Patrícia Porto da Silva –
Greves são fatos inerentes à sociedade contemporânea. No entanto, a recente greve da PM do Ceará apresentou aspectos pouco habituais. Não somente por causa dos eventos de maior impacto — como o do senador ferido por tiros disparados por policiais amotinados. Outros aspectos parecem sinalizar que a referida greve de policiais militares precisa ser discutida à luz no da política nacional.
Atitudes da equipe do governo federal chamaram atenção também. O ministro da Justiça, Sergio Moro, e o diretor da Força Nacional de Segurança, coronel Aginaldo Oliveira, extrapolaram limites do decoro de suas respectivas funções e cargos.
Moro afirmou que “os policiais não são criminosos”, quando 43 policiais estavam presos, e mais de 100, indiciados por dano ao patrimônio ou insubordinação.
Já o coronel Aginaldo qualificou como “gigantes” e “corajosos” os amotinados, como se endossasse e incentivasse novas manifestações.
Assim, ainda que tenha terminado a greve, ficou “um cheiro de pólvora no ar”, como escreveu Bernardo Mello Franco, em sua coluna no jornal “O Globo” (4/3/2020).
O estado do Ceará possui um histórico de apoio a partidos de esquerda. Tem escolhido sucessivos governantes do PT e do PDT. Camilo Santana foi reeleito em primeiro turno com quase 80 por cento dos votos em 2018. Haddad recebeu mais de 70 por cento no segundo turno das eleições presidenciais.
Assim, à luz de precedentes não seria um despropósito supor algum tipo de ação de bastidores no Planalto direcionada a desestabilizar o governo petista de Camilo Santana.
Ainda mais porque a greve aconteceu em momento de crise do poder Executivo com o Legislativo, e quando era convocada uma manifestação de apoio ao primeiro contra o segundo.
Camilo Santana, aliás, denunciou interferências no movimento, mistura entre polícia e política (Estado de São Paulo, 7/3/2020).
Por outro lado, não seria a primeira greve de servidores públicos manipulada por interesses alheios ao próprio movimento.
Ao lado de Educação e Saúde, Segurança Pública figura como um dos serviços públicos de maior importância. Interrupções desses serviços afetam diretamente a vida da população, com maior impacto entre os mais pobres.
Privada de seu direito à Segurança, a população se vê ameaçada em sua integridade. E o pior, mais sujeita ao jugo de milícias.
Se não forem resolvidos no menor prazo, tais problemas se agravam e se avolumam, até corroer a confiança da população no governo.
O desgaste de governos petistas obviamente interessa ao governo de Bolsonaro e seus apoiadores. No caso do Ceará, o desgaste do governo Camilo Santana agradaria sobremodo à elite local.
O Ceará dos anos sessenta era basicamente dividido entre ricos e pobres. Mudanças a partir da década de 70 condicionaram, todavia, novas relações sociais. Setores populares expandiram-se. A elite manteve o poder financeiro, mas perdeu espaço no cenário político.
Assim, a sociedade cearense hoje é outra. Essa modificação refletiu-se nos resultados eleitorais em que foram eleitos candidatos da esquerda em detrimento das velhas oligarquias.
Uma visita ao espaço de comunicação virtual frequentado por membros da elite e seus associados na classe média pode revelar o ódio e o ressentimento dos herdeiros da elite ante a nova realidade social do estado.
A comunicação virtual converteu-se em instrumento de difamação de desafetos políticos — notícias falsas, fotomontagens, vídeos editados, acusações sórdidas, palavreado torpe e outras baixarias.
O processo de difamação da imagem de um ente público é quase sempre irreversível. Uma vez começado, impossível colocar de volta no balde a água derramada.
Tumultos de rua acontecidos logo depois da posse de Camilo Santana, em 2019, parecem ter sido tentativas de prejudicar o governo petista. Tais iniciativas não prosperaram então, mas podem ser reeditadas.
Não devemos subestimar a possibilidade de que eventos desse tipo sejam instrumento de desestabilização do governo do Ceará e dos demais governos de esquerda no Brasil.