"A vida é de quem se atreve a viver".


"Preparem suas vísceras" para ver o filme de Mel Gibson
Mel Gibson e os objetores de consciência

João Lanari Bo -

Segundo a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, os motivos que qualificam uma pessoa com status do objetor de consciência podem ser religiosos, mas não têm que ser.

A opinião pode ser moral ou ética; entretanto, as razões de um homem para não querer participar em uma guerra não devem ser baseadas na política.

O que levou o australiano Mel Gibson, que começou a vida como Mad Max, a dirigir esse formidável e frenético “Até o último homem”, forte candidato ao Oscar?

E logo em cima de um objetor da consciência, um caipira da Virgínia que resolve se alistar para combater na Guerra do Pacífico, mas que se recusa a tocar em uma arma?

Desmond Doss, herói e anti-herói, é um minúsculo polo negativo nesse imenso oceano de positividades que é a atividade bélica.

Um pacifista convicto, mas que não perde de vista o sentimento patriótico; se o teatro da guerra é a explosão da violência, dramaticamente compartilhada – em muitas cenas, japoneses e americanos se encaram e praticam um (quase) duplo suicídio – Desmond atravessa o inferno salvando corpos e mentes, redimindo o pecado original de todos, o seu e o do coletivo que o acompanha.

Sim, trata-se de uma história real – e no filme de Gibson, o objetor de consciência aglutina em si culpas e reconciliações, do pai-alcóolatra ao companheiro que o humilha sem piedade.

Um filme que reproduz todos os códigos dos filmes de guerra, hiperbolicamente, apesar de ter como personagem principal alguém que se nega a combater.

Claro, sobra para os japoneses, os “japs”, que morrem como animais, guerreiros-suicidas e sanguinários (a batalha de Okinawa, onde se passa a história, foi uma das últimas e das mais cruéis da guerra, com suicídios não apenas dos soldados japoneses desonrados, mas também da população civil, por pressão dos militares).

Essa dimensão Mel não captou, ao contrário do também ator-tornado-diretor, Clint Eastwood, de olhar mais refinado – recorde-se o díptico magistral de “Cartas de Iwo Jima” e “A Conquista da honra”, o mesmo tipo de evento (batalha na ilha de Iwo Jima, menor em escala que Okinawa mas igualmente sangrenta) visto de dois pontos de vista diametralmente opostos, o japonês e o norte-americano.

Mas, que não restem ilusões: depois do estranhamento de “Apocalypto” (2006), exótica, violenta e inesperada saga na civilização maia; do escândalo de “Paixão de Cristo” (2004), definido pelo crítico Jonathan Rosenbaun como um “primitivo e pornográfico banho de sangue, cheio de planos masoquistas”; e do choque anafilático de “Até o último homem”, Mel Gibson se firmou.

Preparem suas vísceras.

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