Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –
O que não falta é assunto para as Crônicas & Agudas neste tempo da peste. O problema é fazer a triagem para não sair uma embolada.
Quando amanheci nesta quinta-feira, 19/3, meu zap estava lotado de mensagens, a maior parte comentando o panelaço contra o Coiso na quarta à noite. Com desdém, um amigo disse que não havia se animado a gastar as panelas. Respondi que eu também não: ocupei duas janelas com um panelaço digital ligado em caixas de som. Tinha até buzina! A terceira janela ocupei batendo um sino e gritando impropérios contra “aquele lá” com a minha voz troante de tenor dramático de banheiro!
A minha amiga Jô Medleg havia me encaminhado duas mensagens preciosas. Uma, com o áudio da Marisa Monte cantando Hoje eu não saio não, um must que imediatamente adotei como hino oficial da quarentena no lugar do Explode Coração do Gonzaguinha:
Hoje eu não saio não
Não quero ver a multidão
Lá no boteco, não
Telecoteco
No trio elétrico, não
Teatro, não
Não vou no esquema não
Nem no cinema, não
Em Ipanema, não
No circo não
A segunda mensagem da Jô foi um vídeo sensacional do comediante belga Thomas Gunzig, que de cara eu classifiquei como spinozista. Basicamente, ele diz que nós, os seres humanos, nos julgamos os senhores do planeta, como se o mundo fosse um troço construído para nós, que está à nossa disposição para fazermos dele o que quisermos. De fato, somos hiper-fortes, diz o Gunzig. Nos últimos séculos, dominamos as baleias, os elefantes, os gorilas, os lobos, construímos pirâmides, fundamos religiões, sistemas econômicos, impérios e coisa e tal. Porém…
Bastardinho - Porém, diz o Gunzig, “devemos reconhecer, messieurs dames, sua excelência o Covid-19, “uma coisinha sem cérebro, provavelmente analfabeta, incapaz de ver a diferença entre uma cerveja Stella Artois e uma Duvel, um troço que nem é vivo de verdade, pequeno pacote de ácidos nucleicos com uma pitada de proteínas. O Covid-19, que incrível poder tem esse bastardinho de apenas 50 nanômetros, que em poucas semanas nos fez compreender que não somos senhores de porra nenhuma, que estamos iludidos, que somos apenas uns saquinhos de carne muito vulneráveis com alguns neurônios por cima”.
“Um negocinho (ainda o Covid-19) – prossegue o Gunzig – sem mãos nem pés nem nariz nem qualquer relação nos altos escalões e que, no entanto, conseguiu baixar a poluição, desestabilizar a nossa economia, acelerar a formação de um governo federal na Bélgica”. A piada aqui é que, a despeito do lema “A união faz a força”, a Bélgica é um país de parlamentarismo federal conflagrado pela divisão entre os nacionais flamengos da região do Flandres e os francófonos da Valônia.
Rico ou pobre - Diz mais o Gunzig: “O Covid-19, uma pequena porcaria cegamente democrata, capaz de se instalar com o mesmo prazer no organismo de um rico ou de um pobre, de esquerda ou de direita”. E o que fazer com esse bichinho? “De nada serve a evasão fiscal para escapar dele, nem um cartão Platinum, nem um chalé em Megève (resort de esqui perto do Mont Blanc, nos Alpes Franceses, NR), nem um pelotão da polícia. O Covid-19, ele não está nem aí para as fronteiras, é como se não existissem pra ele. Ele é indiferente à legislação, aos vistos, à alfândega… Ele nem sente se você atira nele. O Covid-19 não tem outra ideologia que não a da sua própria reprodução – isso é um ponto em comum que eu tenho com ele”.
E por aí foi o Gunzig, descrevendo a precária situação em que nos encontramos em meio à pandemia. Uns, como nós, isolados em quarentena no bem-bom, contando piadas, ouvindo música, lendo e escrevendo poesia e crônicas para o Jornal do Romário, bebendo Stella Artois ou Duvel. E outros, como os 60 mil sem teto da Califórnia (não sei o número dos brasileiros que vivem na rua), expostos sem contemplação à contaminação nas próximas semanas, como reconheceu o governador Gavin Newsom.
Em tom de blague, um amigo meu disse que a vida (online) está por um fio. Eu ri da sacada mas fi-lo notar que a vida não está nem aí pra gente. Se a Humanidade se estrepar completamente, a vida vai continuar, como continuou depois da extinção dos trilobitas (na foto, abaixo), aqueles bichinhos parecidos com baratas ou cigarras que dominaram a zona bentônica dos oceanos durante o Paleozoico. E depois dos dinossauros. E depois do Bolsonauro? Putz!
Conversa vai, conversa vem, começou a me sair aqui uma embolada. Tragam o pandeiro aí!
O Brasil tá no sufoco com esse louco no Planalto
Se você acha que é pouco espere o vírus cantar alto
De embolada eu não entendo, só entendo de jornal
Vou fazer esses versinhos inspirado no coronga
Cuja praga espalha o Bozo achando que é normal
Esse Bozo xexelento, trapaceiro e sem-vergonha
O Brasil tá no sufoco com esse louco no Planalto
Se você acha que é pouco espere o vírus cantar alto
[Espaço para vocês terminarem a embolada!]