"A vida é de quem se atreve a viver".


Turiba e Luca Andrade recebidos por Augusto de Campos (91 anos) no simbólico 11/11/22
Visita poética a Augusto de Campos e Lygia

Luis Turiba (*) -

A data já trazia em si uma magia: 11 do 11 do 022.

Somos recebidos – Luca Andrade e eu - de braços abertos pelo próprio poeta Augusto de Campos; que após calorosa saudação, nos convida a adentrar naquela sala que lembra uma obra holográfica com constelações de letras, palavras e poemas; quadros, fotos em suportes múltiplos. Uma síntese concreta do trabalho de sete décadas do poeta.

A encantadora Lygia Campos nos recebe na sequência com o carinho de sempre e seu eterno sorriso. Fomos convidados para um cafezinho que durou três horas.

Num sofá da sala, a inconfundível figura do poeta Ricardo Aleixo, que está entre os finalistas do Prêmio Jabuti de Poesia, que sai no final deste mês. Ele também visitava o mestre. Ao seu lado, a bela Natália, sua companheira.

Aos 91 anos, Augusto continua um poço de energias surpreendentes, conhecimentos, lampejos e saques de linguagens, além dos conhecimentos teóricos, vivências e infinitas recordações.

A partir daí, o papo animado de sempre. AC comanda a roda com casos, perguntas, respostas e revelações fantásticas. Boas risadas, magníficas recordações.

Foi uma alegria dizer a ele que a edição da BRIC XXII - onde AC escreveu um histórico artigo sobre a convivência do grupo Noigandres com os poetas modernistas (especialmente Oswald e Mário, os Andrades) nos anos 50 - foi dedicada ao nosso Luis Eduardo Resende, o Resa, poeta-visual, eterno parceiro e inventor-criador gráfico do projeto da Bric.

Resa partiu cedo demais. Acendeu a vela por ambos os lados. Augusto é apaixonado pelo seu traço/trabalho gráfico e chegou a dedicar-lhe uma belíssima apresentação para seu principal catálogo.

Aproveito e falo da edição da revista em Beagá, da ilha de edição, dos novos parceiros: o diretor gráfico Romulo Garcias, que reinventou o traço briqueabraqueano;  e do poeta-arquiteto João Diniz, com seu grafismo espalhando-se por Belo Horizonte.

AC guarda boas recordações de Brasília, onde recebeu de forma descontraída o título de Cidadão Brasiliense, outorgado pelo então reitor da UnB, Cristovam Buarque e os poetas da cidade, entre os quais Francisco Alvim, Nicolas Behr e eu.

Décio Pignatari e o irmão Haroldo de Campos (ambos também nesta Bric); além do carioca de Copacabana José Lino Grünewald; e Ronaldo Azeredo, nascido e criado em Vila Isabel, terra de Noel, autor do poema concreto “velocidade”, o mais jovem poeta concreto participante da exposição “Arte Concreta” do MAM de SP, e irmão de Lygia Campos - esses são os parceiros que provocam intensas lembranças vivas nas memórias de AC.

Augusto falou prazerosamente sobre a possível publicação de uma caixa (obras completas) com poemas e peças do Ronaldo que, ainda está em projeto, na busca de patrocínios. “Quem sabe agora, com a volta de um governo que dá importância à memória e a cultura poética brasileira”.

Outro nome lembrado no papo regado a café com delicioso bolo, foi o do professor Boris Schnaiderman, da USP, que junto aos irmãos Campos traduziu e popularizou para o português-brasileiro poemas de Maiakovski e dezenas de outros russos.

A esta altura da conversa, elogiando o vozeirão de Maiakovski e destacando suas performances conseguidas a base de muitos ensaios, para dizer poemas à multidão no período bolchevique da revolução russa; Augusto se empolga, não resiste e recita em russo o poema do Sol. Um momento de comovente emoção.

Nunca visitei Augusto e Lygia Campos – foram dezenas de visitas no passado, sempre em Perdizes - sem sair do apartamento deles com pelo menos um livro novo de presente. AC sempre foi profícuo na produção editorial. Desta vez, saímos com dois livros, um autografado; além de um lindo postal do colorido poema “dias dias”.

Os dois livros são: Irmãos Hispanos, Extraducões, poemas de Federico Garcia Lorca e outros poetas hispânicos, edição da Galileu de Florianópolis; e o extraordinário livro-CD Entredados, poemas musicados de Mallarmé, Maiakóvski, Lewis Carrol, James Joyce, Gregório de Matos, Ezra Pound e o próprio AC. A parceria deste trabalho é com seu filho Cid Campos; baixista e guitarrista de primeira linha. Há também participações especiais de Décio Pignatari e Haroldo de Campos.

Enfim, foi nesse embalo de encantamentos poéticos, que o tempo passou e ninguém se deu conta. Ricardo e sua parceira se foram antes – tinham compromissos. A pauta era vasta, a saudade imensa. Muitas coisas foram faladas, outras esquecidas. Mas uma frase-poema martelou em nossas cabeças-corações ao fim da visita.

“Movimentos, movimentam”, bradou Augusto citando Décio. Quanto orgulho em tê-lo em praticamente todos os números das infinitas Bric a Bracs.

Saímos de Perdizes, mas achados do que nunca.


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(*) Luis Turiba, poeta e editor da revista Bric a Brac.

 

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