Angélica Torres -
Em Submersão, seu último filme, Wim Wenders mergulha nas profundezas do Oceano Atlântico e de celas africanas subterrâneas, onde a luz não penetra, estabelecendo uma imagem metafórica do inconsciente e do subconsciente em relação a um de seus temas favoritos – o sentimento amoroso, e neste caso, entre um casal que se apaixona à primeira vista, sem que o destino pareça dar chances de se aprofundarem no romance, como desejariam.
Desprestigiado nos últimos tempos, sobretudo após o voo altíssimo alcançado em Asas do Desejo, Wenders obtém, apesar dos jovens críticos de cinema, movimento oposto, mas tão admirável quanto outros grandes arrebatamentos de sua carreira, ao realizar uma abissal imersão na dor dos desencontros.
O filme resulta assim numa invertida ode ao amor em tempos medonhos de guerras, porém em tempos também perigosamente ousados, na busca de soluções de C&T para um mundo melhor.
Alicia Vikander (de A garota dinamarquesa) interpreta Danny Flanders, uma cientista biomatemática, pesquisadora de vida vegetal na mais profunda camada do mar, enquanto James McAvoy (de Ex-Man) é James More, agente secreto escocês que se dispõe a uma missão de combate a jihadistas, na Somália, a fim de reportar ações da Al Qaeda, na região, à MI6 (Inteligência Militar, Seção 6, do Reino Unido).
Baseado no romance homônimo do britânico J. M. Ledgard, Submersão equilibra-se assim entre jogos de antíteses, ou contrastes evidentes na convivência a um só tempo, entre o futuro e o arcaico espelhados na ciência e na religião fundamentalista; entre a busca da consciência responsável e o imperativo inconsciente coletivo que rege o planeta, assentado em guerras, conflitos, torturas, matanças; entre o compartilhamento e a fruição da linguagem científica, intelectual, poética, filosófica e a total impossibilidade de comunicação e entendimento no choque entre realidades culturais desiguais; e entre a mulher representando o esforço rumo ao novo mundo e o homem ainda sustentando o fardo bestial da humanidade.
A partir dessas referências, pode-se supor por onde vai se enveredar a trama do filme e o desvio da rota imposto a um grande amor, nascido e cultivado a alto custo, entre belíssimas paisagens filmadas na Alemanha, Espanha e França (região da Normandia), nas Ilhas Féroe (território da Dinamarca, entre a Escócia e a Islândia) e num pacífico vilarejo do Djibuti (nordeste da África), simulando a Somália (ex-colônia do Reino Unido e da Itália), que sobrevive devastada por uma sangrenta guerra civil.
ONU e Unicef recebem sua parcela de crítica, num dos diálogos mais significativos do filme, em termos de história atual. E o desenrolar do enredo, em que se pode associar um “Romeu e Julieta de fins dos tempos” ao casal James e Danny (cujas famílias impeditivas são a geopolítica e geociência), pode causar surpresas, com a proposta de duas também antagônicas possibilidades de leitura final. Uma, amaldiçoada por Alá. Outra, de bênção ao imperialista. Cada espectador opta, romântica ou ideologicamente, portanto, pelo que convém a seu gosto.
Cronista de atualidades, Wim Wenders está sempre captando e oferecendo sua interpretação humanista de fatos e situações inquietantes de diferentes culturas e exigindo, em contrapartida, atenção e delicadeza do olhar do espectador.
Seus filmes são no mínimo uma fruição de belas fotografias e trilhas sonoras. Os diálogos são literários. Há uma terna preocupação de sempre compor cenas com a presença de crianças, além de diversas outras requintadas sutilezas, típicas de sua sofisticada formação e sensibilidade artística.
Mas a crítica visão de “dificuldades”, em relação ao arcabouço do romance filmado, provocou sua curta temporada em cartaz em Brasília. O que é uma pena para o público que ainda o respeita como um dos mais expressivos cineastas contemporâneos.