Os mundos paralelos da fé e da razão

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) -

Depois do meu post sobre a morte do Ivo Barroso no Zap, na última quarta-feira, 6 de outubro, um amigo meu, o Jürgen, comentou: “Pois é, amigo. E para onde vai todo esse panteão de seres humanos especiais? Para os vermes?” Respondi: “Para os vermes ou para o forno crematório. Eu prefiro o forno. Será um jeito de ir pro paraíso, Valparaíso!” (Para quem não sabe, Valparaíso é a única cidade da região de Brasília com instalações adequadas para cremação).

Na sequência, o Jürgen disse que já tinha estado lá, no funeral de um amigo jornalista, e perguntou: “E, então, chances além nem sob a Teoria das Cordas (Stephen Hawking), em algum lugar de alguma dimensão paralela? Morreu, fodeu?” Revidei, talvez de maneira brutal, que morrer é ter os seus átomos desagregados, que céu, só se for o da boca da onça, como diz a minha mãe, e que a Teoria das Cordas é apenas um chute matemático sem possibilidade de teste direto, agora talvez enterrada pela falta de comprovação da codependente Supersimetria (Susy, para os íntimos) nos ensaios do Grande Colisor de Hádrons perto de Genebra.

Dito isso, me caiu a ficha: meu amigo tinha acabado de expressar a angústia de quem foi educado na fé cristã junto com uma instrução racionalista, e que tenta, em vão, conciliar a fé revelada com a razão, o antigo projeto dos pensadores cristãos medievais proposto desde que passaram a ler o Aristóteles, resgatado pelos árabes. Sem confiança para ancorar a fé apenas nos imaginosos textos das Escrituras, hoje o Jürgen recorre e se encalacra nas hipóteses quânticas de certos físicos irrealistas. Ele troca um problema muito grande por outro ainda maior: sem a garantia da salvação neste mundo, trata de buscá-la em outro, paralelo!

Depois de respirar fundo, tentei esboçar argumentos em torno da questão, me valendo das lições do meu filósofo do peito Bento de Spinoza, para quem “uma teologia racional é inútil para a fé e perigosa para a filosofia”. Percebi porém que o papo estava sendo desagradável para o amigo, e que dali em diante só iria agravar o desconforto dele. Decidi então encerrar a conversa, com um pitaco, confesso, eivado de malícia: “Ô, Jürgen, para você manter a paz de espírito (eudaimonia), talvez a solução seja a mesma que o Paulo Freire e o Dom Pedro Casaldáliga parecem ter adotado: a de preservar a fé e a razão separadas como se fossem duas retas paralelas. Com essa atitude, mano, você ganha uma nova esperança, a de que essas duas linhas vão afinal se encontrar no infinito!”

Cabra educadíssimo, o Jürgen avançou protestos. Disse que não estava na Idade Média, mas “pra lá da Astrofísica”, e que a leitura que eu fazia das ideias dele era “meio carimbada”. Imagino o palavrão que ele pensou sem externar sobre mim. Como foi em alemão, e eu não entendi, não importa. Vida que segue!

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