurda, mas a um tempo hilária, tipo o “taokei”, que tenta dizer tudo para não dizer absolutamente nada. Manter o jeito de ser do jeito de cada um, sem copiar ninguém, sem se sabotar, sem forçar coisas diferentes já que o diferente é mesmo cada um.
O importante é o passo seguinte. Se o primeiro passo foi com o pé direito, vai agora o esquerdo no segundo passo. Se foi ao contrário, segue o contrário mesmo, sem o grilo de ter começado com o pé esquerdo, afinal os pés não têm nada que ver com as crendices de cada um. Nesse passo agora é saber bem o que se quer levar adiante durante o dia do jeito próprio de cada um. Claro que não dá para ser como um trator sobre um campo de rosas, ou uma queimada voluntária na floresta, nem vale a pena.
O que quer dizer que se deve levantar a bandeira de cada um evitando tropeços, trombadas, paradas desnecessárias, perda da calma. Um certo nível de negociação não faz mal a ninguém, afinal muitas vezes é dela que se consegue vislumbrar melhor o passo seguinte. A vida não é a nossa cara, nem a do outro, ou dos outros, mas é a cara que vai sair do encontro de todos. Se não der para manter exatamente o que se quer, segure bem o que sobrar se for de seu interesse, caso contrário deixe para outra hora. Mas fique na luta.
O passo terceiro é exatamente a consequência do parágrafo anterior. Se for o caso de se deixar para outra hora o que se propôs, não se perturbar, nem se incomodar, tampouco se culpar, o embate é assim mesmo, há dias que se consegue, outros que não se consegue, mas não se perde. Perder é para quem se entrega, não é para quem se empenha e luta até o fim. Com certeza a força, a garra e o compromisso não recompensados serão sim recompensados pela marca da bravura, da tenacidade, da disposição, as quais com certeza estarão sempre presentes no clima do final do embate. E presentes também no clima dos dias que se seguirão porque quem sai na frente saberá que o outro que não foi em seu lugar estará sempre presente em sua sombra em busca de recuperar seu compromisso de luta.
O quarto passo é o de recompor o objetivo não conseguido. Mas, veja bem, não conseguido como tal, mas conseguido até onde foi possível. Momento então de reformular o objetivo mantendo o que se conseguiu e refazendo o que se não se conseguiu. Se achar que não é bem assim, não se perturbe, nem se culpe, mantenha a verve, e refaça, então, seu objetivo de maneira a obtê-lo mais adiante. Preste atenção na água que escorre riacho abaixo, ela se supera não só pela persistência, quanto pela repetição, paciência, até conseguir contornar ou mesmo derrubar o obstáculo de terra ou rocha a sua frente. Ser como a água, mansa, decidida, alegre, cantarolando sua passagem pelas passagens, sem se pentear de glórias, mas de conquistas, até que chegue ao rio ou ao mar, ao seu objetivo final.
O passo a seguir, o quinto, é um passo bem importante. É o de conseguir adeptos ao que se quer. É a velha história de que a união faz a força. Arranjar companheiros de ideais e objetivos para se juntarem na luta pelo que se quer. Quando dois ou mais pensam e decidem juntos com confiança é, em geral, melhor que um fazendo sozinho. O grupo é um ser de várias cabeças que veem e enxergam mais longe.
O sexto passo é o de festejar a própria vida e a luta em levá-la em frente da melhor maneira possível. E festejar sim porque ninguém é de ferro, mas feito de emoções, sentimentos, ideais, amizades, solidariedade, cooperação. Já se disse que “rir é o melhor remédio”. Portanto, seguindo e quando der, festejando e sorrindo.
O sétimo passo é o de conhecer bem o que se quer pela leitura e estudo dos que escreveram sobre o assunto e correlatos ou conversas de aprendizados com quem viveu situações semelhantes. O conhecimento é a chave para se chegar a entender bem por dentro e por fora o que se quer. E levar cada um em frente com boa bagagem para enfrentar os embates. E ter todas as condições de superar os obstáculos. E conquistar o pretendido. É aquela história, quem sabe, sabe, quem não sabe diz asneiras.
O último passo é o mais importante: não sigam os passos anteriores do jeito que estão postos, refaça-os cada um a sua imagem e semelhança. Não se tratam eles de papo de “coaching”. Longe disso, de jeito nenhum. Eles são tão somente reflexões para não despencarmos de nossas insatisfações com o mundo atual e o nosso país. E cairmos na tristeza. Ao contrário, alegria, alegria! O que vale é seguir em frente porque atrás vem gente. Fujam de arautos do paraíso, da bonança, da prosperidade, do bem-estar. Eles se enriquecem com isso, nós continuamos esperando. A desigualdade se supera pela participação de cada um em defesa de direitos iguais para todos do jeito e da maneira que encontrar mais adequada na luta quotidiana. Aprender conhecendo antes ou na ação e fazendo depois. Fazendo bem ao próximo como a si mesmo.
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(*) José Carlos Peliano, poeta, escritor, economista.