"A vida é de quem se atreve a viver".


Kirk Douglas, em entrevista: “Minha carreira foi, em certo sentido, a de interpretar filhos da puta”.
7º BIFF: Kirk Douglas – charme e ferocidade

João Lanari Bo –

Mesmo no auge de sua carreira cinematográfica, Kirk Douglas era daqueles tipos raros que se definia pela ferocidade na tela e, ao mesmo tempo, pela aparência e charme: muitos enxergam suas performances, ele que estourou na década de 1950, como uma antecipação do estilo que se firmaria na produção norte-americana mais ousada e independente das décadas seguintes, em atores como De Niro e Jack Nicholson.

Descendente de judeus da Bielorrússia que escaparam dos pogroms alucinados do final do século 19, Kirk falava ídiche em casa – seu pai, alcoólatra e trapeiro (coletor de quinquilharias), abandonou a família – e saiu da pobreza para se tornar ator e produtor na maior indústria de espetáculo do planeta, Hollywood. Antes, transitou em mais de 40 empregos, serviu na Marinha durante a guerra e conheceu Lauren Bacall na academia de artes dramáticas, em Nova York.

Foi Bacall – que confessou ter tido um crush por Kirk nessa época – quem recomendou o ator para o seu primeiro papel de destaque, ainda coadjuvante, em 1946, contracenando com Barbara Stanwyck. A ascensão foi rápida: em 49, papel principal em O Invencível, história de um garoto pobre e ambicioso que acidentalmente descobre que é boxeador "natural", sucesso de público e afirmação do ator de físico viril, mas com capacidade dramática.

O historiador de cinema James Naremore, um dos melhores, disse que o estilo de atuação de Douglas se encaixou bem na mão de um diretor como Vincent Minnelli, que gostava de personagens combinando melodrama e background neurótico. Em Assim estava escrito (1952) e Sede de viver (1956), duas obras-primas que serão exibidas no Brasília Internacional Film Festival (BIFF) 2020 – que segue online até o dia 26/4 pelo site www.biffestival.com –, Douglas excede, seja como produtor inescrupuloso, no primeiro, ou como artista genial e maldito (Van Gogh), no segundo.

Outro grande diretor, Billy Wilder, captou uma energia impressionante de Douglas, em A Montanha dos 7 Abutres (1951), também no BIFF. Seu personagem é um jornalista que transborda desejo e ausência de ética: um filme noir com crítica política, uma incursão na cultura midiática obrigatória em qualquer escola de jornalismo que se preze. Construindo o personagem, o ator estagiou em uma delegacia, e conta: “Estava um dia chuvoso e frio e alguém estava deitado no pátio. Perguntei: 'O que é isso?' Eles me disseram: 'Oh, isso é um cara morto. Estamos tentando descobrir quem ele é’. Não sei se eles descobriram. Talvez ele ainda esteja lá.”

Kirk Douglas não demorou para vislumbrar uma rota de colisão com o sistema de estúdios hollywoodiano, correndo por fora para criar alternativas e exercer controle sobre seus papéis. Em 1955, inspirado pelo amigo e parceiro Burt Lancaster – foram sete filmes juntos – fundou a produtora Bryna, que viria, junto com a subsidiária Joel, participar de 26 produções entre 1955 e 86. Bryna era o nome da sua mãe.

Foi com a Bryna que foram produzidos Glória Feita de Sangue (1957), e Spartacus (1960), duas potências cinematográficas dirigidas por ninguém menos do que Stanley Kubrick. Apenas a segunda, umas das produções mais caras do período, 12 milhões de dólares, está na mostra do BIFF: a revolta do escravo oriundo da Trácia no Império Romano gerou um formidável épico de 197 minutos, com casting fabuloso – além de Douglas, Lawrence Olivier, Charles Laughton e Peter Ustinov. Luta de classes com pano de fundo bíblico, em 70mm, a maior de todas as bitolas, com espaço para 6 pistas de som - isto, muito antes da tecnologia digital.

Spartacus teve como roteirista o talentoso Dalton Trumbo, integrante da lista negra de Hollywood dos tempos do Macarthismo. Outra produção roteirizada por Trumbo, produzida e estrelada por Douglas, Sua última façanha (1962), é seu filme favorito: dirigido por David Miller, narra a deriva de um ex-combatente da guerra da Coreia, automarginalizado como cowboy extemporâneo.

Kirk Douglas tinha faro de produtor: em 1962 comprou os direitos do livro One Flew Over the Cuckoo's Nest (Um Estranho no Ninho), do escritor e ativista da contracultura Ken Kesey. Atuou na adaptação teatral do texto, no ano seguinte, mas não conseguiu recursos para realizar o filme – acabou cedendo os direitos para seu filho Michael, que produziu o filme de Milos Forman, em 1975, com Jack Nicholson.

Filmes com Kirk Douglas que serão exibidos no 7º BIFF:
- A Montanha dos 7 Abutres, 1951
- Assim estava escrito, 1952
- Sede de viver, 1956
- Spartacus, 1960
- Sua última façanha, 1962

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Serviço:
7º. BIFF – Brasília Internacional Film Festival
Mostra homenageia o ator Kirk Douglas, falecido em fevereiro último com 103 anos.
Data: 21 a 26 de abril de 2020
www.biffestival.com

 

 

 

Legenda: “Minha carreira foi, em certo sentido, a de interpretar filhos da puta” - Kirk Douglas, em entrevista.

 

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