"A vida é de quem se atreve a viver".


Cena de Beduíno, o novo filme de Júlio Bressane
Sonhos e (des)encontros

João Lanari Bo -

“Beduíno” é o novo longa-metragem de Júlio Bressane, exibido fora da competição no recém-findo Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
 
Beduínos são um povo por definição nômade, atravessando desertos em camelos. Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o estilo de vida desse povo começou a entrar em decadência. Submetidos ao controle dos governos dos países árabes onde vivem, eles passaram a enfrentar dificuldades para perambular à vontade. O número de beduínos diminuiu e hoje o estilo de vida deles é cada vez mais sedentário.
 
Mesmo em Israel vivem cerca de duzentos mil beduínos, sobre os quais se atribui poligamia. Em geral, a fervorosa adesão ao islamismo e o caráter tribal das sociedades permanece. A etimologia da palavra é algo como “habitantes do deserto”.

Beduíno é também o nome do personagem masculino do filme de Bressane. Surm, a personagem feminina, tem sonhos constantes, não sabemos se acordada ou dormindo. 

Às vezes o sonho é de um corpo feminino, que pode ser o dela mesmo, deitado e em contorções. O corpo pode ser a montanha ou o túnel que adornam um trenzinho elétrico. Os sonhos são enunciados ao parceiro, que hesita e absorve.
 
Uma certa feita o sonho segue um navio que se aproxima do porto, mas sem chegar ao porto, parte em direção ao mar aberto. Mas Beduíno não é o porto onde o navio deveria descansar.

Beduíno não é a segurança para os sonhos enigmáticos de Surm. Outra vez diante de uma pirâmide Beduíno diz que gosta muito das coisas antigas. Surm retruca: “Mas eu sou jovem”.

As imagens do filme registram esses intervalos fora do tempo, pelo menos desse tempo narrativo cercado de limitações a que estamos submetidos.

Há uma espécie de ócio entre os personagens, um ócio produtivo que sempre procura encenar contatos e entretenimentos. Música, poesia e manifestações artísticas são evocações que dão densidade a esses intervalos. Não existe, portanto, uma historinha.

Surm domina a cena e a iniciativa, Beduíno olha e espera. É um filme feminino, do corpo feminino. Pelo menos até a inserção de cenas de um dos filmes mais curiosos de Bressane, “Memórias de um estrangulador de louras”, feito em Londres no ano de 1971.

Neste, o personagem encarnado por Guará Rodrigues estrangula meia centena de louras, dez em um só dia, num surto “sem nome jurídico”.

No final, sobra para Surm, de peruca loura e devidamente estrangulada por Beduíno.

Mas aí já estamos em outro plano retórico. Acabou o sonho e o tempo fora do tempo.

O tempo agora é o da produção, dos assalariados que integram a equipe de filmagem.

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