"A vida é de quem se atreve a viver".


Cena de "Poesia sem fim", do chileno Alejandro Jodorowsky.
De canção em canção, sem fim

João Lanari Bo -

Poesia e cinema andam juntos há muito tempo, desde o momento em que imagens e sons combinados viraram linguagem.

Certo, cinema tem a dimensão industrial (na falta de melhor palavra), que implica uma padronização meio redutora dessa linguagem. Não falta, entretanto, quem mantenha acesa a tocha poética do cinema, que passa de mão em mão tal como a tocha olímpica.

Terrence Malick e Alejandro Jodorowsky soltaram a mão em dois exercícios poéticos de peso, em cartaz em Brasília (no Cine Cultura do Liberty Mall) – “De canção em canção”, do norte-americano, e “Poesia sem fim”, do chileno globalizado – ocasião propícia para comparar dois procedimentos de linguagem, ainda que de forma breve, que exalam pathos poético em corações e mentes na audiência.

O filme de Malick (foto abaixo) desliza em uma narrativa solta, ignorando as convenções de continuidade habituais no cinema. Câmera sempre na mão, cortes e ângulos imprevistos, fora do eixo da câmera, vozes em off e sincronia labial – tudo isso para instalar no espectador uma experiência subjetiva de construção da espacialidade cinematográfica, um movimento permanente que consagra a realidade da impressão fílmica (e não a impressão da realidade, como se faz comumente no cinema). Corpos exuberantes (o casting é espantoso) e locações estupendas contribuem para provocar um estupor poético na recepção do filme.



Cada espaço em que os personagens desfilam suas angústias e alegrias é como se fossem materializações de nossas expectativas emocionais. A produção do espaço cinematográfico é pura produção poética.

Em “Poesia sem fim” a aposta é outra. Câmara sempre no eixo, não há desestabilização espacial. A transgressão do espaço se dá pelo uso de artefatos e artifícios – contrarregras discretos aparecendo na cena, biombos suspendendo a ilusão de profundidades, desproporção de objetos no estilo expressionista e, sobretudo, uma teatralidade por vezes convulsiva dos personagens.

Poesia, aqui, irrompe calçada na palavra, de preferência impostada, declamada, vociferada. Corpos, por vezes não necessariamente esbeltos, mesmo atrofiados, transitam nesses cenários. A palavra poética funciona um modo de inserção no mundo, de transfiguração do mundo.

Poesia, enfim.

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