"A vida é de quem se atreve a viver".


Fotos Públicas: Pete Souza
Depois de Dylan, um Nobel para Caetano

Alexandre Ribondi -

Essa quinta-feira acordou com a notícia de que Bob Dylan é o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2016. Mas acontece que o laureado é compositor e cantor norte-americano, o que poderia até mesmo provocar uma boa controvérsia se os brasileiros se interessassem pela Academia Sueca como, por exemplo, se interessam, de olhos pregados na televisão, pela presença – e vitória ainda por vir – do Brasil no Oscar da Academia de Hollywood.

Prova dessa indiferença é a jornalista Svetlana Alexjievich (quem?), da Bielorússia (de onde?), que conquistou a mesma honraria em 2015. Quase ninguém sabia quem ela era e continuou não sabendo.

Mas, mesmo que a controvérsia seja para meia dúzia de gatos pingados, a iniciativa da Academia Sueca de Literatura foi um grande passo. No fim do século passado, críticos disseram que as músicas da banda inglesa Os Beatles eram para ser cantadas e nunca lidas em livros de poema.

A mesma coisa já disseram de Bob Dylan. Essas opiniões não passam de purismo. Quem disse que a literatura é feita somente para ser escrita? Por que compositor não pode ser visto como literato?

Em uma das suas canções mais conhecidas e mais comoventes, Blowing in the Wind, Dylan, o homem da voz e olhos tristes, pergunta "quantas estradas deve um homem percorrer antes de ser chamado de homem?/ por quantos mares deve uma pomba branca navegar, antes de poder descansar na praia?/ sim, quantas vezes devem as balas de canhão voarem antes de serem para sempre banidas?/ a resposta, meu amigo, está no vento".  

Aí estão indagações presentes também na criação artística que reconhecemos como literatura. O que um homem deve fazer para conquistar sua dignidade? Até onde a pomba branca, símbolo da paz, deve ir para só então repousar? E, finalmente, quando as balas de canhão serão interditadas?

Questionar sobre a dignidade e o fim das guerras não é para músicas de consumo rápido e de excitação para as ancas. São posicionamentos diante da vida e das incertezas que vêm com o exercício de viver.

Bob Dylan é, de fato, um grande escritor, com conhecimento confirmado da sua língua materna, o inglês, tratada por ele com o respeito de qualquer autor. E é bom que a Academia Sueca tenha a coragem de nos lembrar esses fatos e de embaralhar a ordem aparentemente natural das coisas.

E esse embaralhamento pode continuar. O Brasil nunca foi lembrado pelo Nobel, Jorge Amado morreu sem sentir o gosto sueco, mas pode ser que tenhamos uma chance, agora. Se música é literatura, por que a cultura transmitida oralmente não é?

É preciso lembrar que o Brasil, onde, até o início do século XIX, era proibido imprimir livros, tem a sua cultura formada por dois povos ágrafos, os indígenas e os africanos, e por um outro povo considerado um dos menos letrados da Europa, o português.

Portanto, na nossa vasta, rica e majestosa tradição oral pode estar a chave para o nosso sucesso e nosso reconhecimento mundo afora. Temos uma literatura carregada de indagações, personagens admiráveis, fantasmas, almas penadas, famílias destruídas, felicidades - só que ausente dos livros.

Além disso, temos mais a oferecer. Se me fosse dada a oportunidade, se o Brasil fosse peça importante no cenário mundial e se a língua brasileira fosse peça fundamental na torre de Babel, eu indicaria Caetano Veloso ao prêmio de Estocolmo.

Afinal, esse homem já escreveu versos da magnitude de "Dorme o sol á flor do Chico, meio-dia/ Tudo esbarra embriagado de seu lume". O segundo verso é de provocar inveja em Machado de Assis e Graciliano Ramos juntos. Além disso, foi ele quem perguntou "Existirmos, a que será que se destina?".

Ora, se essa não é uma das grandes indagações da  humanidade, e das literaturas formal e oral, nada mais será.

As histórias que a empregada doméstica lá de casa contava merecem ganhar o prêmio Nobel de literatura oral. A nossa cultura seria a grande vencedora.

E Caetano Veloso, com suas composições riquíssimas, também deve ir para a Academia Sueca.

Pronto, estão lançadas as campanhas!

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