"A vida é de quem se atreve a viver".


Livro "Degrau por Degrau", de Peliano, será lançado em Brasília dia 3/10, no Carpe Diem (104 Sul).
Entrevista: Peliano estreia no romance com “Degrau por Degrau”

Tatiana Carlotti (*)

“O serviço está combinado. Acertados os termos; um, dois, três embrulhos. Em fevereiro, na capital”.

É com este recado, escrito em um pedaço arrancado de um saco de pão, que o escritor José Carlos Peliano, economista, ex-pesquisador do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp e um dos colaboradores de Carta Maior, Brasil Debate e www.brasiliarios.com , estreia na prosa com o romance “Degrau por Degrau”, que será lançado no próximo dia 29/9, no bar Genial (Vila Madalena), na capital paulista, e no dia 3 de outubro no Carpe Diem (104 Sul), Brasília.

O romance conta a história de Tino, um justiceiro guiado por códigos muito particulares. Um de ética, que consiste em “saber do serviço e o porquê” e executá-lo não “pelo mero desejo do contratante”, mas somente quando convencido da necessidade do ato de vingança e da eficácia do “olho por olho, dente por dente”.

E um código de honra: “cumprir a missão de um reparador de brutalidades e injustiças em lugar da justiça usual e oficial dos homens, muitas vezes cruel, parcial, demorada, falha e questionada”.

Motivações postas em ação quando Russo, intermediário nos serviços e amigo do protagonista, repassa a Tino mais uma oportunidade de trabalho: a vingança de uma jovem, entrevada em uma cama, após uma tentativa de estupro.

Descrita de forma objetiva, a demanda é destrinchada pelo narrador que, próximo do ponto de vista do protagonista, enuncia as reflexões de Tino, desde a escolha da sentença até a execução do justiçamento:

“Não havia dúvida, o acontecimento teve, de fato, quatro envolvidos: a vítima, mulher, três participantes homens. A vítima sofreu tentativa de agressão sexual praticada por um deles, o outro ficou por conta de dominar e segurar a empregada e o terceiro postou-se de olheiro para evitar a chegada inesperada de alguém. Tudo levava a crer que, se o ato pretendido fosse consumado pelo primeiro, em seguida viriam os restantes repetir a dose”.

A vítima, no caso, uma moça de 15 anos que “conseguiu lutar, se desvencilhar e escapar dos braços do agressor. Só que isso ocorre no patamar do mezanino, junto ao último degrau da escada. Ao se soltar, não dá tempo para se recompor e se pôr de pé, perde o equilíbrio e cai na escada, rolando aos trambolhões até em baixo. Degrau por degrau”.

Um trágico episódio que Tino passa a examinar, determinando a sentença que considera mais justa e as formas de aplicá-la, em um percurso narrativo que engloba reflexões em torno da justiça, da vida e da morte, entremeadas por episódios que revelam o cotidiano de um justiceiro, suas relações afetivas, memórias e expectativas.

Confira abaixo a entrevista com o autor.

Peliano, você já publica poesia. A que se deve essa necessidade de ingressar na prosa?

José Carlos Peliano - A diferença é de tempo corrido apenas, embora a forma conte bastante. Escrevo poemas que levam minutos, outros horas, já a prosa me leva a concentrar-me por dias. Ambas, poesia e prosa, podem ser fartas ou não, a depender da inspiração, do tema, do momento. A poesia vem de dentro, já a prosa vem de dentro também, mas com complementos de fora, sejam os personagens, as relações entre eles, as tomadas de cena, entre outros.

Foi uma satisfação escrever esse livro tanto pela história quanto pelos personagens e suas relações. Tinha a ideia na cabeça e o laptop nas mãos. O roteiro veio saindo com os dedos sobre as teclas, nada pré-concebido. Como se a história estivesse já guardada nalgum arquivo mental, só precisei acessa-lo. Quem ler o livro vai seguir esse caminho por onde passei e tenho certeza que não vai ficar indiferente. A narrativa foi feita com emoção.

Por que o gênero policial e o tema do justiçamento?

Peliano - A escolha foi feita exatamente para entrar na narrativa longa, nunca havia tentado antes. Mas de longa em tempo foi pouca uma vez que o livro foi escrito em quatro semanas, quase um mês. Já veio pronto. Minhas referências são policiais, antigos como Conan Doyle e Agatha Christie, atuais, estrangeiros, como Henning Mankell, Jo Nesbo, Camila Lackberg, Arnaldour Indridason, Patricia Cornwell, Scott Turow, e os brasileiros Jorge Amado e Luiz Alfredo Garcia-Roza, entre outros.

Eu me enveredo por um mundo duro, difícil e intrincado, mas nada incomum, crio e olho para cada personagem e vivencio suas situações construídas, dando-lhes pensamentos, diálogos, emoções, eu sendo todos eles ao mesmo tempo. Mas sem antes ter informações acumuladas tanto das fontes literárias de inspiração, quanto dos relatos das duas mães que tiveram suas filhas sacrificadas por estupradores, assassinos.

Uma das mães não disse, mas insinuou que talvez tivesse procedido à retaliação, a outra quis tomar a atitude, mas não teve coragem. Por conta disso achei por bem entrar no assunto e avaliar os lados envolvidos e qual solução deveria ser dada à luz dos fatos narrados e das possibilidades e limites encontrados em nossa sociedade.

Como foi o processo de construção da personagem Tino?

Peliano - Tino foi construído ao revés das ideias pré-concebidas e notícias que se tem das vinganças fatais e dos matadores de aluguel. Esses últimos são tratados, em geral, como frios, calculistas, desumanos.

Construí um personagem frio e calculista, sim, mas humano, no sentido de distinguir os pedidos de serviços e do jeito pessoal com que penetra da vida da vítima e se compadece do ataque sofrido. Dependendo do caso, pode negar o serviço ou nem cobrar pelo que foi feito.

Não sei exatamente se isso ocorre na vida real, mas tenho a intuição que sim. Não será nunca sabido, no entanto, pelo preconceito e o ódio que a sociedade tem, em geral, de um matador de aluguel, mas sim por total falta de conhecimento de sua personalidade e do meio em que viveu e vive.

Me lembro de um personagem vivido por Charles Bronson na série de filmes de nome Desejo de Matar, na década de 60, cidadão comum da classe média, profissional liberal, o qual desempenha o papel de um matador que se vinga clandestinamente de vítimas de delinquentes e assassinos.

Quem sabe não foi meu inconsciente que adaptou e trouxe Tino desde lá. Devo dizer, por fim, que os matadores históricos descritos por Erick Hobsbawm em seu livro Bandidos, tipo Robin Hood, Pancho Vila, Zapata e Lampião, são todos vistos em sua leitura sociológica como defensores sociais, justiceiros, batalhadores primitivos da liberdade.

Como justiceiro, acho que Tino é um personagem forte, marginal em face da lei, mas humano diante daqueles, vítimas da injustiça social, que não encontram amparo policial, nem da justiça oficial. Toma a si a dor do outro, avalia o que fazer e decide qual a melhor maneira, inclusive negando o serviço, se assim decidir.

Se há desigualdades no mundo de toda ordem, especialmente sociais e econômicas, há também reações a elas ao ponto de se lançar mão da violência quando a dor, a desgraça e o arbítrio ultrapassam os limites da resistência humana.
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(*) Entrevista publicada originalmente no site www.cartamaior.com.br

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