Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –
Voluntários da Pátria, acaba de chegar uma notícia de Lisboa dando conta de que a situação está madura para a grande vingança contra os colonizadores do Brasil!
A meta é a conquista da Lusitânia. Primeiro, a gente invade Lisboa, Sintra, Coimbra, o Porto, Braga e tal, depois avança até Berlim, Roma, Paris, Madri e Santiago de Compostela – a brazucada toda exibindo o passaporte da União Europeia. Não pode esquecer a carteirinha das vacinas, pô!
A senha para o início da Ocupação Portuga (“Ó, Pá!” pros íntimos), que vinha sendo programada desde a Semana de Arte Moderna de 1922, foi dada pelo Diário de Notícias de Lisboa nesta quarta-feira, 10 de novembro. Conta o jornal que a nossa língua está se espalhando rapidamente pelo país e que lá tem crianças que só falam brasileiro. Elas dizem grama em vez de relva; ônibus no lugar de autocarro; bala por rebuçado; listras e não riscas; e trocam a frase “o leite está no frigorífico” por esta: “o leite está na geladeira”.
Não é sensacional? A conquista de um território estrangeiro é bem mais fácil quando os nativos ficam fluentes na língua dos conquistadores, o que parece já ser o caso. Exatamente por essa razão as elites portuguesas estão apavoradas, segundo o Diário de Notícias. Dizem que os miúdos, quer dizer, os pirralhos, estão “viciados” em brasileiro, fenômeno que as tais elites tratam como doença. Buscando a cura, estão submetendo as supostas vítimas à terapia da fala. Acho que os terapeutas dessa área são chamados de lusofonoaudiólogos, só pode!
Ana Marques, mãe de Laura, três anos, uma das meninas abrasileiradas, está furiosa. Contou ao Diário que a filha não vê “um polícia” na rua, mas sim “um policial”. Que é daquelas que barganham relva por grama. Quando, porém, a Laura pediu uma bala no supermercado, em vez de rebuçado, "isso foi um sinal de alarme". No mesmo dia, Ana Marques percebeu que "não podia deixá-la sozinha com o tablet, porque apesar de ser muito autónoma, só tinha quatro anos".
Outro garoto corrompido pelos brasileiros, o António, da mesma idade de Laura, começou a dar sinais de alerta faz tempo. “Ao princípio – diz a repórter – , a família até achava alguma piada à forma como ele falava, às expressões brasileiras. Mas à medida que o tempo foi passando, a educadora de infância começou a preocupar-se e foi dando sinais, porque o menino não conseguia dizer os r"s nem os l"s”.
Abro um parêntese: Gente de Deus! Ó aqui o mesmíssimo argumento do cronista lusitano do século XVI, Pero de Magalhães Gândavo. Fazendo pouco dos índios, que ele encontrou numa viagem ao Brasil em 1570, o pândego disse que na língua deles "não se acham F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei". Imagino agora que o António estava trocando a pronúncia “R’cif’” por “Récifi”, articulação mais indígena e africana, cheia de vogais…
Fecho o parêntese e continuo com a reportagem do Diário de Notícias, agora transcrevendo o depoimento da mãe do António, Alexandra Patriarca (eta, nome suspeito, sô!): "Todo o discurso dele é como se fosse brasileiro. Chegámos ao ponto de nos perguntarem se algum de nós era brasileiro, eu ou o pai". Informa o jornal que o miúdo, digo, o guri, está frequentando sessões de terapia da fala. E a mãe acrescenta que “neste momento estamos num processo de tratamento como se fosse um vício. Explicámos-lhe tudo, que ele não podia ver porque isto só o prejudica. E já notamos que está muito melhor. O que tentamos fazer agora é brincar mais com ele, bloqueámos alguns conteúdos, deixámos apenas a Netflix e tudo o que é em português de Portugal".
Como era de esperar, a classe média portuguesa antibrazuca (quem sabe com a esfarrapada desculpa e clamorosa calúnia de que seríamos bolsonaristas, ora pipocas!) já está tratando de apontar os inimigos mais óbvios, isto é, os principais fornecedores de conteúdo brasileiro nas redes acessadas por lá. O primeiro deles, ídolo do pequeno António do parágrafo anterior, é o youtuber Luccas Neto, cujo canal tem por 36,1 milhões de seguidores, miúdos e miúdas de cá e de lá, número 3,4 vezes maior que a população da Terrinha.
Sendo assim, sugiro que a gente nomeie o Luccas Neto como almirante-chefe-mirim da Ocupação Portuga. Ele cuida dos infantes e adolescentes, e o irmão dele, o Felipe Neto – com 43,2 milhões de seguidores no YouTube – toma conta dos internautas com mais de 30 anos. Que que vocês acham? Já posso consultar as feras para a missão do revanchismo?
Oportunamente a gente vai divulgar detalhes da Ocupação Portuga, tipo assim:
1) Substituir no Brasil as gramáticas prescritivas copiadas das gramáticas lusitanas por gramáticas pedagógicas do português praticado no Brasil;
2) Bombardear Portugal com chuvas de vogais, por pura pândega e arrelia: “Disse o Ioiô pra Iaiá, vamos jogar ioiô com o vovô do tuiuiú piauiense?”;
3) Esclarecer aos povos daqui e de lá que a mãe da língua portuguesa é a língua galega e não a língua latina, a sua avó;
4) Informar que o brasileiro já passou do português, como dizia o Noel Rosa, e se tornou outra língua, irmã da lusitana;
5) Inventariar, por galhofa erudita, os espanholismos contrabandeados para o português pelo Camões e pelo Zé Saramago. Para essa empreitada, a gente pede ajuda ao linguista português Fernando Venâncio (Assim nasceu uma língua – Assi naceu ũa lingua – Sobre as origens do português, Guerra & Paz, Lisboa, 2019)
6) Definir uma política para o progresso da língua brasileira no Mundo, eficiente arma do chamado soft power (“poder suave” ou “poder brando” é o caralho!);
7) Decretar a independência linguística do Brasil do colonialismo lusófono, a começar pelo singelo fato de que somos 213,8 milhões e os portugueses morando em Portugal e no Exterior são uns 15 milhões, ó Pá!
8) Denunciar como baboseira elitista da pior espécie a frase “Minha pátria é a língua portuguesa”, escrita por Bernardo Soares, heterônimo do Fernando Pessoa, no seguinte trecho do Volume I do Livro do Desassossego:
“Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.”
“Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.”
Vixe!
9) Etc.