"A vida é de quem se atreve a viver".


Desenho de Rodrigo Bertame
Nelson Sargento: Bamba, baluarte, griot e mestre imortal da nossa cultura

Rafael Mattoso (*) –

Hoje pela manhã, enquanto conversava com Gabriel Moura sobre sua apresentação no Baile Charme Show do Circo Voador, uma informação me deixou paralisado. Recebi a mensagem da querida Regina Zappa, mas não consegui assimilar facilmente a notícia de que Nelson Sargento havia falecido.

Estando há mais de um ano imersos em uma crise pandêmica que já ceifou mais de 450 mil vidas, só em nosso pais, o que torna ainda mais doloroso a perda de um grande mestre.

Nelson Mattos foi um artista que sempre cantou, pintou e escreveu sobre a realidade, dureza e beleza de seu povo, principalmente a partir de seu olhar e experiências compartilhadas no Morro da Mangueira. Certamente o Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, nossa cidade e o país como um todo aplaudem de pé o espetáculo final desse astro que agora seguirá brilhando no céu, ao lado das mais belas estrelas.

Segundo o Dicionário da História Social do Samba, de Nei Lopes e Luiz Antonio Simas, “baluarte é o nome dado ao sustentáculo de um reduto, fortaleza inexpugnável. O termo foi incorporado ao universo das escolas de samba para designar aquele indivíduo, geralmente veterano, que se destaca como grande defensor dos valores da sua agremiação e das tradições do samba, não medindo esforços nem sacrifícios”. Nelson Sargento era sem sombra de dúvida um dos nossos maiores baluartes, um bamba que preservou por 96 anos as tradições, patrimônios culturais da cultura popular.

Didu Nogueira, que teve o prazer de conviver com Nelson, chamou minha atenção para a grande memória e vivencia artística de seu ídolo e amigo, chamado carinhosamente de “Mais velho”. Didu afirma que “Nelson era um dos poucos que vivenciou essa ambiência originária do samba, ele trazia consigo o som dos tambores africanos em seus ouvidos e melodias.”

É curioso perceber que Nelson Sargento parte na mesma semana do Dia Mundial de África. Logo ele, nosso Griot que sabia como poucos preservar e transmitir as histórias, conhecimentos, canções e mitos do seu povo. Assim como a tradição dos griot africanos que têm por compromisso coletar e memorizar versos de antigas canções e épicos e transmiti-las geração após geração.

Paulão Sete Cordas nos disse que “Nelson é um dos grandes artistas do nosso país. Artista genuinamente popular nos deixa uma obra rica e extensa, seu repertório será incorporado ao que existe de melhor no mundo do samba.”

Para Paulo César Feital: “A música brasileira cria um novo vazio, um buraco imenso. Nelson era um dos últimos representantes da monumental geração de Cartola, Nelson Cavaquinho, Mano Décio e Silas de Oliveira.

Com certeza o samba fica mais pobre, ele tinha um tamanho incomensurável. A música brasileira hoje está de luto e há de chorar muito de saudade. Infelizmente, o mundo vai ficando mais carente, pobre de talentos e pessoas boas”.

Em Mangueira
Quando morre
Um poeta
Todos choram
Vivo tranquilo em Mangueira porque
Sei que alguém há de chorar quando eu morrer...
"


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(*) Rafael Mattoso é historiador, professor, pesquisador da história dos subúrbios do Rio de Janeiro.

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