Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –
O suicídio de Flávio Migliaccio foi um protesto político contra o governo Bolsonaro e contra os gestores pentelhocostais da Secretária da Cultura dirigida por Regina Duarte. É o que eu afirmo e demonstro!
Basta ver a carta de desespero que ele deixou, dizendo que “a velhice neste país é o caos como tudo aqui”, que “a humanidade não deu certo”, e que teve “a impressão (de) que foram 85 anos (os seus) jogados fora num país como este. E com esse tipo de gente que acabei encontrando”.
Que tipo de gente? O vídeo que ele mandou pouco antes de morrer ao amigo Tunico da Vila, sambista da União da Vila Isabel, esclarece um pouco mais o teor da carta. Nele, Flávio lança um apelo em favor da liberdade dos artistas. “Quero, quero, mais liberdade para o artista”, diz o Flávio, repetindo o verbo “querer” duas vezes.
Ele diz que “o artista consegue criar só com liberdade”. Diz que foi assim que “apareceu o Molière, o Drummond, o Darwin” e também “os que acreditam em Deus”.
Por que justapor Darwin e “os que acreditam em Deus”? Na verdade, não foi justaposição, foi contraposição. Me parece óbvio que o Flávio quis se referir às pessoas que estão convencidas da Teoria da Evolução, de um lado, e, do outro, aos idiotas criacionistas, neopentelhocostais e companhia que infestam esse governo de terraplanistas, religiosos ditos pró-vida, e pessoas que enxergam Jesus no galho da goiabeira. Crentes babacas, reacionários, que, se pudessem, imporiam ao País um governo teocrático. Para criar, repete Flávio, “o artista precisa de liberdade”. E censura, evidentemente, é o que anda sobrando nos últimos meses na área da Educação e da Cultura.
Adiante no vídeo Flávio faz referência aos artistas perseguidos pelo governo Bolsonaro, sem dar o nome aos bois (mas precisa?), por, supostamente, terem desviado recursos através da Lei Rouanet. Ora, diz o Flávio, “se querem condenar algum artista que meteu a mão na Lei Rouanet, que prendam esses caras, mas não são todos os artistas assim. Tem artista sofrendo, tentando fazer um espetáculo. Quero, quero liberdade para o artista”.
Disse mais o Flávio: “A gente não é a favor de nenhuma ditadura de esquerda, mas não quer a ditadura de direita. Querem tomar o poder? Tomem o poder, mas deixem o artista em paz e criar um pouco", disse no vídeo que encaminhou ao amigo Tunico da Vila.
Quando ele menciona o Tunico, a gente se dá conta do porquê Flávio ter repetido o “quero, quero” ao longo de sua fala. É que o Tunico lançou no ano passado a releitura do Quero, Quero, um antigo samba de Martinho da Vila, que diz:
Quero, quero
Quero, quero, quero
Quero cantar
Quero curtir e construir
Quero criar
Participar e discutir
Pra me desabafar
Sou errado, sou perfeito
Imperfeito, sou humano
Sou um cidadão direito
Meu direito é soberano
Grande Flávio Migliaccio, cidadão direito, soberano e corajoso, que sai da vida aos 85 anos com o dever cumprido, depois de tanto enriquecer a cultura brasileira!