Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –
Quando eu nasci, em maio de 1956, é provável que o rádio estivesse tocando Conceição, de Dunga e Jair Amorim, no vozeirão de Cauby Peixoto. O samba-canção estava no topo das paradas naquele ano.
No ranking das dez mais, em ordem decrescente, seguiam Maracangalha (Dorival Caymmi); A voz do morro (Jorge Goulart); Rock around the clock (Bill Haley & His Comets); Obsessão (Carmen Costa); Meu vício é você/Boneca de trapo (Nelson Gonçalves); Sixteen tons (Tenessee Ernie Ford); Iracema (Demônios da Garoa); Exaltação à Mangueira (Jamelão); e Mulata assanhada (Ataufo Alves).
Eu cresci ouvindo um rádio Philco argentino, de válvula, que também servia de relógio da casa. Do repertório dileto em Goiás, muita música caipira, incluindo as duplas Tonico e Tinoco, Alvarenga e Ranchinho, Vieira e Vieirinha, Pena Branca e Xavantinho, Tião Carreiro e Pardinho. De vez em quando eu me pego cantando o Baile do Baixadão, do Zé do Rancho e a Mariazinha, onde “A veiarada só pedia xote / Mas em vez de passo só dava pinote”. Do repertório nacional, ouvi os sambas, tangos e boleros da Era do Rádio, e quase toda a trilha sonora da transição para a MPB – a Bossa Nova, a Tropicália, a Música Nordestina, o Rock Nacional etc.
Volta ao mundo - Hoje, quando vejo o pessoal reclamar dos filhos que não saem da Internet, dou risada porque eu mesmo ficava pendurado seis, sete horas no rádio noite adentro, surfando nas ondas curtas as principais rádios internacionais. Queridos leitores e queridas leitoras, eu ouvi pelo rádio a luta do século, Muhammad Ali versus George Foreman, no final de outubro de 1974. Escutava as notícias ferventes da Guerra Fria ao longo do dial, pulando da Voz da América para a BBC de Londres, Rádio Central de Moscou, Rádio Europa Livre, Rádio Pequim, Rádio Tirana (Albânia), Rádio Havana Cuba etc. E ouvia jazz e música erudita pela Rádio MEC e nas emissoras da Rádio Nacional da Suíça, Rádio Nederland, Sveriges Radio (Suécia) Radio France, entre outras. Lá pelos 17 anos, junto com um amigo, o Tauny Mendes, cheguei a fazer um programa de música clássica na Rádio Santana de Anápolis, incluindo no repertório o Marteau sans maître do Pierre Boulez.
Todas essas memórias foram deflagradas na manhã deste domingo, 27 de setembro, depois de receber no Zap o link (clique aqui) de uma página que traz as 100 músicas mais tocadas no rádio por ano. Logo após conferir o que ouvia no meu ano natal, 1956, saltei uma década. E vi que em 1966 as dez mais das paradas eram as seguintes: Quero que vá tudo pro inferno (Roberto Carlos); Yesterday (Beatles); A banda (Nara Leão); Capri c’est fini (Hervé Vilard); Esqueça (Roberto Carlos); Io che non vivo senza te (Pino Donaggio); Michelle (Beatles); Meu bem (Ronnie Von); Disparada (Jair Rodrigues); e A volta (Os Vips).
Pavão mysteriozo – Me roendo de curiosidade, pulei mais dez anos para verificar a lista de 1976: Juventude transviada (Luiz Melodia); Meu mundo e nada mais (Guilherme Arantes); If you leave me now (Chicago); À flor da terra/ O que será? (Chico Buarque); Meu caro amigo (Chico Buarque); Don’t go breaking my heart (Elton John & Kiki Dee); Fly, Robin, fly (Silver Convention); Nuvem passageira (Hermes Aquino); Sobradinho (Sá e Guarabyra); e Pavão mysteriozo (Ednardo).
Olhando mais devagar, vi que estão no topo da lista das 100 mais ouvidas em 76 As rosas não falam (Beth Carvalho); Gracias a la vida (Tarancón); Olhos nos olhos (Maria Bethânia); Apesar de você (Chico Buarque); Como nossos pais e O rancho da goiabada (Elis Regina)…
Não vou aqui fazer um julgamento sobre a qualidade da música que os brasileiros ouviam na Era do Rádio e nas décadas de 60, 70 e 80, porque não quero cair na obviedade nem repetir o que faz de vez em quando o Ruy Castro. Quem cresceu ouvindo o Orlando Silva, o Nelson Gonçalves, o Jamelão, o João Gilberto, o Chico Buarque, a Dolores Duran, a Elizeth Cardoso, a Ângela Maria, a Elis Regina e a Gal Costa acaba definindo um certo padrão, né?
Ainda assim, me pergunto: que música estaria tocando no rádio (ou no Spotify) no momento do nascimento de uma criança no ano passado? Uma dessas aqui, provavelmente: Domingo de manhã (Marcos & Belutti); Humilde residência (Michel Teló); Vidro fumê (Bruno e Marrone); Acordando o prédio (Luan Santana); Seu polícia (Zé Neto e Cristiano); I want know what love is live (Mariah Carey); Escreve aí (Luan Santana); Apelido carinhoso (Gusttavo Lima); Cem mil (Gusttavo Lima); e Pra você (Paula Fernandes).
Coitada da Conceição, que desceu do morro para subir na vida e se perdeu! Mas chega de saudade, antes que eu fique sentimental demais!