(poema de algum dia para todos os dias)
José Carlos Peliano (*) -
Sou muitos, você talvez vários,
eles centenas, nós todos centenas de milhares
a cada dia passos adiante
outros dias passando
leitos de rios com águas que nascem
sabe-se onde e quando
oceanos de impressões, vontades
escolhas e dúvidas ondeiam e se enchem
estamos em meio a tormentas ou calmarias
velas abertas ou recolhidas
levando ventos para outras águas
trazendo ventos para outras rotas
somos hoje os mesmos
às vezes assim, outras assado
mas a cada vez alguns mais
tanto menos, tanto mais
diferentes jeitos de ser
misturas próprias em velhas roupas
ou roupas novas nunca pensadas em vestir
sempre atravessados pensamentos
sentidos e decisões e cópias de nós mesmos
caleidoscópios ambulantes, atuantes, piscas-piscas, faróis
trombamos em nós muitas vezes
alguns dos que vivem em nós
acertamos os ponteiros outras vezes
entre todos de nós ou alguns
mesmo ao adormecer há ocasiões
com acertos, desacertos e acordos
ao acordar a turma que habita em nós
levanta, espreguiça e anda e lá vamos todos
para as horas seguintes em encontros seguintes
vem bem Chico Buarque, Ray Charles, Barry White,
Pixinguinha, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles,
Carlos Drummond, Manoel de Barros
e o meu amigo Thiago de Mello
que canta mesmo se faz escuro
mas não há consenso entre muitos dos que vivem em nós
há controvérsias, vem mal, ah! vem mal tantas coisas
gente, conversas e situações
que é melhor caminhar pela praia
entrar no carro e seguir
sair sozinho ou bem acompanhado
até onde o coração pedir
de repente, quem sabe, escutar alguém
um amigo, mas amigo mesmo
quando não temos respostas
para o que os muitos em nós querem
ou não temos perguntas
para acalmar outros de nós
ou passar perto do consultório de um analista
e não ir lá só para nos forçar
a ter forças para reagir
afinal somos uma turma grande
uns debatendo com outros, até xingando
mas ajudando para nos guardar
afinal nos manter em pé
por todas as intempéries, dias cinzentos
rolos, silêncios e pedras no caminho
fazer a vida valer a pena
com cuidado especial as penas
penas de pássaros não importa a família
que nos levem a voar baixo ou alto
longe ou perto, apenas voar
levar todos os que estão em nós
a desvendar os mistérios e segredos
que nos rodeiam os olhos, os sentidos
os sentimentos, o tempo, o dia seguinte
para vermos bandas passarem cantando coisas de amor
e nós tocando os instrumentos
que nos põem a rir, chorar e festejar
enquanto o coração ainda sabe bater
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(*) José Carlos Peliano, poeta, escritor, economista.