“Há um golpe em andamento no Brasil. O presidente Jair Bolsonaro quer o poder total, ele não sabe como conviver com a democracia. Com apoio de alguns setores militares, ele constrói seu plano autoritário de governo organizando milícias violentas país afora, prontas para entrar em ação”. Estas foram as primeiras afirmações do jornalista Hélio Doyle, consultor em comunicação e política e professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), no programa Diálogo do Sul, transmitido pelo YouTube.
Desse Diálogo do Sul participaram Ana Prestes, socióloga de UFMG, João Vicente Goulart (filho do ex-presidente João Goulart), Leandro Grass, deputado distrital pela REDE-DF, Rafael Parente e Tiago Nascimento.
Hélio também acha que é “importante dar entrada com o maior número possível de pedidos de impeachment do presidente pelos inúmeros crimes de responsabilidade já cometidos, mas está claro que não há condições objetivas para que esses pedidos tenham sucesso na Câmara dos Deputados”. Além da busca de apoio no chamado Centrão para impedir qualquer votação de impeachment, as oposições não estão podendo sair às ruas por causa do isolamento social imposto pela pandemia. Bolsonaro continua mobilizando seus apoiadores.
Enquanto isso, Doyle sugere a construção de uma frente ampla nacional para derrotar o fascismo que assumiu o poder no Brasil. Para alimentar esse debate, o jornalista distribuiu entre amigos, colegas, personalidades e dirigentes partidários o que ele chama de 28 pontos para derrotar o fascismo e construir um projeto para o Brasil.
A seguir, a íntegra do documento assinado pelo jornalista Hélio Doyle:
28 pontos para derrotar o fascismo e construir um projeto para o Brasil
Este documento apenas alinha algumas questões ligadas à conjuntura e propõe a construção de uma frente democrática contra o projeto fascista de Bolsonaro e de uma frente popular para elaborar e apresentar um projeto para o Brasil e disputar as eleições de 2022.
As ideias são expostas sucintamente em cada ponto, podendo ser desenvolvidas em discussões posteriores. Parte-se do princípio de que, para formular estratégias políticas, é preciso analisar com realismo e profundidade a situação concreta, atendo-se aos fatos, à correlação de forças e às contradições existentes na sociedade — e não aos nossos desejos e ilusões.
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O Brasil passa por dois flagelos: a pandemia do Covid-19 e o governo de Jair Bolsonaro. Não é preciso citar aqui os males que ambos causam ao país, mas é importante ver que há uma correlação entre eles — a postura, o discurso e as atitudes de Bolsonaro impedem que a pandemia seja correta e eficazmente combatida, tanto no aspecto sanitário quanto no econômico. Bolsonaro é o maior óbice ao enfrentamento eficaz e eficiente do Covid-19 e é responsável pelos resultados nefastos da pandemia, presentes e futuros.
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Teria sido preciso, pois, afastar Bolsonaro da presidência para lutar adequadamente contra a pandemia e minimizar seus reflexos na economia. Bolsonaro deixou claro, por suas posições políticas e ideológicas e pela postura anticientífica, que sob seu comando a pandemia não seria combatida como se deveria e a população não teria a necessária assistência devida pelo Estado. Não houve até agora, porém, condições objetivas para que o afastamento ocorresse, por impeachment, decisão judicial ou, como chegou a ser cogitado, interdição por transtornos mentais.
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O afastamento de Bolsonaro, porém, não se justifica apenas por sua postura diante da pandemia, minimizando-a, insuflando o desrespeito a medidas sanitárias internacionalmente recomendadas e não tomando as medidas econômicas necessárias para assegurar o distanciamento social dos mais pobres, com a manutenção dos empregos e o suporte aos autônomos e às empresas. O presidente vem acumulando também claros crimes de responsabilidade, arrolados em mais de 30 pedidos de abertura de processo de impeachment, e é objeto de inquérito no Supremo Tribunal Federal. Há muito mais motivos para decretar o impeachment de Bolsonaro do que havia para afastar Fernando Collor e Dilma Rousseff da presidência.
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O mais grave motivo para afastar Bolsonaro da presidência, porém, é seu projeto político inspirado pelo seu guia Olavo de Carvalho: destruir as instituições democráticas do Estado e da sociedade civil, alterar a Constituição de 1988, assumir poderes absolutos e reprimir violentamente seus opositores. Um projeto de conteúdo fascista, em andamento, que pressupõe um golpe ou autogolpe. Por isso Bolsonaro aposta na polarização e na radicalização, na organização de um partido sob seu total comando, em uma militância sectária, violenta e armada e na cooptação das Forças Armadas para apoiar seu projeto. Todas as ações e as falas de Bolsonaro e de seus seguidores mais próximos, entre os quais seus filhos, dirigem-se para a consecução desse projeto por meio de um golpe. Caso não seja possível concretizá-lo até 2022, a reeleição é etapa fundamental para isso: ou ganha força política para viabilizá-lo, com a vitória, ou alega fraude e mobiliza suas bases para o golpe, em caso de derrota.
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As forças políticas e sociais que defendem a democracia e se opõem ao fascismo bolsonarista e à sua necropolítica precisam afastá-lo com urgência da presidência não só pelas razões juridicamente objetivas — os inúmeros crimes de responsabilidade e comuns cometidos por ele — como para impedir a consecução do golpe antidemocrático e de conteúdo fascista que planeja. Os riscos são reais e nem mesmo a realização de eleições em 2022 protege o país dessa ameaça, pois os bolsonaristas não se conformarão com uma derrota e partirão para o confronto.
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Destituir Bolsonaro é hoje a tarefa central para os democratas de todos os matizes. Faltam, porém, as condições objetivas que existiam quando houve os impeachments de Collor e Dilma: não há, devido à quarentena, mobilizações populares para pedir o afastamento; não há garantia de haver dois terços dos votos na Câmara para abrir o processo; e não há, aparentemente, a disposição da maioria do segmento empresarial e financeiro em promover o impeachment. Além disso, o país passa por uma pandemia que exige atenção prioritária e os parlamentares estão dispersos, reunindo-se virtualmente, a distância. Tentar abrir um processo de impeachment agora pode ter efeito contrário ao desejado, pois o pedido pode ser derrubado pelos deputados.
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Bolsonaro, assim, continua a avançar no seu projeto político. A pandemia é encarada por ele como uma oportunidade para construir as condições necessárias para seus planos: acirramento das contradições entre bolsonaristas e a oposição, ocupação das ruas por sua militância, acirramento da violência, insatisfação social diante da inevitável recessão econômica e instauração de um ambiente de confronto e caos social que leve à decretação de estado de sítio e à intervenção das forças armadas a seu favor. Além disso, sua postura de privilegiar a economia e os negócios e se opor ao distanciamento social o aproxima de segmentos empresariais de todos os portes.
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Temendo o enfraquecimento político e perda de apoiadores, Bolsonaro procura se eximir de qualquer responsabilidade pela disseminação do vírus e pelas mortes e, também, pelas consequências econômicas negativas da pandemia. Joga a culpa em governadores, prefeitos e no Supremo Tribunal Federal. Mas, mesmo que seja considerado culpado pela maioria da população e enfrente dificuldades políticas — com a possibilidade de um processo de impeachment depois da pandemia— e protestos nas ruas, ele acha que o quadro lhe beneficiará, já que aposta no caos para dar o golpe com apoio das forças armadas. Acredita que enquanto mantiver pelo menos 25% de apoio na população, a simpatia e sustentação de militares e policiais e o suporte de milícias armadas e digitais, terá condições de se manter na presidência e caminhar para o golpe.
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Em suma: mantendo-se no poder, Bolsonaro tentará dar seu golpe em qualquer circunstância, pois conta para isso com o que considera essencial: o apoio de uma base social cujas principais características são a defesa do capitalismo em sua versão ultraliberal; a ideologia de extrema-direita e o ódio visceral à esquerda; o conservadorismo em relação a temas comportamentais; o fundamentalismo cristão tosco; e a retórica nacionalista, mas com postura na prática submissa aos Estados Unidos. Essa base social é composta de pessoas de todas as classes sociais, de muito ricos aos extremamente pobres, do empresariado ao lumpesinato.
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A base social do bolsonarismo tem seu braço armado: indivíduos que integram todos os escalões do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, das polícias militares e das demais forças policiais; membros das milícias criminosas que atuam nas cidades; milicianos rurais, que são fazendeiros e seus capangas e jagunços. Militares, policiais e milicianos urbanos e rurais têm sido beneficiados por inúmeras medidas tomadas pelo governo e constituem hoje um importante sustentáculo de Bolsonaro. E é com esse braço armado que ele conta para vencer nos confrontos nas ruas, intimidar e enfrentar os oposicionistas e criar o caos social que leve ao estado de sítio ou à intervenção das Forças Armadas — a seu favor, naturalmente.
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Bolsonaro perdeu o apoio de uma parcela dos que o apoiaram nas eleições de 2018 e acabou a ilusão, em setores da direita e do centro que nele votaram, de que, em seu governo, ele e os fundamentalistas cristãos e extremistas ideológicos poderiam ser controlados pela pretensa racionalidade e sensatez de militares estrelados e da equipe econômica ultraliberal. Segmentos do empresariado urbano e rural e do capital financeiro que apoiaram Bolsonaro apostando na execução da política econômica ultraliberal, das privatizações e das reformas pregadas por seu ministro Paulo Guedes decepcionaram-se com os fracos resultados depois de um ano de gestão e com as dificuldades colocadas, pelo próprio presidente e pela ala ideológica e fundamentalista do governo, ao ambiente de negócios que desejam.
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O empresariado não é homogêneo e unido. Há muitas contradições internas que envolvem o grande capital industrial, comercial, financeiro e rural, assim como entre os empresários que atuam no mercado interno e os exportadores. Os interesses desses segmentos, embora sejam os mesmos em termos mais amplos, diferenciam-se diante de políticas e ações específicas do governo. Daí afloram contradições entre cada um desses setores do empresariado — e suas subdivisões — e o governo. Em decorrência delas, parte dos empresários pensa em alternativas a Bolsonaro, mas outra parcela ainda acredita que poderá atingir seus objetivos acertando os rumos de sua gestão e se opõe a seu afastamento.
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Como reflexo disso, contudo não somente por isso, também há contradições entre o governo de Bolsonaro e os políticos de centro, de direita e mesmo de extrema-direita que o apoiaram nas eleições. A maioria deles representa e reflete interesses empresariais, mas a postura de oposição ao governo, em diferentes níveis, deve-se também a questões eminentemente políticas e referentes às disputas eleitorais e de poder. As ameaças de Bolsonaro e de seus seguidores ao Congresso Nacional e a hostilidade aos políticos contribui para afastá-los do governo. As pretensões eleitorais de quadros do centro e da direita também os distancia de Bolsonaro.
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Não se pode, igualmente, subestimar a contradição entre segmentos empresariais e de extrema-direita que defendem um governo autoritário como necessário para implementar as medidas econômicas impopulares, de um lado, e políticos que precisam da vigência de práticas democráticas para exercer seu papel, de outro. A questão democracia versus ditadura também leva os principais empresários da comunicação e do jornalismo, aos quais não convêm um regime autoritário, a se opor agora a Bolsonaro. Assim como há militares que acham que a ordem social e o desenvolvimento econômico só acontecerão em um regime forte e autoritário, há os que querem as Forças Armadas cumprindo apenas seu papel constitucional em uma democracia, opondo-se a qualquer golpe.
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Há, porém, uma questão que, independentemente de Bolsonaro, une os diferentes segmentos empresariais — inclusive os da comunicação —, os políticos do centro à extrema-direita, os militares das três forças e os policiais de todas as corporações: o temor de que a esquerda e a centro-esquerda voltem a eleger um presidente da República. Para todos eles, que trabalharam intensamente para derrubar a presidente Dilma Rousseff, inviabilizar a eleição de Lula e construir uma alternativa liberal ou ultraliberal de poder, é inadmissível que o PT ou qualquer partido ou pessoa com posições à esquerda volte ao Palácio do Planalto. Isso, no entender da direita, seria fatal para seus interesses econômicos e políticos.
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Por isso, Bolsonaro só será afastado do poder antes de 2022 se as forças políticas de centro e de direita e a expressiva maioria do empresariado entenderem que não há mais condições efetivas para que continue no comando e que seu governo contraria seus interesses empresariais e políticos, sendo melhor apostar no seu vice, general Hamilton Mourão. Mas farão isso apenas se o afastamento não beneficiar a esquerda, agora ou nas eleições de 2022. Ou seja: a alternativa a Bolsonaro — seja imediata, por impeachment, ou distante, por eleição — tem de estar na direita e compromissada com seus interesses. Isso é fundamental para o projeto econômico e político desses segmentos.
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Como a maioria dos deputados e senadores é conservadora, representa segmentos empresariais e se coloca entre o centro e a direita, o impeachment, assim, só prosperará se as contradições com Bolsonaro e seu governo se acirrarem, por fatores internos a esses segmentos ou devido a uma grande mobilização popular e da sociedade pelo afastamento do presidente. A centro-esquerda e a esquerda não têm força parlamentar para viabilizar o impeachment e não podem, durante a pandemia, mobilizar seus militantes e a população para manifestações de rua em apoio ao afastamento. Mas quando houver condições para se mobilizar, essa terá de ser uma prioridade.
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São, pois, várias as razões pelas quais o processo de impeachment não avança, embora haja mais de 30 pedidos apresentados. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM, alinhado a segmentos empresariais e defensor de medidas econômicas ultraliberais, não autorizará o início do processo enquanto não sentir que tem respaldo empresarial e tiver absoluta segurança de que será aprovado. E que, além disso, a abertura do processo não provocará o apoio institucional das Forças Armadas a Bolsonaro. Maia sabe que, mesmo vindo a ser de interesse dos segmentos empresariais, o impeachment pode ser difícil em um momento em que Bolsonaro coopta deputados do chamado “centrão”, coloca seus apoiadores nas ruas e incentiva a violência. E quando, devido à pandemia, os deputados estão dispersos, reunindo-se virtualmente, e os que defendem o afastamento não saem às ruas.
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Nada impede, porém, que os que desejam o afastamento de Bolsonaro da presidência apresentem pedidos de impeachment e insistam para que o presidente da Câmara inicie a tramitação. É preciso manter aceso, em qualquer circunstância, a palavra de ordem de “Fora Bolsonaro”. Além disso, há também ações no Supremo Tribunal Federal que podem levar à abertura do processo. Mas só a pressão popular é que poderá levar os setores hoje recalcitrantes a apoiar o impeachment. A resistência bolsonarista ao impeachment, no Congresso e nas ruas, só poderá ser derrotada com grandes mobilizações populares e a formação de uma frente ampla democrática, unindo forças políticas e sociais da direita à esquerda. Para cumprir a tarefa principal, que é derrotar o adversário comum, é preciso unir forças divergentes e até antagônicas, sem sectarismo e exclusões.
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Uma frente ampla democrática pela destituição de Bolsonaro não significa tentar estabelecer um programa comum nem assumir compromissos com o futuro governo e para as eleições de 2022. Essa frente não é uma coalizão para governar ou uma frente eleitoral, mas uma união de forças com um objetivo específico, e que se dissolve quando esse objetivo é atingido. Afinal, quem vai assumir a presidência após a destituição constitucional de Bolsonaro é o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República.
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A ascensão de Mourão, naturalmente não entusiasma a esquerda, mas é a única saída constitucional possível, já que o Tribunal Superior Eleitoral não irá impugnar a chapa vitoriosa em 2018, embora haja razões para isso. Mourão, um defensor da ditadura de 1964 e de seus métodos, claramente de direita, irá certamente continuar a implementar medidas econômicas e sociais ultraliberais e contrárias aos interesses dos trabalhadores e da maioria do povo. Mas, aparentemente, não cultiva pretensões autoritárias e golpistas, defende o diálogo político e provavelmente será mais pragmático na política externa, não se alinhando incondicionalmente aos Estados Unidos e Israel, como Bolsonaro. Com Mourão na presidência, o processo político tende a caminhar com normalidade para as eleições presidenciais e parlamentares de 2022, o que é positivo.
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As pesquisas de opinião e a observação da realidade têm mostrado que o pensamento conservador e de direita é hoje amplamente majoritário no Brasil e não há nenhuma indicação de que esse quadro irá ser alterado até as eleições, com ou sem o afastamento de Bolsonaro. As análises de cenários têm de considerar esse dado. Supondo que o golpe não tenha se concretizado e Bolsonaro se mantenha na presidência até 2022 ou, mesmo sofrendo impeachment, não perca os direitos políticos (como ocorreu com Dilma), ele deverá ser candidato a presidente. Mantendo uma base social na faixa de 25% a 30% do eleitorado, muito provavelmente irá ao segundo turno. Mas, se Bolsonaro for afastado da presidência e perder os direitos políticos, a probabilidade de vitória de um candidato identificado com a centro-direita tende a ser maior do que a de um candidato de esquerda.
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Bolsonaro acredita que irá para o segundo turno e a polarização política levará seu opositor a ser o candidato da esquerda. Acha que será novamente vitorioso, pois terá novamente o apoio da maioria do eleitorado e dos setores políticos e empresariais que não querem a volta do PT e dos “comunistas”. Bolsonaro teme ir para o segundo turno com um candidato da centro-direita, ou mesmo da direita democrática, que possa receber os votos da esquerda para impedir que se reeleja. Ou seja, acredita que contra um candidato de esquerda, a direita estará com ele; contra um de direita, a esquerda estará contra ele. Se for derrotado, Bolsonaro alegará fraude (mais uma vez) e mobilizará seus apoiadores para irem às ruas e provocar o caos, até com derramamento de sangue, e assim receber o apoio das Forças Armadas. O golpe que pretende será então realizado.
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Diante do cenário negativo, o caminho para os partidos políticos de esquerda e de centro-esquerda, hoje enfraquecidos socialmente e no Congresso, é constituir organicamente uma frente popular que faça uma oposição organizada e consistente ao governo —seja de Bolsonaro ou de Mourão —, formule um projeto para o Brasil e se prepare para defendê-lo ao disputar as eleições parlamentares, para governador e para presidente da República. É cedo para traçar uma tática eleitoral, pois há muitas variáveis e até mesmo possíveis mudanças na legislação. Mas é importante que os partidos que integrarem a frente popular estejam unidos na disputa e acumulem forças desde já, no próprio processo de construção da unidade e do projeto para o país, na retomada do trabalho político junto à população e às entidades da sociedade, na ação parlamentar, no exercício dos governos municipais e estaduais e no desenvolvimento de mecanismos de comunicação eficazes.
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Uma frente popular não representa a descaracterização ou a extinção dos partidos que a integram, mas a unidade em torno de princípios e de um programa comum, adequado à realidade e à conjuntura do momento. Os partidos continuam com seus programas, definem conjunta e democraticamente os candidatos majoritários e cada organização define seus candidatos proporcionais. Mas atuam unidos nos parlamentos, nos governos e no processo eleitoral, somando suas forças específicas para o cumprimento de programas comuns. Isso, inclusive, não impede que, em determinadas circunstâncias especiais, um partido assuma posição divergente dos demais. A frente popular deve ser replicada, no plano social, por uma ampla unidade de entidades de todos os tipos (comunitárias, sindicais, representativas de segmentos, culturais).
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Para constituir a frente popular é preciso, depois de os partidos deixarem em segundo plano suas diferenças e divergências e abandonarem posturas sectárias e hostis:
- Elaborar uma carta de princípios e um programa comum, a ser referendado pelas bases e direções de cada um dos partidos.
- Elaborar plataformas comuns para a ação parlamentar no Congresso Nacional e nos legislativos estaduais e municipais.
- Integrar os partidos da frente popular, mediante debate amplo de programas de governo, nas administrações estaduais e municipais sob direção de um deles.
- Iniciar o debate para a elaboração de um programa de governo e uma tática eleitoral nacional para as eleições de 2022, considerando a correlação de forças e as possibilidades reais, assim como de programas para os estados e para o Distrito Federal.
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A formação de uma frente ampla democrática é essencial para destituir Bolsonaro. A frente popular é essencial para a esquerda se reerguer, exercer seu papel político e disputar com força as eleições de 2022. Sua constituição é um processo complexo, difícil e demorado, mas por isso mesmo precisa ser imediatamente iniciado, tendo em vista a extrema urgência quanto à formulação de propostas para questões que já estão sendo colocadas — reformas tributária, administrativa, eleitoral e outras — e a proximidade das eleições em 2022. Os partidos de esquerda têm de ir além da simples oposição a medidas apresentadas pelos ultraliberais e ter propostas alternativas. Devem também apresentar à sociedade um projeto amplo para o país. Não será fácil, mas a caminhada começa com o primeiro passo.
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Esse primeiro passo deve ser, em reunião dos principais dirigentes dos partidos que aceitam, em princípio, discutir a formação da frente popular, definir princípios básicos, metodologia de trabalho e calendário. Um grupo garantidor de três a cinco pessoas, não filiadas aos partidos, pode acompanhar o processo e mediar, dirimir questões controversas e procurar superar divergências que surjam e não sejam incompatíveis com a criação da frente.