"A vida é de quem se atreve a viver".


Gramsci (1891-1937): “São eles [os indiferentes] que aceitam a promulgação de leis que depois só a revolta pode revogar, que deixam subir ao poder homens que apenas os motins poderão derrubar”.
Gramsci contra os indiferentes

Guilherme Cadaval (*) –

Há algo de engraçado na experiência do tempo. Não o cotidiano, aquele que dia após dia se ocupa de tarefas rotineiras, e cuja essência é justamente o movimento, sua característica mais própria o passar, dessa atividade para aquela, infinitamente. Não. Trata-se do tempo tal como é experimentado quando, por exemplo, entramos em contato com um escrito vindo diretamente do que costumamos chamar o passado, mas que nos faz, através de suas palavras, jurar enxergarmos o nosso presente, como se descrevesse o que acontece a nossa volta.

Esta talvez seja uma das sensações que o leitor terá ao tomar em mãos Odeio os indiferentes: escritos de 1917, de Antonio Gramsci, lançado há pouco tempo pela Editora Boitempo. Trata-se de uma coletânea de artigos do jovem pensador italiano, então com 26 anos de idade, publicados em alguns jornais socialistas da época.

Todos os textos comungam de um sentido de exortação ao socialismo para que alcançasse novas alturas, novas experiências, novas mentes e corpos, exortação que certamente ganhava fôlego renovado com a Revolução Russa daquele mesmo ano. Daí o primeiro artigo ser dedicado justamente aos jovens, na forma de “um convite e um incitamento”, visto que “o futuro” e “a história” são “dos jovens”, ou daqueles dentre eles que “pensam a tarefa que a vida impõe a cada um” e se “preocupam em se armar adequadamente para resolvê-la da maneira que melhor convém às suas convicções íntimas”.

De fato, é como se, lendo essas linhas pouco mais de um século após terem sido escritas, fossemos levados por Gramsci a um passeio pelo clima político da época, particularmente o italiano. Mas trata-se de um passeio turbulento, que não caminha como pelos corredores de um museu, onde a história, mais ou menos petrificada, pode ser observada com algum grau de distância, de indiferença.

Passear, caminhar – viver, enfim, significa, para Gramsci: tomar partido. “Por isso odeio os indiferentes”. São eles que “permitem o entrelaçamento de nós que posteriormente apenas a espada pode romper”, que “aceitam a promulgação de leis que depois só a revolta pode revogar”, que “deixam subir ao poder homens que apenas os motins poderão derrubar”. A vida requer um senso de responsabilidade histórica que não se limita ao espaço estreito do aqui e agora, do interesse imediato do “presente”, mas que “julga os fatos especialmente por seus efeitos, pela sua eternidade”. 

Afinal, o pensamento revolucionário nega o tempo como fator de progresso, impedindo que a vida se detenha no “sucesso momentâneo”, como se tivesse alcançado algum estágio definitivo, ao menos uma ordem satisfatória sobre a qual se poderia então repousar. Nesse desejo projetado de um repouso se esconderia, quem sabe, o “temor de perder tudo, de ter diante de si o caos, a desordem inelutável”.

A incerteza diante da perspectiva de uma mudança radical talvez seja a força que conserva a ordem, por mais precária que esta possa se apresentar: melhor o ovo hoje que a galinha amanhã. Mas, para ter a galinha, é preciso quebrar a casca do ovo.


Livro: Odeio os indiferentes
Autor: Antonio Gramsci
Tradutores: Álvaro Bianchi e Daniela Mussi
Capa: Maikon Nery
Editora: Boitempo - Coleção Escritos Gramscianos.
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(*) Guilherme Cadaval é formado em Filosofia pela UFRJ, onde concluiu mestrado e doutorado. É autor de Escrever a mágoa: um cruzamento entre Nietzsche e Derrida.

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