"A vida é de quem se atreve a viver".


Cristiano Torres: "Jornadas de Junho de 2013, para refrescar a memória sobre como tudo começou".
Sobre junho de 2013: Chico Buarque é que estava certo!

Cristiano Torres –

O Chico Buarque é que estava certo: Lula deveria ter criado o “Ministério do Vai Dar Merda”. Teria evitado diversos erros e dissabores durante os governos do PT. E a esquerda mobilizada nas redes sociais, principalmente aquela que se afastou dos governos do PT, deveria ter feito o mesmo: criado o “Facebook do Vai Dar Merda”. O “Twitter do Vai dar Merda”. E o “WhatsApp do Vai Dar Merda”.

Mas não. Resolveram agir por conta própria. Tomar nas mãos as rédeas da "revolução" e provocar a onça – do mercado, da mídia conservadora, do poder econômico e financeiro – com vara curta. Seguiram o conselho de um monte de anúncios de TV, de refrigerante a whisky escocês, querendo provar que grupos como “O Gigante Acordou” e "Vai Pra Rua” eram demonstrações de democracia robusta, pois todos queriam “20 Centavos a Menos” e serviços públicos “Padrão Fifa”.

Daí, logo passaram a protestar contra um governo popular de esquerda, que em 10 anos criou 20 milhões de empregos formais e retirou 36 milhões de pessoas da miséria.

Pensei com meus botões: “Isso vai dar merda”. E não quis participar da brincadeira. Continuei a fazer o meu trabalho de formiguinha, num órgão da administração federal.

Petralha! Vão gritar. Não me importo. Não mudei de ideia.

Cinco anos depois, a herança: um governo fascista, entronizado “Contra Tudo o Que Está Aí” – inclusive as políticas sociais, o salário mínimo, a previdência dos pobres, os Direitos Humanos.

Óbvio que entrar na onda das Jornadas de Junho de 2013 seria uma roubada. E por quê? Porque ainda me eram frescas as lembranças das manifestações dos Caras Pintadas, em 1992. Eu tinha 17 anos na época e saí para a rua, de cara preta e bandeira na mão, contra o “governo mais corrupto da história”.

Lembro bem do resultado. Ao derrubar Fernando Collor e seu grupo político, o sistema rapidamente se reorganizou e após um curto governo de transição, conduzido por um vice-presidente do PMDB, alçado ao poder por um processo de impeachment (aos mais novos: ele não se chamava Michel, mas Itamar, o segundo de três presidentes “de fato", mas não eleitos, do PMDB), o sistema entronizou o Neoliberalismo Mercadista de Fernando Henrique Cardoso, nosso "profeta", carinhosamente conhecido como FHC.

Um governo tão maravilhoso, tão maravilhoso, que sua grande marca foi permitir que a classe média desse uma volta na Disney, por causa da paridade dólar-real, e que a população pobre tivesse o privilégio de comer frango assado. Surpreendente.

Depois, privatizar, privatizar, quebrar o país três vezes e doar dinheiro público para os bancos não quebrarem o país, de novo.

Ah, sim, e o apagão! O grande presente do FHC ao país.

*

Não, definitivamente as Jornadas de Junho não me pareciam boa ideia. Se sair à rua para derrubar um governo liberal já tinha piorado substancialmente a vida dos brasileiros, sair para protestar contra um governo popular de esquerda só conseguia me causar uma péssima impressão, somada a um gosto amargo de ressaca cívica ultrapassada.

Daí que não foi nada difícil, em junho de 2013, perceber o rumo errado que os protestos tomariam em poucos dias e o efeito desastroso que dele logo resultaria.

Fiquei um bocado desconfiado das primeiras manifestações e, depois de muita confusão na Esplanada, desci, num fim de tarde, para assistir à mobilização em frente ao Congresso. O primeiro fato que presenciei envolvia duas meninas, de 16, 17 anos, ostentando um cartaz escrito: “Queremos a volta da Ditadura!”, além de diversos outros contra Dilma e o PT.

Isso foi em 21 de junho de 2013 – me lembro bem por ser a data de aniversário do Tricampeonato Mundial do México 1970 –, pouco menos de um ano antes da Copa do Mundo realizada no Brasil. Por mais de dois anos, o PSol, o Movimento Passe Livre (responsável pela mobilização inicial das tais Jornadas de Junho), os Black Blocs e outros grupos de esquerda continuaram a participar das manifestações e a fazer número para as aglomerações populares “Contra Tudo o Que Está Aí”.

E continuaram, mesmo depois que as ruas foram tomadas pela extrema direita e por um sem número de animais exóticos, que pediam morte ao PT, a volta da ditadura, a volta da tortura e que gritavam para qualquer adversário: “Comunista! Vai pra Cuba!”.

Continuaram disputando a rua como se fossem uma torcida organizada de futebol, ao longo do período da eleição, até meados de 2015, ou até que a imprensa e grupos conservadores se sentissem seguros o bastante para criminalizar certos inocentes úteis, como alguns supostos Black Blocs e outros mais.

Foi bastante tarde que a esquerda tradicional decidiu se organizar, fazendo frente aos reacionários, com péssimas propostas legislativas – como o pacote anticorrupção da Dilma, que legalizou o instrumento da colaboração premiada, ops, da delação, ops, da deduragem manipulada – e suas próprias mobilizações tardias.

Foi bastante tarde que partidos e organizações – como o PSol ou a Mídia Ninja ou os Black Blocs – perceberam que haviam perdido o controle das ruas, agora tomadas pelo ranço antipopular, antipobre, antinegro, antigay. E foi só então que se vislumbrou a existência de redes clandestinas de informações, espalhando aos quatro ventos do país as mais absurdas mentiras e os mais paranóicos delírios políticos, levando a população a acreditar que um político miliciano, assumindo o poder, seria a resposta “Contra Tudo Que Está Aí”.

Então, a esquerda se uniu, tarde demais, em torno da Dilma, de Lula e do PT!

Verdade? Não, mentira.

Depois do golpe de 2016, depois do falacioso Governo Temer e da prisão do Lula – quando ele, Lula, apontou a possível participação do governo dos EUA e da CIA nas mais que notórias Jornadas de Junho de 2013 –, e de o mundo político assistir, atônito, o País da Cordialidade se entregar pacificamente ao fascismo brutal e inescrupuloso, qual cordeiro levado ao abatedouro, os esquerdistas utópicos, os das redes sociais sobretudo, têm pronta a resposta que, para eles, dá sentido a tudo isso:

– É claro! É óbvio! É tudo culpa do Lula e do PT, todos corruptos e criminosos!

Pois bem, quem sabe esta anamnese possa refrescar a memória de quem ainda tem dúvidas de como se deram os fatos.

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