"A vida é de quem se atreve a viver".


Venício: "Somos todos seres ‘situados e datados’. Vale dizer históricos. Por isso, não podemos ignorar o momento de crise profunda que o Brasil atravessa”. (Foto: Luis G. Prado/Secom-UnB)
Venício Lima: "Somos um país dividido pela intolerância e pelo ódio doentios'.

O professor Venício Artur de Lima recebeu o título de Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB) no dia 10 de abril. Sociólogo, publicitário e histórico defensor da liberdade de expressão no país, foi um dos pioneiros do Departamento de Comunicação na UnB.

Ao ser homenageado por colegas de profissão, amigos e parentes, no dia da entrega do título, Venício abriu seu discurso afirmando que “somos todos – mulheres, homens – seres ‘situados e datados’. Vale dizer históricos. Por isso, não podemos ignorar o momento de crise profunda que o Brasil atravessa”.

E continuou: “Somos hoje um país dividido pela intolerância e pelo ódio doentios, com sinais alarmantes de crescimento acelerado do fascismo e de uma progressiva caminhada rumo a um `estado de exceção` não declarado”.

A reitora da UnB, Márcia Abrahão, destacou a importância da manutenção da cerimônia em um dia marcado por protestos sobre o déficit de orçamento da universidade no Ministério da Educação. “A UnB não está descolada do que acontece na sociedade e, ao mesmo tempo, respeita sua história. É importante que a comunidade se veja inspirada pelo trabalho do professor Venício”, disse ela.

Esse título é a maior honraria que um professor pode receber da Universidade em que trabalhou e é, ao mesmo tempo, um sinal de reconhecimento por sua trajetória.

Por sua importância histórica, transcrevemos aqui a integra do discurso de agradecimento em cerimônia de outorga do título de professor emérito, no auditório da Reitoria da Universidade de Brasília.


Nota inicial

Somos todos, mulheres e homens, seres “situados e datados”, vale dizer, históricos. Por isso, não podemos ignorar o momento de crise profunda que o Brasil atravessa. Somos hoje um país dividido pela intolerância e pelo ódio doentios, com sinais alarmantes de crescimento acelerado do fascismo e de uma progressiva caminhada rumo a um “estado de exceção” não declarado.

Nesse contexto, quero registrar, em particular, a prisão do ex-presidente Lula, líder em todas as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de 2018, condenado em processo polêmico e eivado de vícios, e encarcerado por decisão de 2ª. instância, cuja constitucionalidade é questionada não só por ministros do próprio Supremo Tribunal Federal, como por juristas renomados e por defensores dos direitos humanos.

Ter ingressado na Universidade de Brasília como professor colaborador – uma categoria que não pertencia à carreira docente –, haver sido admitido, depois, no primeiro degrau desta carreira, percorrer todas as suas etapas até o concurso público para professor titular, aposentar e merecer, agora, a honra do título de professor Emérito, me obriga a rever a trajetória que, ao longo dos últimos quase 50 anos, me conduziu até aqui.

Para tanto, quero tomar emprestado palavras de advertência que Paulo Freire – ex-membro do Conselho Diretor da FUB e Doutor Honoris Causa pela UnB – faz na introdução de um de seus últimos livros, sobre os limites da memória: Diz ele: “Os olhos com que revejo já não são os olhos com que vi. Ninguém fala do que passou a não ser na e da perspectiva do que está se passando”.

I
Há 48 anos, no início de junho de 1970, uma matéria publicada na revista Visão sobre o Iº Congresso Brasileiro de Informação Rural, realizado na UnB, serviu de pretexto para que se iniciasse o processo que me trouxe para Brasília.

Escrevi ao chefe do Departamento de Comunicação, organizador do Congresso, o professor Marco Antonio Rodrigues Dias. Até a poucos meses, ele era diretor da Rádio Jornal de Minas, em Belo Horizonte, onde eu exercia as funções de subgerente da filial da Standard Propaganda. Insinuei que as portas estariam abertas para uma eventual colaboração e a estratégia deu certo. A partir daí, os entendimentos caminharam rapidamente.

Enfrentando a resistência quase unânime da família e de amigos – de vez que muitos deles não acreditavam sequer que Brasília se firmaria como capital do país – no primeiro semestre de 1971 já estava professor colaborador contratado e em sala de aula.

Duas razões principais motivaram minha decisão.

Primeiro, apesar de bem sucedido como publicitário, essa não era a profissão que pretendia. Minha graduação havia sido em Sociologia e Política e queria fazer o mestrado que já era oferecido na UnB, mas não existia na UFMG. Àquela época, atribuía-se à Sociologia um papel de técnica social capaz de orientar a sociedade para o desenvolvimento e a independência econômica e política. Ademais, meu objetivo de longo prazo sempre havia sido seguir a carreira docente, profissão tanto de minha mãe, como de meu pai. Na UnB já estava o meu querido e saudoso professor de Sociologia Geral, Fernando Correia Dias – Professor Emérito da UnB –, a quem procurei e que me incentivou a fazer a seleção que aconteceria no início de 1971. Cursar o mestrado em Sociologia, paralelamente à docência, foi uma das condições negociadas para a minha vinda.

[Mais tarde esse acordo perderia o sentido porque os dois candidatos que fizemos a seleção no primeiro semestre de 1971, reprovamos em metodologia de pesquisa/estatística e não passamos na seleção].

A segunda razão é que a UnB, ainda engatinhando e sem haver completado seus primeiros 10 anos, era “A Universidade Necessária” de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e Frei Mateus Rocha, locus natural do “intelectual público”, comprometido com a transformação da sociedade, e exercia, em muitos de minha geração, uma atração especial. Atração que teimosamente persistia apesar das duas crises profundas – 1965 e 1968 – que desvirtuaram seu projeto original e apesar do país estar atravessando o período que Elio Gaspari, anos mais tarde, chamou de “ditadura escancarada”. As duas lealdades fundamentais definidas por Darcy – aos valores e padrões internacionais da ciência e da cultura; e ao povo brasileiro e à Nação, vinculando a autonomia da universidade à busca de soluções para os problemas nacionais – expressavam uma utopia que, em parte, recuperava e mantinha vivos ideais pelos quais muitos sacrificaram suas próprias vidas naqueles “anos de chumbo”.

Depois da crise de 1968, a UnB passava por um momento de reconstrução tendo como reitor um médico mineiro, Dr. Caio Benjamin Dias. Vários professores de Minas e de outros estados, em diferentes áreas do conhecimento, estavam sendo recrutados por ele e estavam aqui como parte desta reconstrução. No Departamento de Comunicação, além de Marco Antonio Rodrigues Dias – que me convidara – já se encontravam, dentre outros, José Salomão David Amorim, Vladimir Carvalho [Professor Emérito da UnB], Maria de Lourdes Torres, Luiz Gonzaga Figueiredo Mota, Francisco Henrique Diana de Araújo, José Francisco Rezek, Heinz Förthmann, Ubirajara da Silva e Geraldo da Rocha Moraes (estes últimos três, infelizmente, já falecidos).

Foram essas as razões que me trouxeram aqui. Para além de aspirações pessoais, sentia-me parte de um processo de construção coletivo, cheio de planos e de esperança.

[O tempo do Dr. Caio na Reitoria, no entanto, não duraria muito. Ele deixou a UnB no final de março de 1971].

II
Nos anos de ditadura, a UnB mereceu uma atenção especial por parte da chamada “comunidade de informações”. Nunca será demais lembrar que entre fevereiro de 1967 e agosto de 1979, vigorava o Decreto-Lei nº 477, conhecido como o “AI-5 das universidades”, o próprio também em vigor até outubro de 1978. Ao longo de 15 dos 30 anos em que aqui fui professor – vale dizer, entre 1971 e 1985 – a palavra final na UnB era dada pelo Capitão de Mar e Guerra José Carlos de Almeida Azevedo, primeiro como vice reitor e depois como reitor. Aqueles que estudaram ou trabalharam na UnB naquele período sabem que é impossível ignorar a importância desse fato singular e suas inúmeras repercussões na vida da comunidade universitária.

Do ponto de vista de minha escolaridade formal, fazendo parte do grupo de professores aos quais se colocou o desafio de iniciar o programa de mestrado em Comunicação, fui beneficiado pelo apoio e pela manutenção do vínculo empregatício enquanto busquei fora do país a formação pós-graduada.

O tempo necessário para a conclusão do mestrado e do doutorado fez com que estivesse ausente do cotidiano da UnB por um pouco mais de 4 anos e meio, não contínuos, ao longo da década de 1970.

Ainda assim, em 1971, lideramos a execução de um convênio com a Secretaria de Finanças do Governo do Distrito Federal, que marcou uma virada qualitativa no ensino de publicidade. Junto ao meu querido e saudoso amigo, professor Ubirajara da Silva, assumimos a direção do departamento de Comunicação no conturbado biênio 1974/1976. Nessa época, tentamos fazer a quase impossível mediação entre uma Reitoria controladora, a liberdade de cátedra e também a liberdade do movimento estudantil – sempre muito forte na Comunicação – que militava ativamente contra o regime militar.

A cada edição do jornal-laboratório Campus, enfrentávamos a interferência direta da Reitoria que sempre nos advertia ser nossa a responsabilidade de “controlar” o conteúdo a ser publicado. Por óbvio, nos recusávamos a exercer a função de censores e pagávamos o preço por isso.

Enfrentamos a contradição de coordenar a implantação de um programa de mestrado – apenas o quarto a funcionar no país – no qual não podíamos lecionar, em função da exigência do grau de doutor para a docência.

Enfrentamos também a pressão contínua de uma primeira turma organizada e ativa de experientes alunos, na sua maioria já professores ou profissionais maduros, que julgavam de seu dever exigir de um programa de mestrado, que apenas se iniciava, a qualidade que ele ainda não tinha condições de oferecer.

Com o apoio do Decanato de Extensão, cujo titular era o professor Marco Antonio Rodrigues Dias, os professores, alunos e funcionários da Comunicação conseguimos realizar o Iº Seminário Latino Americano de Comunicação, em agosto de 1975. Reunimos aqui os principais pesquisadores de comunicação da região, o subdiretor geral de informação da Unesco e o ministro das Comunicações que, nas circunstâncias especiais daquela época, já falava sobre os perigos do monopólio na televisão brasileira. Neste período, começava a ganhar corpo internacionalmente o debate sobre as políticas nacionais de comunicação e sobre a Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação, a Nomic.

Este seminário teve o mérito histórico de colocar na pauta, pelo menos entre os poucos programas de pós graduação existentes, o tema das políticas de comunicação e de sua relevância para a opção de desenvolvimento a ser seguida no país. Outro resultado importante foi o nascimento do embrião da Associação Latino Americana de Pesquisadores da Comunicação, que viria a acontecer três anos depois, na Venezuela.

Quando retornei do doutorado no segundo semestre de 1979, pude participar de forma plena do programa de mestrado, tanto como professor como orientador. Por outro lado, integrei-me ao movimento docente, filiando-me à recém fundada Associação de Docentes, AdUnB, de cujo Conselho de Representantes passei a fazer parte em nome dos sócios do departamento de Comunicação.

III
Em agosto de 1982, às vésperas de embarcar para a Inglaterra em programa de visitas patrocinado pelo Conselho Britânico, fui surpreendido com a entrega por um Oficial de Justiça, em minha residência, da notificação da suspensão do meu contrato de trabalho em processo de demissão por justa causa, movido pela Reitoria da UnB. Estava sendo acusado de romper a cláusula da dedicação exclusiva.

Quais teriam sido os motivos verdadeiros por detrás desse processo, movido sem o conhecimento do Departamento de Comunicação e contra a sua vontade?

A famosa Lei 6733, também conhecida como “Lei Azevedo”, assegurava a nomeação pelo Presidente da República, dos dirigentes das fundações instituídas ou mantidas pela União. Foi a 6733 que possibilitou a polêmica e contestada recondução do reitor da Fundação Universidade de Brasília ao cargo, em 1980.

Desde quando o projeto do Executivo que se transformou na Lei 6733 foi enviado ao Congresso Nacional pelo último general-presidente, o então senador Franco Montoro, apresentou uma Emenda que excluía do projeto as fundações de ensino superior. Essa Emenda não vingou e o projeto virou lei, em dezembro de 1979.

Tão logo isso aconteceu, o senador Humberto Lucena, líder da oposição, apresentou, agora, um Projeto de Lei, com o mesmo objetivo: excluir as fundações de ensino superior do âmbito da Lei 6733. Não só apresentou como, em reiteradas ocasiões, o defendeu publicamente, em nome da autonomia universitária. O projeto do senador Humberto Lucena estava em tramitação quando, depois de intensa atuação do movimento docente e contornadas manobras parlamentares indecorosas, em dezembro de 1983, a Lei 7177, de iniciativa do próprio governo, retornou a escolha dos dirigentes das fundações de ensino superior aos critérios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, isto é, através de listas sêxtuplas enviadas pelas universidades ao Chefe do Poder Executivo, vedada a recondução. Confirmava-se, assim, mais uma derrota da corrente político-militar à qual pertencia o então reitor da UnB.

Coincidência ou não, nesta época, além de militar no movimento docente, eu era genro do senador Humberto Lucena e, desde o início de 1981, prestava assessoria parlamentar a ele, sobretudo, na redação de discursos. Essa assessoria, como atestou o próprio Departamento de Comunicação, em nada interferia nas minhas atividades de professor da UnB.

Depois de longa e sofrida disputa judicial, quando o reitor já não era o mesmo que iniciara o processo de minha demissão e no tumultuado período de transição, imediatamente posterior à renúncia do reitor-nomeado, professor Geraldo Ávila, fiz um Acordo com a UnB, em abril de 1985.

Considero esse Acordo, minha segunda admissão na UnB. Ele foi fruto de uma iniciativa do professor Luiz Octávio Moraes de Souza Carmo, então, no exercício da Reitoria, a quem aproveito para, mais uma vez, agradecer publicamente.

IV
Durante os quase três anos nos quais meu contrato de trabalho esteve suspenso, não me distanciei da UnB. Neste período, fui paraninfo e patrono de turmas de formandos da Comunicação por três vezes. Ao lado dos colegas Carlos Augusto Setti, José Salomão David Amorim, Luiz Gonzaga Figueiredo Motta, Murilo César Ramos e Ubirajara da Silva, fundamos o Centro de Estudos de Comunicação e Cultura, CEC, nos candidatamos e vencemos a disputa para executar dois projetos de pesquisa do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do CNPq.

Em outubro de 1984, por solicitação da comissão encarregada do Plano de Ação do Governo, coordenada pelo, então, senador paranaense Affonso Camargo, o CEC preparou uma proposta de política de comunicação para o futuro governo Tancredo Neves. Essa proposta pioneira, antecipou normas que vieram depois a ser incluídas no capítulo sobre a Comunicação Social da Constituição de 1988. O melhor exemplo é a distinção entre os sistemas privado, público e estatal de radiodifusão, que aparece no caput do artigo 223, acrescida do princípio que exige a complementaridade entre eles.

O Acordo que permitiu que reassumisse minhas funções, coincidiu com o fim do período autoritário, dentro e fora da UnB. O país ainda vivia o clima da campanha das Diretas Já, da eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e da frustração por sua doença inesperada. Todo o potencial de participação ativa na vida da universidade – da parte de alunos, funcionários e professores – reprimido por tantos anos, parecia ter sido liberado de um momento para outro. Eram novos tempos.

Em setembro de 1985 consegui, finalmente, meu acesso para professor adjunto, bloqueado na Reitoria há mais de seis anos, desde que havia adquirido o direito a ele pela conclusão do doutorado. Aproveito para registrar também meu agradecimento público ao saudoso professor Roberto Cardoso de Oliveira, Doutor Honoris Causa da UnB, que desengavetou e relatou o processo no Conselho de Ensino e Pesquisa.

O acompanhamento do processo Constituinte, iniciado em 1987, a experiência acumulada na assessoria parlamentar e a pesquisa do primeiro pós-doutorado, foram fazendo convergir meus interesses de pesquisa, não só para os meandros da construção das políticas de comunicação – no Executivo e no Parlamento – mas também para a centralidade que a mídia ocupava na dinâmica democrática. O processo eleitoral que, pela primeira vez, em quase três décadas, levaria à eleição direta de um presidente da República em 1989, foi a grande oportunidade empírica de observação da nova realidade.

A incursão, àquela época, por uma área de pesquisa quase totalmente inexplorada, em razão das próprias circunstâncias históricas do processo político brasileiro – as relações entre a mídia e a política –, me aproximou da Ciência Política, onde “já tinha um pé” desde que prestei vestibular para o curso de Sociologia e Política em 1965, então oferecido pela UFMG. Em 1986 e 1988, havia também participado, como professor de “comunicação e política”, dos cursos de especialização em Assessoria Parlamentar realizados pelo Departamento de Ciência Política da UnB, em convênio com o IPEA.

Por outro lado, a própria ambiguidade etimológica da palavra comunicação, que faz oscilar seu significado entre os polos opostos do compartilhar e do transmitir, permite que o seu objeto de estudo acolha perspectivas teóricas e empíricas diferentes, com predominâncias circunstanciais de uma ou outra. No final da década de 1980, a relação mídia e política certamente não era a perspectiva dominante na nova Faculdade de Comunicação e, convidado, aceitei minha transferência para o Departamento de Ciência Política.

V
Na Ciência Política, continuei trabalhando o mesmo tema. Um projeto comparado de pesquisa sobre as eleições presidenciais de 1994 no Brasil e no México, financiado pelo CNPq, testava a validade do conceito de Cenários de Representação da Política (CR-P), que vinha desenvolvendo desde a análise das eleições brasileiras de 1989. Foi esse conceito que serviu de base para a defesa do Memorial que apresentei no concurso para Titular em novembro de 1993.

Sobre esse concurso gostaria de registrar, com muito orgulho, que fui aprovado em primeiro lugar e que fizeram parte da banca examinadora os professores Fabio Wanderley Reis da UFMG, Elisa Pereira do antigo IUPERJ, Olavo Brasil de Lima Júnior da UFMG, Eduardo Viola da USP/UnB e David Fleischer da UnB.

Na metade dos anos 90, a perspectiva de reforma na legislação previdenciária provocou minha aposentadoria proporcional precoce, apesar de mais de 32 anos de tempo de serviço comprovado. Continuei, no entanto, na atividade docente, agora como Pesquisador Associado Sênior.

Junto a professores e profissionais de comunicação, ciência política, educação, história e relações internacionais, propusemos ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares a criação do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política, que se tornou realidade por Ato do Reitor de abril de 1997. Esse núcleo constituiu-se numa tentativa pioneira de estudar as relações entre a mídia e a política na universidade brasileira.

No início de 2000, depois de 30 anos, deixei Brasília para morar no Rio Grande do Sul e, de fato, aposentei-me da UnB.

VI
A passagem pelo sul do país foi rápida e, em janeiro de 2004, já estava de volta ao Distrito Federal.

Nos últimos 18 anos estive professor na Universidade de Caxias do Sul, na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e na UFMG. Nesta última, me tornei pesquisador sênior do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros, ao qual permaneço vinculado. Na UnB, voltei a ser aluno, e fiz o curso de especialização em História do Cristianismo Antigo, em 2008 e 2009. A convite de Alberto Dines e Luiz Egypto fui colunista regular do Observatório da Imprensa por mais de 11 anos. Também fui colunista da revista Teoria e Debate da Fundação Perseu Abramo e ainda colaboro com o portal Carta Maior, dirigido por Joaquim Palhares.  Por indicação de meus amigos Carlos Knapp e Bernardo Kucinski, tive o privilégio de trabalhar, por dois anos e meio, na Equipe de Discursos do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Eleito por entidades da sociedade civil, também representei docentes e pesquisadores no Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação, por pouco mais de um ano. Junto com todos os outros membros, tivemos o mandato cassado pela MP 744 de 1º de setembro de 2016, que iniciou o processo de desconstrução do caráter público da EBC e a transformou numa empresa a serviço daqueles que controlam o aparelho de Estado.

Esta é, de forma seletiva e muito abreviada, minha trajetória na UnB e depois dela.

VII
Olhando para trás e revisitando as razões que me trouxeram para a UnB, não consegui fazer o mestrado em Sociologia, mas segui a carreira docente, como meus pais. Também persegui os temas de estudo que havia elegido desde cedo e com os quais trabalho até hoje.

Desde o doutorado continuo redescobrindo um Paulo Freire republicano, que vai muito além do criador de um método de alfabetização de adultos. Nestes tempos em que a soberania popular vem sendo substituída pela soberania do mercado financeiro, um bom exemplo é a potencialidade analítica do conceito de cultura do silêncio e do seu corolário, políticas de silenciamento. Aliás, é necessário registrar que a estrutura do sistema de mídia no nosso país permanece predominante privada, oligopolizada, com uma legislação omissa e desatualizada, além de assimétrica em relação a outros serviços públicos. Isto, apesar de conquistas pontuais na Constituição de 1988 – que completa três décadas em outubro – mas que nunca foram regulamentadas. No Brasil, a mídia constitui um oligopólio, do ponto de vista econômico e opera como um monopólio, do ponto de vista político. A internet, que alimentou desmedidas esperanças, apesar de suas inegáveis potencialidades democratizantes, aos poucos se revela como canal incontrolável de “fake news”, seguidores falsos e do spam político, além de instrumento fundamental daquilo que já se chamou de “capitalismo de vigilância” em escala global.

Em relação à mídia e à política, já há algum tempo, estou convencido de que se trata de dimensões que não podem ser analiticamente isoladas. Pensar a política e a comunicação apenas através de uma interdisciplinaridade, não é suficiente.

Escrevi com o colega e amigo Juarez Guimarães da UFMG, em 2013, que toda teoria democrática que não pensa as dimensões públicas da liberdade de expressão, as relações constituintes entre a construção da cidadania e o direito à voz pública, enfrentará obstáculos intransponíveis. Por outro lado, toda teoria da comunicação que despolitiza o seu objeto, negando ou marginalizando as fundações políticas da comunicação que se faz em sociedade, está na verdade optando por conceber a liberdade de expressão como um direito que se realiza na ordem do privado, em geral mercantil. Assim, não se trata mais de discutir as relações entre comunicação e política, mas de enfrentar o desafio de constituir um campo de estudo no qual política e comunicação mútua e geneticamente se constituem em seus conceitos fundamentais.

Creio que os recentes acontecimentos de nossa história política, desde o início do processo que levou ao golpe parlamentar de 2016, confirmam a correção dessas afirmações.

Quanto às lealdades e à utopia d’ “A Universidade Necessária”, sempre procurei fugir daquilo que Darcy Ribeiro chamou de “erudição gratuita”. Os tempos são de declínio do “intelectual público”, hoje substituído pelos “intelectuais deferentes”, os “experts” midiáticos. Apesar disso, ainda me sinto parte de um projeto coletivo e tentei dar a minha contribuição a ele na sala de aula, em atividades de pesquisa e extensão, nas diversas posições que ocupei nos órgãos colegiados, na administração acadêmica e por meio da minha participação no movimento docente.

Infelizmente, atravessamos um período de obscurantismo neoliberal no qual a universidade pública e gratuita vive sob ataque permanente: ataque pela Emenda Constitucional nº 95 de dezembro de 2016 que congelou as verbas públicas para a educação nos próximos 20 anos; ataque daqueles que defendem a total privatização da educação: empresas de ensino, grupos de mídia, editoras de livros didáticos, fundos de investimento, movimentos políticos e, claro, agentes “públicos” em posição de comando na máquina do Estado; ataque pela intimação policial do médico Elisaldo Carlini, de 88 anos, para depor sobre suposta apologia às drogas. Professor Emérito da Federal de São Paulo, as pesquisas pioneiras do Dr. Carlini permitiram a formulação de medicamentos eficazes para tratar doenças como epilepsia e esclerose múltipla, hoje utilizados em diversos países; ataque pelas injustificadas blitze midiáticas da Polícia Federal, que – autorizadas por juízes de Primeira Instância –, levaram a conduções coercitivas e à prisão, dirigentes e professores da Federal de Santa Catarina e da UFMG, afrontando direitos e garantias constitucionais; e também, ataque do próprio MEC – e, depois, do Ministério Público em diferentes estados – pela absurda tentativa de interferência na autonomia universitária e na liberdade de cátedra, deflagrada a partir da disciplina sobre o golpe de 2016, oferecida pelo nosso colega Luiz Felipe Miguel, do IPOL.

Apesar de tudo isso, acredito que a velha utopia de minha geração se reinventa, sobrevive e continua mais necessária do que nunca.



VIII
Quero, mais uma vez, agradecer a todas e todos aqui presentes – que compartilham comigo esse momento – e à Universidade de Brasília, que me concede a honraria maior que já recebi.

Muito obrigado”.

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