"A vida é de quem se atreve a viver".


Viajante

José Carlos Peliano -

meus pés ainda sabem de onde venho

trazem trajetos, arranhões e unhas enrugadas

ruas e esquinas atravessam minha memória

um arremate do lenço vermelho ao redor do pescoço dela

não havia mais que nossos olhares medindo resistências, impulsos e distâncias

meu desejo aprendeu logo como e porque voltar

quando é uma questão de respirar fundo e passar as mãos pelos cabelos

 

até que consegui chegar mais perto

o chão ainda guardava a passagem da chuva

fosse invisível não sairia do lado do cheiro inebriante

que saía do rosto dela, coxas, seios, braços bailarinos

minhas mãos queriam tocar-lhe antes de meus olhos

meus olhos tocar-lhe antes de minhas mãos

tocar-lhe era imprescindível e inadiável

era a minha cópia na memória do filme A um passo da eternidade

 

minha querência ficou grudada ao corpo dela

impaciente, ameninada, obediente, delirante

uma sanguessuga em êxtase, sorrateira e extasiada

vim somente para fechar portas e janelas

abrir ao acaso uma página do I Ching

e deixar um bilhete para o meu passado amontoado no quarto e sala:

fui! meu desejo ainda me aponta correr para o sorriso dela

estive aqui por muito tempo sem sono e vontade

há dias seguintes loucos para me enlouquecerem de caprichos

 

a praça começa a se mexer de gente

por todos os lados lembra uma colméia enraizada

não mais recebe meus passos sem direção e pouso

o hálito da manhã despenca dos prédios enfileirados

sigo em frente mais em frente um pouco à esquerda

trouxe comigo a antologia de Vinícius de Moraes

 

já vislumbro um vestido tomado pelo corpo dela

um vestido encantando o corpo dela

um vestido me esperando ser retirado do corpo dela

um corpo que receba o meu sem dia, hora e encontro marcado

depois um beijo suado após outros beijos suados

o relógio despencou da parede e parou sobre meu desassossego

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