"A vida é de quem se atreve a viver".


Mesa do debate: Arte, Liberdade de Expressão e Democracia. (Foto: Luis Jungmann Girafa)
CIDH: Artistas ameaçados no Brasil

Romário Schettino -

“O Brasil passa por uma desestabilização democrática, com os direitos humanos ameaçados e sob forte risco de retrocesso”. É assim que Roberto Figueiredo Caldas, Juiz Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), descreve a atualidade brasileira.

Para o juiz, democracia está associada à liberdade de expressão, uma não vive sem a outra. “O que estamos assistindo no país é uma censura, sem meias palavras, que impede exposições artísticas sob o argumento de que fazem apologia da pedofilia e agridem símbolos religiosos”.

É preciso, portanto, garantir a total liberdade de expressão dos artistas contemporâneos, que fazem uma arte instigadora, provocativa e necessária ao desenvolvimento sociocultural de qualquer Nação. Os símbolos religiosos não são universais, por isso os artistas não podem ser impedidos de se expressar sobre qualquer crença.

Roberto Figueiredo propõe um debate urgente na sociedade brasileira sobre Arte e Religião. Ele lembrou que no Pará, neste ano, já foram assassinados nove babalorixás, isso é uma demonstração de intolerância religiosa e ataque aos princípios básicos da CIDH: liberdade de imprensa, liberdade de expressão, liberdade artística e liberdade religiosa. “Sem censura prévia e sem discriminação de qualquer natureza”, completou.

Roberto Figueiredo fez essas afirmações no colóquio “Arte, Liberdade de Expressão e Democracia”, promovido pelo Coletivo de Artistas Livres de Brasília – Não Calarás!, no último dia 25/10, no Museu da República.

Para destacar a importância da CIDH nas Américas, o juiz lembrou que nos anos 80 o Chile havia proibido o filme A Última Tentação de Cristo, com base na Constituição e em decisão do Supremo Tribunal local. A Corte anulou a decisão do Supremo e provocou a modificação da Constituição chilena.

A Convenção Americana, assinada em Costa Rita, é um documento que se iguala às Constituições e nela está escrito que nenhuma lei, nem mesmo uma Constituição, pode confrontar a liberdade artística. O Brasil é signatário dessa Convenção. Por esse motivo, suas decisões são e devem
ser seguidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A CIDH, com sete juízes, é a Corte com o menor orçamento de todas as outras e é considerada a mais influente no mundo.

A Lei de Acesso à Informação brasileira, por exemplo, é fruto do julgamento, pela CIDH, do caso Guerrilha do Araguaia. “Em nome da soberania nacional, muitas vezes, se comete atrocidades inaceitáveis”, disse o juiz Roberto Figueiredo.

A MESA - A mesa do Colóquio foi conduzida pela curadora Marilia Panitz, que alertou para os graves problemas nacionais que atingem, atualmente, os artistas plásticos, mas que é fruto da total desorganização social provocada pelos desmandos políticos.

As deputadas federais Erika Kokay e Maria do Rosário defenderam o papel das mulheres no Congresso Nacional e da luta pela mudança de leis ultrapassadas que tratavam as mulheres como simples objeto decorativo e submissa aos homens.

Maria do Rosário citou como exemplo de lei, já revogada, que dizia: “A lei protegerá a mulher honesta” e outros absurdos.

Kokay destacou o combate à “cultura do estupro” que impera na sociedade brasileira e afirma que “arte, cultura e educação são inimigas do fundamentalismo, qualquer que seja”.

A blogueira Cynara Menezes chamou a atenção para o perigo do obscurantismo e pregou “união e generosidade na luta contra a cultura do retrocesso”. Para ela, há na direita pessoas com quem se pode dialogar. “Nem todos da direita são Bolsonaro e atrasados”, concluiu.

Para o artista plástico Christus Nobrega, quando o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivela, disse que o lugar da exposição era no fundo do mar, “estava se utilizando de uma metáfora que nos remete ao regime militar, que era para onde iam suas vítimas; isso nós não podemos aceitar de forma alguma”.

“Esses ataques aos artistas são cortina de fumaça para desviar as atenções sobre o que acontece no Congresso Nacional, os desmandos e a retirada de direitos essenciais à população”, disse Christus.

Para reforçar essa tese, Mariana Soares, subsecretária de Políticas de Desenvolvimento e Promoção Cultural, da Secretaria de Cultura do DF, disse que não foi por acaso que o primeiro ato do governo após o impeachment foi a extinção do Ministério da Cultura. “O setor que mais resistiu ao golpe, foi o setor cultural”, disse ela.

Depois de muita pressão, o governo voltou atrás, mas em seguida veio a tentativa de criminalizar a Lei Rouanet por meio de uma CPI, que não encontrou nada que pudesse condená-la, a não ser problemas pontuais.

Outro sintoma da desorientação parlamentar no ataque à cultura foi relatado por Mariana. O deputado Marco Feliciano tentou intimidar a direção do Museu da República por causa da exposição Não Matarás. Ele e outros deputados chegaram de surpresa para “inspecionar” a exposição porque “receberam denúncias de que ali havia nudez humana”.

Todo esse movimento contra a cultura, segundo Mariana, permitiu que o Comando do 6º Batalhão da PM fosse a público “desautorizar” o governador do Distrito Federal de falar em nome da polícia. Isso porque Rodrigo Rollemberg ousou pedir desculpas ao artista e performer Maikon Kempinski e considerou a “sua prisão ilegal e criminosa".

O performer Hilan Bensusan, ao se apresentar vestido de macacão e com uma arma de brinquedo na mão (foto), distribuiu texto intitulado "O desarmado - A força da nudez". Nele, questiona: "De repente apareceu uma síndrome: as crianças precisam ser protegidas da nudez adulta. A nudez seria uma arma?". Para, no final, responder: "A verdade é indecente porque ela trata de uma comunidade indecente. Mas algumas das forças nuas são livres".

O Coletivo de Artistas Livres de Brasília - Não Calarás! promete novos colóquios e debates sobre o tema da censura às artes no Brasil.

(Leia também neste site artigo de Maria Lúcia Verdi sobre o mesmo assunto: "Não matarás, não calarás!")

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