Casa da mãe do Newton, onde ele ficou de quarentena e criou quatro teorias seminais
Quem um conto conta, conta outro

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

Nessa terça-feira, 17/3, recebi pelo zap uma piadinha do coronavírus que logo tratei de repassar aos amigos, amigas e inimigos disfarçados: “Até que não está tão chato ficar em casa. O que me espanta é que um pacote de arroz venha com 8.976 grãos e o outro com 9.044”.

É mesmo duro dar tratos à bola para passar dias e mais dias em quarentena. Ainda bem que os jornais não se cansam de publicar listas de livros para você ler durante o isolamento, e as redes de televisão mudam a programação com maratonas de filmes, documentários, especiais da pandemia etc.

É hora de reler o Proust perdido e tirar da última prateleira o Banco Imobiliário e a Batalha Naval, né!

Vai aqui uma confissão imoral: eu baixei no celular o jogo Plague, cujo objetivo é infectar o mundo inteiro com alguma das pestes do cardápio. A porra do jogo ficaria bem mais fácil se a atualização incluísse um Bolsonaro e um Guedes pra complicar as defesas do planeta.

Vai, corona! - Outra diversão favorita nesses dias de aflição é comparar a crise atual com outras desgraceiras históricas. No âmbito da economia, parece que este coronavírus está fazendo estragos semelhantes à depressão de 1929. Mas em termos de saúde ainda estamos longe da devastação da gripe espanhola de 1918, que matou o presidente reeleito Rodrigues Alves antes dele tomar posse. Estou dizendo aos impacientes: deixem o Covid-19 trabalhar! Talvez ele faça alguma justiça parecida nos próximos dias…

Depois dessas divagações, eu queria dizer que durante a quarentena nem tudo é passividade, havendo amplo espaço-tempo para o florescimento da criatividade.

A gente pode imaginar, por exemplo, como já imaginou uma gozadora do zap, um coronaboom daqui a nove meses, com o nascimento da chamada Geração Coronials.

Talvez apareçam também excelentes romances comparáveis à Peste do Albert Camus, e tremendos livros de poemas a parear com o Eu do Augusto dos Anjos. Tipo assim:

É uma trágica festa emocionante!
A bacteriologia inventariante
Toma conta do corpo que apodrece...
E até os membros da família engulham,
Vendo as larvas malignas que se embrulham
No cadáver malsão, fazendo um s.

Shakespirro - Vocês duvidam da criação em meio ao caos? Há precedentes históricos. O Shakespeare, por exemplo, concluiu três de suas melhores peças, Rei Lear, Macbeth e Antônio e Cleopatra, em 1606, a partir de julho, quando teve de ficar em quarentena com o teatro The Globe fechado por causa da peste bubônica que tomou conta de Londres.

Seu biógrafo James Shapiro diz não ter ideia do que o Bardo estava sentindo quando escrevia ao longo do quarto de século antes do ano referido. Em compensação, diz ele, “sabemos muito mais como a visita dos roedores em 1606 alterou os contornos da vida profissional de Shakespeare, transformou e revigorou a sua companhia de teatro, prejudicou a concorrência, mudou a composição do público para quem ele iria escrever (e ainda o tipo de peça que ele podia escrever) e permitiu que ele colaborasse com músicos e dramaturgos talentosos – um surto da peste que chegou perto de matá-lo”.

Binômio de Newton - Sessenta anos depois, um novo surto da peste (que matou um quarto da população de Londres entre 1665 e 1666) iria isolar em quarentena outro grande criador, o físico Isaac Newton, na casa de sua mãe, Woolsthorpe Manor, em Woolsthorpe-by-Colsterworth, cerca de 60 milhas a noroeste de Cambridge. Do esforço realizado durante a reclusão resultaram quatro de suas obras mais relevantes: a teoria do binômio, o cálculo, a lei da gravitação universal e a natureza das cores. Na época Newton era estudante do Trinity College em Cambridge e tinha apenas 23 anos.

A quarentena, como se vê, não precisa ser aborrecida de jeito nenhum! Jogos, livros, filmes e fuque-fuque devem preencher as mentes de todos nós nesses dias de distanciamento social, quando nada, para afastar o pânico. Não custa repetir: mente vazia, oficina do Diabo.

Uma informação que pode lhes servir em caso de emergência: aprendi no filme basco Errementari – O Ferreiro e o Diabo (tem na Netflix) um truque para distrair o Demo: basta jogar-lhe um punhado de grãos de bico – não sei se arroz funciona. Ele vai ficar paralisado um tempão, pois é portador do transtorno obsessivo compulsivo (TOC) de contar!

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