O presidente interino Rodrigo Maia, seguindo orientação do presidente Michel Temer, que se encontra em viagem à China, extinguiu o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), demitiu o presidente Ricardo Melo e nomeou o jornalista Laerte Rimoli.
Logo em seguida, alertado de que Melo tinha sido reconduzido ao cargo por medida liminar do STF, Maia revogou a (re)nomeação de Rimoli, mas manteve a extinção do Conselho Curador.
Sobre isso, a ex-presidente da EBC, Tereza Cruvinel, e os conselheiros da comunidade do Conselho Curador se manifestaram.
Veja a seguir as duas notas:
"EBC: Acabou a comunicação pública
Tereza Cruvinel (*)
Como primeira diretora-presidente da EBC, responsável por sua implantação e direção nos primeiros quatro anos, repudio a medida autoritária e obscurantista do novo governo, de desfigurar juridicamente a empresa, interrompendo o projeto de desenvolvimento da comunicação pública no Brasil, resultado de ampla mobilização popular em 2006/2007 e de lei aprovada pelo Congresso Nacional.
A medida provisória assinada pelo presidente em exercício Rodrigo Maia, ao suprimir da lei 11652/2008 os artigos que previam o mandato do diretor-presidente, o Conselho Curador composto majoritariamente por representantes da sociedade e as garantias de independência da programação em relação ao governo federal, altera a essência e a natureza pública dos veículos da empresa.
Os diretores não serão mais de escolha do diretor-presidente da EBC mas nomeados pelo próprio presidente da República.
Estes são os elementos diferenciadores de sua natureza, aqui e em outros países que seguem a recomendação da UNESCO a favor da existência de canais públicos.
Em nome do combate a suposto aparelhamento político-partidário, a EBC é agora reduzia à condição de agência de comunicação e proselitismo governamental, como a antiga Radiobrás.
Agora, sim, estará subordinada ao controle editorial pelo governo, ao loteamento político-partidário, ao fisiologismo e ao empreguismo.
Se o Congresso Nacional aprovar tais alterações, estará sepultando o esforço de todos os que se empenharam na realização do artigo 223 da Constituição Federal, implantando um sistema público de comunicação independente e controlado pela sociedade, garantidor da pluralidade e da complementaridade aos serviços privados e estatais.
A TV Pública, as rádios e a agência geridos pela EBC não poderão mais ser chamados de canais públicos.
Doravante, serão canais governamentais. Finalmente, o conteúdo “chapa branca”, tão denunciado pelas mídias privadas e adversários do projeto, e nunca confirmado nestes últimos oito anos, prevalecerá nos veículos da EBC. A vigilância certamente cessará.
A segunda exoneração do diretor-presidente Ricardo Melo também configura um atentado jurídico e um desrespeito ao STF, que o reconduziu por medida liminar ao cargo depois da primeira demissão.
Sua nomeação foi um ato jurídico perfeito, uma vez que, quando ocorreu, vigia plenamente a Lei 11.652/2008. A lei, nem medidas provisórias com força de lei, podem retroagir para suprimir direitos.
A desfiguração da EBC constitui um retrocesso que merece o repúdio de todos os cidadãos e cidadãs comprometidos com o aprimoramento da democracia e exige uma grande mobilização para que seja rejeitada pelo Congresso Nacional".
_________________
(*) Tereza Cruvinel é jornalista, ex-presidente da EBC.
Moção de repúdio contra desmonte da EBC
O Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) repudia de forma veemente a Medida Provisória 744, publicada sexta-feira (2/9) que acaba com o caráter de empresa de comunicação pública.
A MP 744 é uma afronta aos princípios constitucionais que estabelecem a comunicação pública como um direito da sociedade brasileira. A medida fere o artigo 223 da Constituição Federal, que prevê a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal.
A MP 744 extingue o Conselho Curador e assim tira a autonomia da EBC em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão e agências.
Também foi publicado nesta sexta-feira decreto que exonera o diretor-presidente da EBC Ricardo Melo, contrariando uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu a legalidade do mandato em junho (**).
Composto por representantes de vários setores da sociedade civil, do Congresso Nacional, do Governo, e dos funcionários da empresa, o Conselho Curador tem atuado para garantir a diversidade de vozes nos veículos da EBC.
Além da vigilância constante para o cumprimento dos princípios que regem a EBC, ao longo dos últimos oito anos, o Conselho Curador foi responsável por demandar a criação de uma faixa de diversidade religiosa na TV Brasil e nas rádios da EBC, orientar a empresa na criação do seu manual de jornalismo, recomendar e cobrar diversidade de gênero, raça, orientação sexual e acessibilidade em todos os conteúdos, defender a cobertura de pautas relacionadas aos direitos humanos, apontar as diretrizes para os planos de trabalho anuais da empresa e promover mais de dez audiências públicas para debater temas diversos como a produção independente e regional.
Cabe ressaltar que a MP 744 extingue o Conselho Curador no mesmo dia em que ocorreria a sua 63ª Reunião Ordinária, em que iria deliberar sobre assuntos importantes envolvendo a grade de programação dos veículos da EBC, a destinação dos recursos da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública e a renovação do próprio Conselho.
Os/as integrantes do Conselho Curador se juntam às iniciativas da sociedade civil contra a MP 744 e na firme defesa da EBC e da Comunicação Pública.
Representantes da sociedade civil no Conselho Curador da EBC:
Rita Freire (presidenta)
Ana Maria da Conceição Veloso
Enderson Araújo de Jesus Santos
Heloisa Maria Murgel Starling
Ima Célia Guimarães Vieira
Isaias Dias
Joel Zito Araújo
Matsa Hushahu Yawanawá
Mário Augusto Jakobskind
Paulo Ramos Derengoski
Rosane Maria Bertotti
Takashi Tome
Venício Arthur de Lima
Wagner Tiso
Representante dos funcionários da EBC no Conselho Curador da EBC
Akemi Nitahara
________________________
(**) EM TEMPO: Não demorou muito para que o Palácio do Planalto lembrasse que Ricardo Melo havia retornado ao cargo por força de uma decisão liminar do STF e que só com uma nova posição da Suprema Corte ele poderia sair de lá. Diante disso, a Imprensa Nacional teve que rodar uma edição extraordinária do Diário Oficial da União, revogando a exoneração de Melo e cancelando a nomeação de Laerte Rimoli. Mas o estrago maior foi mantido, ou seja, a extinção do Conselho Curador.