Depois de receber várias ameaças de morte e sofrer todo tipo de calunia e difamação nas redes sociais, o deputado federal Jean Wyllys (PSol), eleito pela terceira vez consecutiva pelo Estado do Rio de Janeiro decidiu deixar o Brasil e se exilar no exterior. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Jean disse que teme ser assassinado da mesma forma que a vereadora do PSol Marielle Franco.
A noticia surpreendeu o movimento gay brasileiro e todos os seus amigos e eleitores. O clima no Brasil está tão pesado que outras lideranças nacionais já se preparam para deixar o país.
David Miranda, o suplente do PSol que vai assumir o lugar de Jean na Câmara dos Deputados disse que no twitter que o presidente Jair Bolsonaro deveria "respeitar Jean Wyllys" e que vai assumir as lutas LGBTs defendidas por seu antecessor. O deputado federal eleito Marcelo Freixo (PSol-RJ) disse também nas redes sociais que Bolsonaro ao dizer que este é "um grande dia" merece uma reprimenda: "Que tal você começar a se comportar como presidente da República e para de agir como um moleque. Tenha postura".
Manuela D´Ávila, ex-candidata do PCdoB à vice-presidência da República na chapa de Fernando Haddad, escreveu ao deputado Jean Wyllys para dizer que "quando um cidadão é obrigado a deixar seu próprio país para não morrer, já não somos uma nação. Quando a força bruta impede um parlamentar de exercer livremente o seu mandato, aí já não há democracia e estado de direito. O ar está se tornando irrespirável".
"As recentes revelações das ligações dos prováveis assassinos de Marielle com o clã Bolsonaro já são do conhecimento de todos. Imagine o que é viver em um país cujo presidente defende o assassinato e a tortura dos opositores, que tem vínculos com milicianos e vem dando guarida a assassinos", disse Manuela.
A seguir, a íntegra do texto de Manuela a Jean Wyllys:
"Meu querido amigo Jean,
Li sua entrevista para a Folha com o coração na garanta e os olhos molhados. Coração e lágrimas que marcam nossa amizade e militância comum. São anos de uma amizade linda marcada por nossas dores comuns: a dor da solidão em Brasília, a dor da violência das mentiras, do preconceito, do machismo, da homofobia. Da raiva que provocamos com nossa simples existência e luta nos vermes que tomaram a política em nosso país.
Leio essa notícia e me lembro de nossas mensagens recentes. Da felicidade de podermos existir - frações de segundo - sem a quantidade de ódio que projetam sob nos. Difícil explicar a eles porque não suportamos a pretensa segurança dos carros blindados, das escoltas. Eles não sabem como lutamos pela nossa liberdade! Como nossa existência é construída em cada vivência! Não sabem como o menino Jean “apanhou” pra brilhar e para não morrer de fome. Não sabem que, se tivermos que andar com o vidro fechado, sem tomar o vento na cara, já morremos um pouco. E não queremos morrer nada!!!
Você foi meu ombro amigo quando eu decidi voltar pra perto de casa, abrindo mão de Brasília. Eu vivia o meu limite e queria estar perto daquilo que amo.
Fico feliz que agora você tenha optado por cuidar de si diante da enxurrada de ameaças que sofre. Você, corajoso como sempre, ao decidir abrir mão do mandato e sair do Brasil desnuda por todos nós, meu amigo querido, o terror em que vivemos, o ambiente fascistoide que tomou conta da sociedade brasileira.
Fico Feliz que cuide De sua cabeça e de seu coração. De sua saúde. De sua sanidade. Só assim você brilhará com a intensidade que tem. E sua luz, meu amigo querido, deixa cego aqueles que carregam apenas ódio e preconceito dentro de si.
Te amo. Seguimos juntos.
Dedico a você “Ela e eu”, a música que você cantou lindamente para mim no lançamento de minha candidatura
Há flores de cores concentradas
Ondas queimam rochas com seu sal
Vibrações do sol no pó da estrada
Muita coisa, quase nada
Cataclisma, os carnaval
Há muitos planetas habitados
E o vazio da imensidão do céu
Bem e mal, e boca e mel
E essa voz que Deus me deu
Mas nada é igual a ela e eu
Lágrimas encharcam minha cara
Vivo a força rara dessa dor
Clara como a luz do sol que tudo anima
Como a própria perfeição da rima para amor
Outro homem poderá banhar-se
Na luz que com essa mulher cresceu
Muito momento que nasce
Muito tempo que morreu
Mas nada é igual a ela e eu"
O ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira, do governo Dilma Rousseff também escreveu a Jean Wyllys:
"Aos poucos vai se instalando no país um clima semelhante aos produzidos pelas ditaduras...
A você, querido Jean Wyllys meu reconhecimento por sua contribuição, minha solidariedade e meu carinho. A resistência exige cuidados com a vida e preservação da capacidade de lutar.
Lá fora, no autoexílio, sua voz será a voz de todos nós que lutamos pela liberdade, pela vida com qualidade para todos, contra a política predatória, a brutalidade, a barbárie e contra todos os preconceitos.
Seguimos juntos.
#MarielleVive
Juca Ferreira"
A seguir, carta de Jean Wyllys à Executiva do Partido Socialismo e Liberdade - (PSol):
"Queridas companheiras e queridos companheiros,
Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.
Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.
Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.
Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.
Não deixo o cargo de maneira irrefletida. Foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está, há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos últimos três anos, notadamente no ano passado. Por conta delas, deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.
Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.
Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano. Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.
Esta semana, em que tive convicção de que não poderia - para minha saúde física e emocional e de minha família - continuar a viver de maneira precária e pela metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT. Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil.
Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país. E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer. Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.
Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.
Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.
Despeço-me de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara, mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um dia.
Até um dia!
23 de janeiro de 2019
Jean Wyllys"