José Carlos Peliano (*) –
Se todos os dias da semana fossem sábado ou domingo, certamente nenhum de nós teria chance de ansiar pela chegada da sexta-feira para ser presenteado pelo sábado e/ou domingo. Aquele sentimento indizível de trocar o cansaço semanal do trabalho pela benesse de um final de semana de descanso ninguém desfrutaria. Mas não foi por isso que inventaram os dias da semana, esses vieram por conta do aparecimento das vilas e cidades e da consequente organização urbana do trabalho e do descanso.
A bendita sexta-feira é a eleita dos aprisionados ao trabalho urbano e até mesmo das atividades agrárias na era da industrialização. Uma vez que na vida rural dos tempos antigos não havia sábado e domingo porque todos os dias a natureza convidava os camponeses para cuidá-la e desfrutá-la, embora restasse o hábito e o costume que fluía entre eles como o crescimento das plantas.
Mais ou menos assim, o trabalho era intermediado por períodos de descanso, sem ordem específica, assim como as plantas têm períodos variados de germinação, crescimento e colheita, levando o trabalho de cultivá-los ser igualmente variado e daí propiciar períodos diferenciados de paradas.
Qual foi então a grande sacada dos primeiros mestres artesãos que foram para os burgos e viraram fabricantes pioneiros, hoje renomeados e propagandeados por todos os lados como empreendedores? A sacada foi a reunião dos trabalhadores, antigos artesãos individuais, nas recém-criadas fábricas, com suas habilidades específicas, em tarefas pré-determinadas, por todos os dias da semana em jornadas diárias maiores que o padrão das oito horas atuais. De início o descanso semanal não era respeitado, o que foi ganho aos poucos pela luta histórica dos trabalhadores reunidos em associações e sindicatos. Daí surge no tempo o sentimento da chegada gloriosa da sexta-feira!
Por que fizeram assim os mestres artesãos, capitalistas primitivos? Porque era preciso manter os trabalhadores operando suas tarefas diárias e cronometradas a fim de se ganhar tempo. O tempo coletivo. Não podia mais o trabalho ser no estilo rural sem hora, dia e tempo certos em cada jornada. A liberdade do trabalho rural foi trocada pela clausura do trabalho urbano nas fábricas. Daí em diante com a grande indústria a coisa não mudou muito.
Ou melhor, mudou de ritmo e de intensidade. O sistema de máquinas substituiu boa parte das tarefas reunidas dos artesãos dando à atividade de trabalho mais divisão, intensidade, controle e padronização. Quanto mais dividido, intenso e padronizado o trabalho sob controle do sistema de cada indústria, maior a produtividade (produtos por tempo de trabalho). Quanto mais eficiente o trabalho, ou seja, sem perdas de tempo e de produtos ou de retrabalho, uma boa produtividade será garantida. E, por fim, quanto maior a produtividade o lucro esperado é possível. Logo, mais divisão de trabalho, mais intensidade nas operações, mais eficiência e produtividade. E mais lucro.
Interessante observar que a produção capitalista extingue as diferenças dos trabalhos rural e artesanal, dadas pelas habilidades individuais de cada camponês e artesão, padronizando-os de acordo com seus objetivos, expressos nas hierarquias de ocupações, com o auxílio do sistema de máquinas, hoje controlados por meio digitais. Substituem diferenças por outras diferenças. Fez dos trabalhadores meros operadores de poucas tarefas manuais e muitas operações com máquinas e equipamentos. De fato, os trabalhadores se tornaram peças de uma engrenagem industrial intensa e extensa – vide, por exemplo, Tempos Modernos de Chaplin. Das diferenças individuais de trabalho às diferenças ditadas por cada companhia até a sua padronização industrial geral.
Interessante continuar observando que as diferenças individuais de trabalho passam, então, pela diferenciação padronizada de trabalho do sistema industrial para se tornarem, ao fim e ao cabo, em diferenças de produtos e serviços, não mais rurais ou artesanais, pois agora industriais, para serem postos e vendidos no mercado consumidor. Vivam as diferenças dirão os capitalistas e seus acólitos!
Derrota para o capitalismo! Disse lá atrás o velho Marx. O sistema capitalista, travestido nos dias de hoje de neoliberalismo está fadado ao fracasso. Ele tende a destruir a si mesmo. Como? Do lado do trabalho, ao eliminar as diferenças naturais do trabalho rural e artesanal, o capitalismo criou ao longo da história outras diferenças ao seu critério pela hierarquia das ocupações dadas pelas empresas e a consequente redução de salários. Sem opção, a maioria esmagadora dos trabalhadores se adaptou aos perfis das ocupações industriais.
Do lado do capital, ao se aperfeiçoar continuamente na eficiência e qualidade de sua produção cada empresa para vender no mercado tem de competir com as demais para ter sucesso e obviamente lucro. A competição capitalista cada vez mais acirrada entre as empresas tende a rebaixar muitas competidoras para níveis menores de produção ou mesmo destruí-las, deixando de fora somente as sobreviventes. Esse processo autofágico contínuo chegará aonde?
As diferenças de trabalho vieram das habilidades de cada trabalhador em seu conjunto para as diferenças visíveis de hoje entre os que têm emprego ou trabalho e os desempregados e subempregados. As diferenças de capital saíram das fábricas primitivas com coletivos diferenciados de ocupações e produtos para as empresas de hoje altamente eficientes com pouco trabalho humano dividido e muitas operações de máquinas e equipamentos com sistemas digitalizados de controle.
Uma conclusão imediata é que as diferenças criadas pelo capitalismo na hierarquia de trabalho, substituindo a natural, e as diferenças levadas pelos produtos ao mercado são os verdadeiros geradores, ou melhor, produtores da desigualdade presente no mundo moderno. Com as inovações tecnológicas, o capitalismo vem destruindo ocupações, tornando obsoletas outras por ele mesmo criadas e levando ao desemprego milhões de trabalhadores mundo afora. Além de provocar uma competição desenfreada entre empresas levando muitas a reduzirem de tamanho, tirando do mercado outras e ameaçando a oferta final de bens e serviços ou pela queda na taxa de lucro ou na falta mesma de mercado consumidor.
Como desempregados, subempregados e trabalhadores com salários reduzidos podem se manter sem terem empregos e condições de exercerem suas ocupações? Como as empresas em seu conjunto terão suas vendas garantidas nesse cenário de demanda cada vez mais reduzida? Ao fim e ao cabo, a competição desenfreada tende a levar a um mundo desolador. Milhões sem emprego e trabalho e produção inadequada sem consumidores suficientes.
As diferenças de trabalho e capital são usadas para gerar desigualdade e a desigualdade se sustenta em manter e ampliar essas diferenças. Círculo vicioso autodestruidor. Sob o capitalismo uma se alimenta da outra continuamente. Só não vê quem se aproveita!
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(*) José Carlos Peliano é poeta, escritor e economista.