"A vida é de quem se atreve a viver".


Juíza manda retirar faixa contra o fascismo. Procuradores dizem que censura é inconstitucional: "Seria admitir que o fascismo fosse aceitável".
Procuradores federais condenam intervenção nas universidades

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) divulgou nota pública condenando as intervenções nas universidades ocorridas nos últimos dias por determinação de juízes eleitorais. Essas ações executadas pela polícia são interpretadas como uma afronta à Constituição e à liberdade de pensamento.

A nota, assinada por Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão; Marlon Alberto Weichert, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto; Domingos Sávio Dresch da Silveira, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto, e Eugênia Augusta Gonzaga, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Adjunta, em tom enfático afirma que “a vedação de uso de bens públicos para propaganda eleitoral não se confunde com a proibição do debate de ideias”.

Mais adiante, a nota diz: “A interpretação de dizeres ´Direito UFF Antifascista´, ´Marielle Franco presente´, ´Ditadura nunca mais. Luís Paulo vive´, bem como outras iniciativas de debates acadêmicos ou manifestações públicas a partir do espaço de ensino, como sendo uma forma de propaganda eleitoral transborda os limites da razoabilidade e compromete o arcabouço constitucional da liberdade de manifestação e de cátedra, bem como de expressão do pensamento e intelectual”.

Os procuradores que assinam a nota acham também que “conceber que o repúdio ao fascismo possa representar o apoio a uma determinada candidatura seria admitir que a Constituição brasileira endossaria tal forma de regime, o que é inaceitável”.

A juíza Maria Aparecida da Costa Bastos, titular da 199ª Zona Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), ordenou na tarde desta quinta-feira (25/10) que uma bandeira pendurada pelos estudantes de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) seja definitivamente retirada do prédio.

Na noite da terça-feira (23/10), fiscais do TRE-RJ alegaram o cumprimento de um “mandado verbal” expedido pela juíza para retirar a bandeira do local. A bandeira, em cores laranja e preto, possui a mensagem “Direito UFF Antifascista”.

O candidato à Presidência Fernando Haddad (PT) publicou em rede social uma manifestação de repúdio às operações da Justiça Eleitoral em universidades públicas que ocorreram nesta semana em diferentes estados. Entenda as ações judiciais nas unidades de educação do país.

"Eu quero dizer que não adianta intimidar as universidades, não adianta invadir os campi universitários", escreveu Haddad. "A Educação não vai se calar. Os professores e estudantes não vão se calar até derrotar o soldadinho de araque", postou o presidenciável, em menção velada ao seu adversário na disputa, Jair Bolsonaro (PSL).

Nesta semana, policiais e fiscais de tribunais eleitorais desencadearam uma série de ações em universidades em várias partes do país, o que despertou reação da comunidade acadêmica e de entidades da sociedade civil. As operações são na maior parte delas relacionadas à fiscalização de suposta propaganda eleitoral irregular. Críticos dessas ações apontam censura.

Segundo especialistas em direito eleitoral, a série de operações é “um grave atentado à democracia e à liberdade de expressão”.

A seguir, a íntegra da nota pública da PFDC:

“Nota pública sobre direitos constitucionais assegurados à comunidade discente e docente de universidades brasileiras.

A lisura do processo eleitoral exige, nos termos da lei, que espaços do Poder Público não sejam utilizados para proselitismo ou propaganda político partidária. Cabe ao Estado manter cautelosa distância do colorido partidário ou de candidatos e, portanto, acertadamente a Lei nº 9504/97 veda a propaganda eleitoral em prédios públicos.

Não obstante, a vedação de uso de bens públicos para propaganda eleitoral não se confunde com a proibição do debate de ideias. Nem mesmo a maior ou menor conexão ou antagonismo de determinada agremiação política ou candidatura com alguns dos valores constitucionais pode servir de fundamento para que esses valores deixem de ser manifestados e discutidos publicamente.

A proteção ao correto processo eleitoral deve se concretizar em diálogo e respeito aos direitos fundamentais da liberdade de expressão do pensamento, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (Constituição Federal, artigo 5º, IV e IX).

Os embates são parte essencial de um processo eleitoral democrático e evidentemente suscitam discussões sobre propostas e interpretações de marcos normativos e de fatos da vida social. As instituições de ensino são, por excelência, um dos locais privilegiados para a promoção desse debate,

estando para tanto protegidas pela própria Constituição, a qual garantiu, no artigo 206, incisos II e III, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como o pluralismo de ideias. Em igual sentido, o artigo 205 da Constituição traz como objetivo primeiro da educação o pleno desenvolvimento da pessoa e a sua capacitação para o exercício da cidadania.

A escola, nesse sentido, é o espaço da inquietação, da reflexão, da discussão sobre projetos coletivos, e isso tudo naturalmente se amplia em períodos eleitorais, quando a sociedade necessita de forma mais acentuada compreender e debater projetos e concepções de país e de mundo.

A efervescência estudantil é elemento motriz de uma sociedade vibrante e plural e, ao invés de ser reprimida, deve ser festejada. Jovens estudantes têm papel de destaque na história nacional e estrangeira, pois provocam novas reflexões sobre temas científicos e humanos que, muitas vezes, pareciam consolidados.

Nesse contexto, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) entende que são potencialmente incompatíveis com o regime constitucional democrático iniciativas voltadas a impedir a comunidade discente e docente de universidades brasileiras de manifestar livremente seu entendimento sobre questões da vida pública no país – tais como as que ocorreram nos últimos dias 23 a 25 de outubro, em mais de uma dezena de universidades brasileiras.

A interpretação de dizeres “Direito UFF Antifascista”, “Marielle Franco presente”, “Ditadura nunca mais. Luís Paulo vive”, bem como outras iniciativas de debates acadêmicos ou manifestações públicas a partir do espaço de ensino, como sendo uma forma de propaganda eleitoral transborda os limites da razoabilidade e compromete o arcabouço constitucional da liberdade de manifestação e de cátedra, bem como de expressão do pensamento e intelectual.

Conceber que o repúdio ao fascismo possa representar o apoio a uma determinada candidatura seria admitir que a Constituição brasileira endossaria tal forma de regime, o que é inaceitável. Em realidade, poderia se criticar uma manifestação antifascismo por platitude num cenário de normalidade democrática, mas em hipótese alguma de propaganda a uma candidatura.

Uma interpretação em favor da proibição de manifestações dessa natureza é uma ladeira escorregadia e, em breve, se poderia alegar que qualquer símbolo ou manifestação solidária ou trivial está associado a candidaturas. Até mesmo a simples presença de crucifixos em ambientes públicos poderia ser considerada um posicionamento contra, por exemplo, candidatos judeus ou ateus.

O argumento de que as instituições escolares são equipamentos públicos e, portanto, a salvo do debate eleitoral, não faz jus à dignidade que ambos os temas têm na Constituição de 1988, tão sábia em preservar determinados temas dos campos do mercado e da propriedade, inclusive pública. A escola, numa sociedade plural, tem, em alguns pontos, a mesma concepção das ruas: é o local dos encontros das múltiplas visões de mundo, de Estado e de sociedade. A interdição da disputa política no âmbito acadêmico fragiliza a democracia.

É lamentável que, em uma disputa tão marcada pela violência física e simbólica, pelo engano e pela falsificação de fatos, o ataque do sistema de justiça se dirija exatamente para o campo das ideias”.

Assinam:

DEBORAH DUPRAT

Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão

MARLON ALBERTO WEICHERT

Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto

DOMINGOS SÁVIO DRESCH DA SILVEIRA

Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto

EUGÊNIA AUGUSTA GONZAGA

Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Adjunta

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