Romário Schettino -
O duplo assassinato ocorrido ontem (14/3) no centro do Rio Janeiro, da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, comove o Brasil e o mundo e deixa a nu o governo Michel Temer.
Marielle havia sido nomeada relatora da Comissão municipal que iria acompanhar a intervenção militar no Rio de Janeiro e feito denúncias de truculência e crimes dos policiais militares cariocas.
O caráter covarde do crime é ressaltado em todos os depoimentos que condenam a violência política que se instalou no Brasil após o golpe de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff e colocou em seu lugar o ilegítimo Temer.
A indignação se alastra por todas as cidades brasileiras e na Europa, a ponto de parlamentares do Parlamento Europeu pedirem a suspensão das negociações que a União Europeia vinha mantendo com o Mercosul. Essa instabilidade é consequência das políticas desastradas, incompetentes e criminosas que os governos federal, estadual e municipal vêm praticando no Rio de Janeiro. Incluindo-se a inútil e ineficiente intervenção militar na segurança do Estado, instigada pela grande mídia.
Nas redes sociais o que mais se lê e ouve é que o assassinato de Marielle Franco significa matar muitas esperanças. É uma morte aviltante de alto impacto simbólico que interrompe o trabalho de uma mulher admirável, que gostaríamos de ver na política, em todos os lugares, o tempo todo.
A morte de Marielle atinge o Brasil afetiva e politicamente. E devemos nos associar a todos os que consideram essa morte uma consequência da política de terror de Estado que atinge o país, sobretudo o povo pobre das favelas. (A seguir, foto de Aline Fernanda, hoje, 15/3, durante ato na Cinelâdia).
O Portal Vermelho destaca a fala do governador do Maranhão, Flávio Dino. Para ele, a execução da vereadora tem "três absurdos cumulativos".
O primeiro, diz o governador que foi juiz federal e é professor de Direito, é o "bárbaro assassinato", que vitimou a vereadora e seu motorista, Anderson Pedro Gomes. A vereadora foi executada no centro do Rio de Janeiro depois de participar de uma roda de conversa denominada Mulheres Negras Movendo Estruturas.
O segundo, é o que Flávio Dino classifica como "a situação gravíssima e anômala que contextualiza o crime", referindo-se à intervenção militar do governo de Michel Temer, imposta na segurança pública do Rio desde 16 de fevereiro.
O terceiro e último "absurdo" apontado pelo governador é o fato de "pessoas comemorarem uma morte e pretenderem dar "lição" aos defensores dos direitos humanos".
Num ambiente de estímulo ao ódio e a intolerância, a tese insuflada por setores da direita conservadora de que os direitos humanos são para defender bandidos encontra campo fértil, principalmente nas redes sociais.
A vereadora Marielle tinha atuação marcada pela defesa dos direitos humanos e contra abusos policiais. No domingo (11/3), Marielle denunciou uma ação de PMs do 41º BPM (Irajá) na Favela de Acari. Segundo ela, moradores reclamaram da truculência dos policiais durante a abordagem a moradores.
Ela compartilhou uma publicação em que comenta que os rapazes foram jogados em um valão. De acordo com moradores, no último sábado (10), os PMs invadiram casas, fotografaram suas identidades e aterrorizaram as pessoas na vizinhança.
Marielle foi a quinta vereadora mais votada do Rio em 2016, com 46.502 votos. Socióloga formada pela PUC-Rio e mestra em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), teve dissertação de mestrado com o tema “UPP: a redução da favela a três letras”.
Trabalhou em organizações da sociedade civil como a Brasil Foundation e o Centro de Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), ao lado de Marcelo Freixo.
Manifestações de rua na Cinelândia, em Brasília, na Câmara dos Deputados, e em muitos outros lugares Brasil afora marcaram o dia de hoje.
A poeta Maria Maia dedicou esse poema à vereadora assassinada:
Marielle espere luta
Maria Maia (*)
Por ”aqui estamos de luto de luto, mas na Luta!”
Marielle,
tua luta negra e forte
pelo florescer da primavera
não foi deveras em vão
hás de acordar, com ela
esse povo hoje no chão
não, não foi uma luta perdida
mas tua morte dói demais
em quem ama a vida
é o ovo da serpente
que eles chocam contra a gente
que trabalha, que estuda
que só quer vida decente
mas não se iluda:
estamos na antessala da barbárie:
com teu corpo morto
eles metralharam o coração do povo
Marielle, espere luta, querida
contra os que te tiraram a vida:
covardes, assassinos e brutos
desse Brasil pequeno e abrupto
que estão gestando os corruptos
aqui estamos de luto
de luto, mas na Luta!
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(*) Maria Maia é artista da palavra e da imagem. Dirigiu filmes longa metragem como JK, Um Cometa no Céu do Brasil; Machado de Assis, Alma Curiosa de Perfeição; Glauber; Sousândrade, O Guesa Errante; Drummond, Poeta do Vasto Mundo; Portinari, Poeta da Cor; Darcy, Um Brasileiro e Chico Mendes Vive, entre outros. Socióloga, antropóloga, mestre em Comunicação pela UnB. Nasceu no Acre e mora em Brasília.
A violência contra os defensores dos direitos humanos e lideranças do movimento social já causaram muitas mortes desde julho de 2014. Vejam quem são as vítimas:
1 - Paulo Sérgio Santos, 08/07/2014 – líder quilombola na Bahia – Assassinado.
2 - Simeão Vilhalva Cristiano Navarro, 01/09/2015 – líder indígena Mato Grosso – Assassinado.
3 - Edmilson Alves da Silva, 16/02/2016 – Líder comunitário de Alagoas - Assassinado
4 - José Conceição Pereira, 14/04/2016 – Líder comunitário Maranhão – Assassinado.
5 - José Bernardo da Silva, 27/04/2016 – líder do MST Pernambuco – Assassinado.
6 - Almir Silva dos Santos, 08/07/2016 – líder comunitário no Maranhão – Assassinado.
7 - João Natalício Xukuru-Kariri, 19/10/2016 – líder indígena Alagoas – Assassinado.
8 - Waldomiro Costa Pereira, 20/03/2017 – Líder MST Pará – Assassinado.
9 - Luís César Santiago da Silva (“Cabeça do Povo”), 15/04/2017 – líder sindical Ceará – Assassinado,
10 - Valdenir Juventino Izidoro, (Lobo), 04/06/2017 – líder camponês Rondônia – Assassinado.
11 - Eraldo Lima Costa e Silva, 20/06/2017 – líder MST Recife – Assassinado.
12 Rosenildo Pereira de Almeida (Negão), 08/07/2017 – líder comunitário/MST – Assassinado.
13 - José Raimundo da Mota de Souza Júnior 13/07/2017 – líder quilombola/MST - Bahia – Assassinado.
14 - Fabio Gabriel Pacifico dos Santos (Binho dos Palmares), 19/09/2017 – líder quilombola/Bahia – Assassinado.
15 - Jair Cleber dos Santos, 24/09/2017 – líder movimento agrário Pará – Assassinado.
16 - Clodoaldo dos Santos, 15/12/2017 – líder sindicalista Sindipetro/RJ – Assassinado.
17 - Jefferson Marcelo, 04/01/2018, Líder comunitário no RJ–Assassinado.
18 - Valdemir Resplandes, 09/01/2018 – líder MST Pará – Assassinado.
19 - Leandro Altenir Ribeiro Ribas, 19/01/2018 – Líder Comunitário no RS
– Assassinado.
20 - Márcio Oliveira Matos, 26/01/2018 – líder do MST na Bahia – Assassinado.
21 - Carlos Antonio dos Santos (Carlão), 08/02/2018 – líder movimento agrário Mato Grosso – Assassinado.
22 - George de Andrade Lima Rodrigues, 23/02/2018 – líder comunitário Recife – Assassinado.
23 - Paulo Sérgio Almeida Nascimento 13/03/2018 – líder comunitário no Pará – Assassinado
24 - Marielle Franco, e seu motorista Anderson Pedro Gomes, 14/3/2018 – vereadora do PSol na cidade do Rio de Janeiro . Assassinados.