O livro "Jango e Eu: Memórias de um exílio sem volta", de João Vicente Goulart, com noite de autógrafos, será lançado na Livraria Cultura do Casa Park, em Brasília, dia 7/12, às 19h. Agende!
Leia o texto de Evandro Éboli, publicado no jornal O Globo
No exílio, em Montevidéu, o ex-presidente João Goulart recebeu um grupo de jogadores da seleção brasileira de futebol, em 1967, que estava no país para um jogo contra a seleção uruguaia. Jango sentiu a ausência de Pelé entre os atletas.
O volante Piazza, então, contou a Jango que o craque do time preferiu não ir para evitar arestas com o governo militar brasileiro. O episódio foi testemunhado por João Vicente Goulart, então com 10 anos, que relata agora num livro como era o dia a dia do pai nos doze anos de exílio, desde que foi deposto da Presidência, em 64, até sua morte, em dezembro de 1976.
João Vicente se lembra de trechos de conversas literais com o pai — como a premonição de que jamais retornaria vivo ao Brasil —, narra minúcias de encontros com políticos e com personalidades da cultura, como Glauber Rocha e a cantora Maysa — com quem acabou a noite dançando numa discoteca na capital uruguaia —, toca em assuntos particulares — como a quase separação de Jango e dona Maria Thereza Goulart e de uma relação extraconjugal do pai — e faz uma defesa do legado do ex-presidente.
O livro “Jango e eu, memórias de um exílio sem volta” — Editora Civilização Brasileira — tem 350 páginas e será lançado no início de dezembro, quando completa 40 anos da morte de João Goulart.
João Vicente compra algumas brigas no texto, como a acusação da esquerda que seu pai deveria ter resistido ao golpe de 64 e enfrentado os militares.
É um assunto que vai e volta no livro. “Não houve resistência porque Jango preferiu evitar derramamento de sangue entre seus conterrâneos. Esse é um de seus grandes méritos, pois, se tivesse resistido, haveria uma luta prolongada e muito provavelmente o país seria dividido em Norte e Sul”, escreve João Vicente, que cita nomes em outro trecho.
Mas o sumo dessas memórias são as passagens da pouca conhecida rotina de Jango no exílio. A maior parte do tempo passado no Uruguai, onde adquiriu mais terras, abriu outros negócios, e, além dos carros, tinha avião.
Chegou a arrendar um hotel junto com outro amigo, o Alhambra, na Ciudad Vieja de Montevidéu, para receber exilados brasileiros. Eram constantes suas viagens a Europa, em especial a França, onde também ia tratar de problema no coração, se encontrava com brasileiros, exilados como ele, como seu ex-ministro da Educação, Paulo Freire.
“Paulo, você é muito mais perseguido no Brasil do que eu”, disse Jango no encontro, com João Vicente a tiracolo.
Foi jantar com outro ministro seu, Celso Furtado, do Planejamento. A conta veio alta, salgada. O preço do vinho que tomaram era exorbitante.
“Com esse planejamento tínhamos que cair mesmo, não é Celso?”, brincou Jango, quem pagou a conta com travel chek.
Foram alguns encontros também com o ex-presidente Juan Domingos Perón, que estava exilado em Madri, na Espanha.
Viraram amigos e foi para Buenos Aires - com Perón de volta ao país, que Jango seguiu com a família quando a situação apertou no Uruguai. O brasileiro era tratado pelo argentino como “Janguito”.
João Vicente fala também de questões pessoais, como a quase separação dos pais.
“O exílio gera problemas de relação familiar. Muitas famílias se separaram por força dessas circunstâncias. Isso também aconteceu com minha família.
Em 1965, meus pais estavam prestes a se separar”. O filho soube por uma revista.
E revela alguns diálogos pessoais com Jango:
“Mas pai, tu tens algum filho antes do casamento? Tu eras tão namorador que isso é possível?”. Jango: “Olha, meu filho, acho que tenho uma filha moça que não conheço”. Falou sobre Noé, que foi brigar na Justiça gaúcha ser filho de Jango, após a morte do ex-presidente. “Isso é uma grande sacanagem. Ele não é meu filho, mas meu irmão”.
O início dos anos 70 foi de radicalização nos regimes políticos do Cone Sul. Jango passou a ser perseguido e vigiado no país, um tipo de ação que atingiu também o filho.
Em 73, uma Kombi para em frente sua fazenda El Milagro, em Maldonado, e simula um problema qualquer. Depois de um dia inteiro ali, Jango se aproxima dos dois homens do carro e os convida para tomar um café. Na despedida, mostrou-se sabedor de que se tratava de dois informantes do governo.
“Acham que sou bobo?! Que não sei quem vocês são?! Acham que cheguei a presidente sendo idiota?”, disse Jango.
Sua fazenda chegou a ser cercada de soldados com fuzis, agachados com as armas e mirando para a sede.
“Mas o que esses filhos da puta querem aqui? Querem me incriminar por pressão dos milicos brasileiros? Não me submeti aos gorilas brasileiros, acham que vou me submeter a esses miliquinhos do Uruguai?”.
João Vicente, com 16 anos, foi preso na escola com outros colegas e levados para uma unidade militar em Montevidéu. Rasparam seu cabelo, o submeteram a tortura, o chamavam de “Janguinho” e o interrogaram com capuz. Foram três dias de prisão. Jango reagiu assim quando o filho foi solto:
“Fizeram essa violência para me atingir. Não vão mais te humilhar. Não vai voltar a escola com a cabeça raspada. Querem que todos os vejam assim para mostrar o que podem fazer”.
Quando o general Ernesto Geisel assumiu a Presidência, em 1974, dando curso ao ciclo de militares, Jango revelou ao filho e amigos que foi ele quem promoveu o militar a general, mesmo contra a opinião dos oficiais de seu governo.
"Fui eu quem promovi o Geisel a general quatro estrelas durante meu governo, contra a opinião de toda a minha Casa Militar. Tinha três promoções a fazer, mas uma eu quis fazer por mérito. E quando olhamos a ficha funcional, ele (Geisel) era o melhor em tudo. E por isso foi promovido. Mas digo a vocês: esse alemão não é um democrata".
Jango gostava de uísque, frequentava cassino e shows de brasileiros. Era tratado como “El doctor Goulart”. Num desses, levou duas garrafas de Old Parr - uma marca de uísque - para se encontrar com Vinicius de Moraes, que fazia uma apresentação ao lado de Toquinho num desses cassinos.
Mas a conversa não foi boa. Ele perguntou a Vinicius, lá pelas tantas, qual a razão de não compor letras de protesto. Vinicius não gostou da pergunta.
— Sou um poeta do amor, Jango.
A amizade azedou. E ainda sobrou meia garrafa de uísque.
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