José Carlos Peliano (*) –
Composição quase poética feita de excertos do Capítulo V, Livro 1, de O Capital, de Karl Marx, Civilização Brasileira, 3a edição, RJ, 1975.
“Perseu tinha um capacete que o tornava invisível, para perseguir os monstros. Nós, de nossa parte, nos embuçamos com nosso capuz mágico, tapando nossos olhos e nossos ouvidos, para poder negar as monstruosidades existentes”. (Do Prefácio à 1a edição origina).
1.
O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza,
defronta-se com a natureza como uma de suas forças.
Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos,
a fim de apropriar-se dos recursos da natureza,
imprimindo-lhes forma útil à vida humana.
Ao mesmo tempo modifica sua própria natureza.
Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e
submete ao seu domínio o jogo das forças naturais.
Não se trata aqui das formas instintivas, animais, de trabalho. (202)
A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho, (201)
quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua força de trabalho,
é imensa a distância histórica que medeia entre sua condição
e a do homem primitivo com sua força ainda intuitiva de trabalho.
Uma aranha executa operações semelhantes às do artesão,
e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia.
O que distingue o pior arquiteto da melhor abelha
é que ele figura na mente sua construção
antes de transforma-la em realidade. (202)
A terra que, ao surgir o homem, o provê com meios de subsistência
prontos para utilização imediata, existe independentemente da ação dele,
sendo o objeto universal do trabalho humano.
Todas as coisas que o trabalho separa de sua conexão imediata
com seu meio natural constituem objetos de trabalho.
Os peixes que se pescam, que são tirados de seu elemento, a água,
a madeira derrubada na floresta virgem, o minério arrancado dos filões.
Se o objeto de trabalho é filtrado através de trabalho anterior,
chamamo-lo de matéria-prima: o minério extraído depois de ser lavado.
O objeto de trabalho só é matéria-prima depois de ter experimentado
uma modificação efetuada pelo trabalho.
O meio de trabalho é uma coisa ou um conjunto de coisas,
que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho.
Ele utiliza as propriedades mecânicas, físicas, químicas das coisas,
para fazê-las atuarem como forças sobre outras coisas.
Faz de uma coisa da natureza órgão de sua própria atividade,
um órgão que acrescenta a seus próprios órgãos corporais,
aumentando seu próprio corpo natural.
A terra, seu celeiro primitivo, é também seu arsenal primitivo
de meios de trabalho. (203)
Nas cavernas mais antigas habitadas pelos homens,
encontramos instrumentos e armas de pedra.
No começo da história humana, desempenham a principal função
de meios de trabalho os animais domesticados, amansados e modificados
pelo trabalho, ao lado de pedras, madeira, ossos e conchas trabalhadas.
O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz,
mas como, com que meios de trabalho se faz.
Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento
da força humana de trabalho e indicam as condições sociais
em que se realiza o trabalho. (204)
No processo de trabalho, a atividade do homem opera uma transformação,
subordinada a um determinado fim, no objeto sobre que atua.
O processo extingue-se ao concluir-se o produto.
O produto é um valor-de-uso, um material da natureza adaptado
às necessidades humanas através da mudança de forma.
O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou.
Concretizou-se e a matéria está trabalhada.
Ele teceu e o produto é um tecido.
Todo o processo do ponto de vista do resultado, do produto:
meio e objeto de trabalho são meios de produção
e o trabalho é trabalho produtivo. (205)
Um valor-de-uso pode ser considerado matéria-prima, meio de trabalho
ou produto, dependendo de sua função no processo de trabalho.
O trabalho vivo tem de apoderar-se dessas coisas,
de arrancá-las de sua inércia, de transformá-las valores-de-uso possíveis
em valores-de-uso reais e efetivos. (207)
O trabalho gasta seus elementos materiais, seu objeto e seus meios,
é um processo de consumo.
Trata-se de consumo produtivo que se distingue do consumo individual:
este gasta os produtos como meios de vida do indivíduo,
enquanto aquele os consome como meios através dos quais
funciona a força de trabalho posta em ação pelo indivíduo.
O produto do consumo individual é o próprio consumidor
e o resultado do consumo produtivo um produto distinto do consumidor.
O processo de trabalho é atividade dirigida com o fim de criar valores-de-uso,
de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas;
é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza;
é condição natural eterna da vida humana,
sendo comum a todas as suas formas sociais. (208)
(O) capitalista põe-se a consumir a mercadoria, a força de trabalho que adquiriu,
fazendo o detentor dela, o trabalhador,
consumir os meios de produção com o seu trabalho.
Não muda a natureza geral do processo de trabalho
executá-lo o trabalhador para o capitalista e não para si mesmo.
Como processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista,
o trabalhador trabalha sob controle do capitalista, a quem pertence o seu trabalho.
O produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador.
O capitalista paga o valor da força de trabalho. (209)
Ao penetrar o trabalhador na oficina do capitalista, pertence a este
o valor-de-uso de sua força de trabalho, sua utilização, o trabalho.
O capitalista compra a força de trabalho e incorpora o trabalho,
fermento vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto,
os quais também lhe pertencem.
2.
O produto de propriedade do capitalista é um valor-de-uso,
fios, calçados, etc. Mas não fabrica sapatos por paixão aos sapatos.
Na produção de mercadorias, não é movido por puro amor
aos valores-de-uso. (210/211)
Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem
substrato material, detentores de valor-de-troca.
Quer produzir um valor-de-uso, que tenha um valor-de-troca,
um artigo destinado à venda, uma mercadoria.
Quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado
que o valor conjunto das mercadorias necessárias para produzi-la,
a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho,
pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado.
Além de um valor-de-uso quer produzir mercadoria,
além de valor-de-uso, valor, e não só valor,
mas também valor excedente (mais valia). (211)
O valor não depende do valor-de-uso que o representa,
mas tem de estar incorporado num valor-de-uso qualquer. (213)
O trabalho pretérito que se materializa na força de trabalho
e o trabalho vivo que ela pode realizar,
os custos diários de sua produção e o trabalho que ela despende
são duas grandezas diversas.
A primeira determina seu valor de troca, a segunda seu valor-de-uso.
O capitalista tinha em vista essa diferença de valor
quando comprou a força de trabalho.
Decisivo foi o valor-de-uso específico da força de trabalho,
o qual consiste em ser ela fonte de valor e de mais valor que o que tem.
Este o serviço específico que o capitalista dela espera.
Ele procede de acordo com as leis eternas da troca de mercadorias.
O vendedor da força de trabalho, como o de qualquer outra mercadoria,
realiza seu valor-de-troca e aliena seu valor-de-uso.
Não pode receber um, sem transferir o outro. (218)
Ao converter dinheiro em mercadorias que servem de elementos materiais
de novo produto ou de fatores do processo de trabalho e
ao incorporar força de trabalho viva à materialidade morta desses elementos,
transforma valor, trabalho pretérito, materializado, morto, em capital,
em valor que se amplia, um monstro animado que começa a “trabalhar”,
como se tivesse o diabo no corpo. (219/220)
O processo de produzir valor dura até o ponto
em que o valor da força de trabalho pago pelo capital
é substituído por um equivalente.
Ultrapassando esse ponto, o processo de produzir valor
torna-se processo de produzir mais valia (valor excedente). (220)
A mais valia se origina de um excedente quantitativo de trabalho,
da duração prolongada do mesmo processo de trabalho.
Quando unidade do processo de trabalho e do processo de produzir valor,
é processo de produção de mercadorias; quando unidade do processo de trabalho e do processo de produzir mais valia, é processo capitalista de produção,
forma capitalista da produção de mercadorias. (222)
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(*) José Carlos Peliano é economista, poeta e escritor.
Nota: Entre parênteses estão a numeração das páginas do livro O Capital.