Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –
Completo 65 anos nesta segunda-feira, 24 de maio, e já vinha celebrando a data há uma semana.
A autocelebração é um troço muito fácil para nós, os geminianos. No meu caso, o Antônio cumprimenta o Carlos, e o Carlos re-vida, com trocadilho e tudo. O Queiroz assiste a cena morrendo de rir…
A gente contém multidões, diz o grande geminiano Walt Whitman, nascido a 31 de maio de 1819.
Não, não, diletos leitores e queridas leitoras, eu estou de gozação. Não acredito necas de pitibiriba nesse negócio de horóscopo, quiromancia, psicanálise (ouvem-se protestos na plateia, insuflados por taurinos nervosos como o Freud!), búzios, milagres de Nossa Senhora d’Abadia do Muquém, tratamento precoce de hidroxicloroquina… Nada disso, zero!
Sigo a tradição epicurista de 23 séculos que exilou os deuses no intermúndio para que não se imiscuíssem nos assuntos humanos. Acho absurda a ideia de que os astros – aglomerados de rochas e gelo ou bolas de gás – possam influenciar a trajetória dos seres humanos na Terra (tirante os efeitos das marés!), a depender do dia e da hora em que nascem.
Tradição – Em compensação, não acredito no livre arbítrio absoluto, no ideal da liberdade sem porteira do Sartre, um canceriano fronteiriço, do dia 21 de junho. Sou mais o Marx, para quem a gente faz a própria história, não segundo a nossa livre vontade, não sob as circunstâncias de nossa escolha, mas, sim, subordinados às condições que nos foram legadas e transmitidas do passado. “A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”, disse o Carlão.
Não concordo com o verbo “oprimir” nessa frase do Marx, taurino como o Freud. A minha convivência cotidiana com os poetas, filósofos, compositores e cientistas que já morreram, inclusive o próprio Karl, não tem nada de opressivo, au contraire. E aqui entra a primeira parte da tese que preparei especialmente para esta crônica: as pessoas buscam sentidos para a vida e nesse processo acham justificativas do arco da velha e do alto dos céus.
Algumas dessas justificações são classificadas pelos psicólogos entre os vieses cognitivos, a exemplo do viés de confirmação, que consiste no impulso da gente selecionar, privilegiar e interpretar informações de maneira tendenciosa, unilateral, com o objetivo de confirmar as nossas crenças ou hipóteses iniciais.
Vou ilustrar: desde criancinha ouço que as pessoas nascidas em Gêmeos – entre 21 de maio e 20 de junho – têm o espírito jovem, são curiosas, comunicativas, sagazes, alegres, ambíguas e volúveis (adaptáveis), igualzinho o planeta que rege o signo, Mercúrio, nome latino do deus grego Hermes.
O signo de Gêmeos, representado pelas figuras dos irmãos Castor e Pólux, filhos de Leda com Píndaro e com Zeus, herdou do deus Hermes-Mercúrio, filho de Zeus e Maia, as suas características: a fertilidade, a magia, a adivinhação, a guarda dos rebanhos, das estradas e das viagens. Ele foi o patrono da ginástica, dos ladrões, dos diplomatas, dos comerciantes, da astronomia e da eloquência.
Era o mensageiro dos deuses, o mestre da linguagem, do discurso eloquente e persuasivo, das metáforas, da prudência, da circunspecção, das intrigas, das razões veladas, da fraude e do perjúrio, da sagacidade, da ambiguidade. E por isso (estou copiando tudo isso da Wikipédia, viu!) era o patrono dos oradores, dos arautos, dos comerciantes, dos embaixadores.
Mais: ele inventou o fogo, a lira, a flauta de pã, o alfabeto, os números, a astronomia, algumas formas de música, as artes marciais, o cultivo das oliveiras, as medidas, os pesos etc. O cara era muito mais dotado do que o Thomas Edison e o Nikola Tesla juntos!
Hermes-Mercúrio foi o deus do comércio e do intercâmbio social, dos acordos e contratos, e da riqueza obtida através dos negócios. Foi o deus da amizade, da hospitalidade e, oba!, do intercurso sexual (também conhecido como foda).
Servia a Zeus nos banquetes do Olimpo e conduzia a sua carruagem, sendo assim precursor do Uber. Também acompanhava as almas dos mortos até o Hades (o inferno grego), e entregava os sonhos que Zeus remetia aos mortais (na época não tinha Whatsapp).
Pra completar, Hermes-Mercúrio era também um deus da medicina, amigo de Higeia, filha do maior deus dessa arte, o Esculápio (Asklēpiós em grego). Era capaz de restaurar a virilidade (bem antes do Viagra), afastar pragas, ajudar no parto e curar com base na fitoterapia.
Viés – Volto à demonstração da minha tese, já na segunda parte: a pessoa não acredita em horóscopos, mas, depois de ler essa tremenda folha corrida do deus que rege o seu signo, dificilmente escapa de tantos e quantos encantos. O modelo é bom demais para ser desprezado. E aí, num momento de fraqueza, a vítima, que antes era cética, rende-se ao chamado viés de confirmação. Busca espelhar-se no modelo e acredita ter, ou poder desenvolver, as suas características. Convenhamos, é muito mais fácil valer-se do conforto de uma muleta ideológica do que persistir na acidentada trilha da Ciência, de incertos resultados.
No meu caso específico, a minha mãe, do signo de Virgem (7 de setembro), sempre foi alegre, jovial, curiosa, arguta, comunicativa e de lua. Muito provavelmente, puxei dela e não do signo dos Gêmeos algumas dessas características, como o Darwin, o Mendel e o Paulo Freire explicam!
Acontece que eu cresci num ambiente de pessoas crédulas na influência dos astros, no qual não adiantava muito discutir essa bobagem. Eu não faria o menor sucesso contra-argumentando, por exemplo, que o Karl Marx nunca foi especialmente dotado para os assuntos financeiros, como consta da tabela de virtudes de seu signo, Touro. Se eu mesmo não fosse tinhoso que nem um miúra, teria sido sequestrado por um designer de mapa astral ou por uma cigana quiromântica ou que romântica, tanto faz!
Em todo caso, para não deixar de falar com os amigos e amigas que acreditam nessas superstições, recorri aos meus próprios recursos de prestidigitação para criar um modelo com o qual demonstro por a + b que os astros e estrelas de fato e verdadeiramente influenciam a nossa vida, ou pelo menos a minha.
Peça central do modelo é a lista que apresento abaixo, composta de geminianos e geminianas incríveis, astros e estrelas que eu admiro de maneira positiva ou negativa e que, de alguma forma, influenciam, inspiram, estimulam a minha caminhada sobre o planeta.
O engraçado é que não são geminianas incontáveis outras celebridades que eu admiro em medida semelhante. Só para mencionar alguns e algumas, refiro-me ao Beethoven, ao Engels, ao Noel Rosa, à Clarice Lispector e à Emily Dickinson, de Sagitário; ao Tom Jobim e ao Darwin, de Aquário; ao Einstein, de Peixes; ao Machado de Assis, de Câncer; ao Marx, de Touro; ao Villa Lobos, de Escorpião, e por aí vai. (Tá, eu sei que há sobreposições de signos, também não sou tão ignorante assim, não, uai!)
Por óbvio, mesmo correndo o risco de foder com o meu modelo, aqui está a prova de que qualquer pessoa, de qualquer signo, pode compor a própria lista e puxar a brasa para a sua sardinha ou, conforme o caso, para a sua picanha wagyu de R$ 1.800,00 o quilo!
No topo da minha lista estão duas pessoas que nasceram no mesmo dia que eu: o Bob Dylan e a Rainha Vitória do Reino Unido. É mole? Com um pedido de desculpas pela inveja que o meu catálogo possa causar, as demais figuras geminianas são as seguintes:
Escritores e escritoras
O maior poeta italiano, Dante Alighieri;
O maior poeta americano, Walt Whitman;
O maior poeta russo, Alexander Pushkin;
O maior poeta português moderno, Fernando Pessoa;
O maior poeta espanhol moderno, Federico García Lorca;
O fundador da literatura estadunidense, Ralph Waldo Emerson;
O poeta beat americano Allan Ginsberg;
O escritor alemão meio brasileiro Thomas Mann;
O poeta irlandês William Buttler Yeats;
O escritor britânico Ian Fleming, criador do 007;
A poeta brasileira Ana Cristina César;
O poeta árcade brasileiro Cláudio Manuel da Costa;
A poeta argentina Alfonsina Storni;
Musicistas
Chico Buarque, Maria Bethânia e João Gilberto;
O beatle Paul McCartney;
Martha Argerich, a maior pianista argentina,
Lang Lang, o pianista chinês mais famoso;
Os compositores alemães Richard Wagner e Robert Schumann;
O compositor russo Igor Stravinsky;
O compositor americano Cole Porter;
O trompetista e compositor americano Miles Davis;
O pianista e compositor americano Chick Corea;
O cantor e compositor americano Kanye West;
Ivete Sangalo e Frejat;
Atores e atrizes
As brasileiras Camila Pitanga, Sônia Braga, Débora Nascimento, Flávia Alessandra, Maria Fernandes Cândido e Débora Bloch;
Os brasileiros Marco Nanini e Othon Bastos;
As americanas Marilyn Monroe, Isabella Rossellini, Judy Garland, Angelina Jolie e Natalie Portman;
A australiana Nicole Kidman;
O ator italiano Alberto Soldi;
Os americanos Errol Flynn, Clint Eastwood, Gene Wilder, Morgan Freeman, Johnny Depp, Christopher Evans e Mark Wahlberg;
Os britânicos Ian McKellen e Christopher Lee;
Artistas
O pintor francês pós-impressionista Paul Gauguin;
A chargista Laerte Coutinho;
O diretor Joaquim Pedro de Andrade (Macunaíma);
A modelo britânica Naomi Campbell;
Políticos
Che Guevara;
Louise Michel, professora, escritora, poeta, enfermeira, uma das principais líderes da Comuna de Paris (1871);
Os ex-presidentes norte-americanos John Fitzgerald Kennedy e Donald Trump
O presidente chinês Xi Jinping;
O engenheiro Bernardo Sayão, um dos construtores de Brasília.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso;
O revolucionário comunista brasileiro João Batista Franco Drummond;
O senador Teotônio Vilela, o menestrel das Alagoas;
O ex-governador gaúcho Olívio Dutra;
Atletas
O tenista espanhol Rafael Nadal;
O tenista sueco Björn Borg;
Bellini, zagueiro da seleção brasileira de 1958;
O corredor Rubens Barrichello (Desconheço a alegação de que esse cara nasceu de 10 meses, e já avisei que esta é uma lista positiva e negativa!)
Para completar esta crônica, fruto evidente da minha habilidade retórica supostamente geminiana e, sempre sem querer humilhar ninguém, gostaria de lembrar dois monumentos da literatura mundial que vieram à luz sob os influxos do signo de Gêmeos.
O primeiro é o seminal Ulysses, de James Joyce, aquariano ele próprio, publicado em 1922. A obra narra a jornada de Leopold Bloom durante o dia 16 de junho de 1904 em Dublin, na Irlanda. Trata-se de uma homenagem de Joyce à data do seu primeiro encontro com a musa Nora Barnacle, sua futura esposa. O romance é comemorado em todo o mundo nesse dia, apelidado de Bloomsday.
O segundo é o Grande Sertão: Veredas, do nosso Guimarães Rosa, ele próprio um canceriano.
Vejam esta cronologia: no dia 4 de janeiro de 1956, o jornalista José Condé contou em sua coluna Escritores e Livros do jornal carioca Correio da Manhã que Rosa tinha acabado de entregar ao editor José Olympio os originais do Grande Sertão, concluído em dezembro de 1955. No entanto, no dia 9 de fevereiro, Rosa conta, numa carta dirigida ao colega de Itamaraty Antônio Azeredo da Silveira, que havia entregue esses originais na primeira semana de fevereiro. Informa que já estava com o livro composto pois o editor José Olympio “tocou-o com ‘batedores’, mandou que passassem por cima de tudo, prioridade absoluta, um recorde de velocidade, veja Você – um recorde de velocidade.” No dia 9 de maio apenas diz a Azeredo que “O ‘Grande Sertão’ sairá breve”. Em 19 de maio, pede desculpas ao colega pela concisão da última carta dizendo que estava “no meio de coisas tolas, numa folga de agitação literária – últimas trabalheiras com o ‘Grande Sertão’ –...”
Deduzo dessas informações que o Rosa esteve envolvido na revisão das provas do livro até a segunda semana de maio, pelo menos. A última fase da impressão deve ter começado aí, devendo ter se estendido até o final de maio e, quem sabe, invadido o mês de junho para a conclusão da encadernação do catatau de 600 páginas.
O colofão da primeira edição informa o seguinte: “Êste livro foi confeccionado nas oficinas gráficas da Saraiva S. A., à Rua Sampson, 265, São Paulo, em maio de 1956 – ano XXV da fundação da Livraria José Olympio Editôra, Rio de Janeiro.”
O que eu afirmo com essas evidências é que o Grande Sertão: Veredas nasceu em São Paulo, sob o signo de Gêmeos, exatamente quando eu mesmo estava sendo parido no Hospital Nossa Senhora Aparecida em Anápolis, Goiás, no ano da graça de 1956. O batismo do livro, quer dizer, o seu lançamento, se deu no dia 17 de julho no Rio de Janeiro.
Pra terminar, proponho que vocês liguem aqui no YouTube a canção Sentimental do Chico Buarque, uma homenagem aos geminianos e geminianas, capazes de dar a volta por cima como quaisquer outros brasileiros e brasileiras, coitadxs!
Gemini, gemini, geminiano
Este ano vai ser o seu ano
Ou se não, o destino não quis
Ah, eu hei de ser
Terei de ser
Serei feliz
Serei feliz, feliz
Façam muitas manhãs
Que se o mundo acabar
Eu ainda não fui feliz…