José Carlos Peliano (*) –
Entre 21 e 27 de setembro passou um documentário no Canal Arte 1, lá pelo meio da semana, sobre o artista plástico paulista Luiz Paulo Baravelli (pintor, desenhista, escultor, gravador, professor e cronista) mostrando seu ofício, comentários e obras em seu amplo, interessante e bem cuidado espaço de trabalho. Na ocasião, ele expôs e comentou em várias tomadas da câmera seu trajeto como artista, sua concepção de arte bem como algumas impressões de sua experiência e vivência cultural e profissional. Imperdível peça de informação, conhecimento, pesquisa e entretenimento.
Lá pelas tantas, ah, que me desculpem a licença poética, Baravelli ou “bar a vela” – onde se amadurece e se serve licores de cores majestosas por taças de telas oceânicas – percebeu que ao representar suas pinturas dentro de um espaço fechado por retas em retângulos ou quadrados é prender a fantasia, o sonho, a intuição, a revelação estética entre as quatro paredes da moldura.
Não quer que criação visual e artística fique presa na camisa de força da quadratura. Escapa dela pela apresentação de seus trabalhos sem fecho externo, encaixotamento modular, deixa a beleza do trabalho se expandir para onde quer que a imaginação o leve até a comunhão da obra em si com seu eixo central que lhe dá sustentação, expressão, impacto e vida.
Baravelli não é o primeiro a se manifestar dessa forma em muitos quadros e objetos seus, outros já o fizeram também. Mas foi dele que obtive a explicação da fuga dos limites artificiais, tradicionais e pressupostos. Pode até ser que os outros assim também pensassem e levassem suas telas e trabalhos a utilizarem o espaço circundante que pedia a criação artística. Se não pensaram, no entanto, suas intuições saíram na frente e os levaram a ultrapassar as fronteiras da arte pictórica por necessidade intrínseca do impulso criativo.
A saída encontrada por Baravelli para transformar em telas seus anseios criativos se assemelha ao trabalho do poeta que desvela palavra por palavra e as relações entre si para levar ao papel físico ou virtual o lirismo que lhe vem sabe-se lá de onde. Dois tipos diferentes de operários da beleza que procuram levar outros olhares dos mundos interno e/ou externo e fazê-los vivos e presentes nas formas manifestas de natureza, meio ambiente e vida.
A comparação entre o soneto e o poema livre deixa clara essas formas de expressão na criação poética. Enquanto o primeiro segue correntes de ares específicos em seus voos líricos e coloridos, o segundo se deixa levar apenas pelas asas de cada verso, onde quer que o espaço os levem, para ao final ter a circularidade das entoações poéticas liberadas pela forma esculpida na gravação lírica das palavras. Mas quem dita a forma da flutuação artística pelos ventos e brisas em ambas manifestações é a intuição, o arrepio mágico que faz o pintor e o poeta pegarem o pincel ou a escrita para transformá-lo no dito pelo não dito, no incorporado pelo incorpóreo, no nascido pelo fecundado.
Então, se pintor e escritor trazem para suas formas escolhidas as inspirações obtidas pelos toques da intuição para serem manifestas na tela ou no texto, o que ocorre afinal é deixar cada pintura e poema expressos, pincelados ou escritos, pelos instantes mágicos que os levaram à moldura e á impressão. De fato, a circularidade enquadrada nas formas de expressão escolhidas, ou melhor ainda, na quadratura do círculo.
Baravelli escapa da quadratura deixando suas expressões e montagens pictóricas sem as molduras geométricas convencionais de retângulos e quadrados. Mas não escapa do campo visual do admirador que “enquadra” suas telas sem molduras na moldura abstrata feita através de sua visão focal. Se essa interpretação faz sentido a quadratura do círculo vem em cada um de nós para apreender não somente a realidade externa como também as inspirações que chegam às telas e aos textos. E por extensão às esculturas, às gravações, às instalações e às muitas outras manifestações artísticas semelhantes.
No limite, a circularidade do quadrado e a quadratura do círculo se aproximam na, digamos, geometria artística. Uma acomoda em sua arquitetura de curvas as retas e as formas das construções humanas, a outra circunscreve em sua montagem de linhas e ângulos a linguagem do universo. Da topografia circular da Terra o homem assentou as moradas e os caminhos e da quadratura multiforme da pedra Michelangelo retirou a beleza universal de Davi.
Baravelli retira da quadratura a circularidade de suas obras as quais, no entanto, são captadas pelo enquadramento visual de cada um de nós. Círculos e quadrados em relação lírica. Como em meu poema abaixo dedicado a Oscar Niemeyer em 2002.
sobre curvas
a Oscar Niemeyer
a curva de Einstein
dobra o espaço para os astros serem guardiões
a curva de seu corpo
abre o espaço para minhas mãos serem adivinhas
a curva de Niemeyer
inventa o espaço para as retas serem femininas
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(*) José Carlos Peliano, poeta, escritor, economista.