"A vida é de quem se atreve a viver".


Camilo Santana denunciou interferências nos motins do Ceará, mistura entre polícia e política. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
A greve da PM cearense e a conjuntura nacional

Patrícia Porto da Silva –

Greves são fatos inerentes à sociedade contemporânea. No entanto, a recente greve da PM do Ceará apresentou aspectos pouco habituais. Não somente por causa dos eventos de maior impacto — como o do senador ferido por tiros disparados por policiais amotinados. Outros aspectos parecem sinalizar que a referida greve de policiais militares precisa ser discutida à luz no da política nacional.

Atitudes da equipe do governo federal chamaram atenção também. O ministro da Justiça, Sergio Moro, e o diretor da Força Nacional de Segurança, coronel Aginaldo Oliveira, extrapolaram limites do decoro de suas respectivas funções e cargos.

Moro afirmou que “os policiais não são criminosos”, quando 43 policiais estavam presos, e mais de 100, indiciados por dano ao patrimônio ou insubordinação.

Já o coronel Aginaldo qualificou como “gigantes” e “corajosos” os amotinados, como se endossasse e incentivasse novas manifestações. 

Assim, ainda que tenha terminado a greve, ficou “um cheiro de pólvora no ar”, como escreveu Bernardo Mello Franco, em sua coluna no jornal “O Globo” (4/3/2020).

O estado do Ceará possui um histórico de apoio a partidos de esquerda. Tem escolhido sucessivos governantes do PT e do PDT. Camilo Santana foi reeleito em primeiro turno com quase 80 por cento dos votos em 2018. Haddad recebeu mais de 70 por cento no segundo turno das eleições presidenciais.

Assim, à luz de precedentes não seria um despropósito supor algum tipo de ação de bastidores no Planalto direcionada a desestabilizar o governo petista de Camilo Santana.

Ainda mais porque a greve aconteceu em momento de crise do poder Executivo com o Legislativo, e quando era convocada uma manifestação de apoio ao primeiro contra o segundo.

Camilo Santana, aliás, denunciou interferências no movimento, mistura entre polícia e política (Estado de São Paulo, 7/3/2020).

Por outro lado, não seria a primeira greve de servidores públicos manipulada por interesses alheios ao próprio movimento.

Ao lado de Educação e Saúde, Segurança Pública figura como um dos serviços públicos de maior importância. Interrupções desses serviços afetam diretamente a vida da população, com maior impacto entre os mais pobres.

Privada de seu direito à Segurança, a população se vê ameaçada em sua integridade. E o pior, mais sujeita ao jugo de milícias.

Se não forem resolvidos no menor prazo, tais problemas se agravam e se avolumam, até corroer a confiança da população no governo.

O desgaste de governos petistas obviamente interessa ao governo de Bolsonaro e seus apoiadores. No caso do Ceará, o desgaste do governo Camilo Santana agradaria sobremodo à elite local.

O Ceará dos anos sessenta era basicamente dividido entre ricos e pobres. Mudanças a partir da década de 70 condicionaram, todavia, novas relações sociais. Setores populares expandiram-se. A elite manteve o poder financeiro, mas perdeu espaço no cenário político.

Assim, a sociedade cearense hoje é outra. Essa modificação refletiu-se nos resultados eleitorais em que foram eleitos candidatos da esquerda em detrimento das velhas oligarquias.

Uma visita ao espaço de comunicação virtual frequentado por membros da elite e seus associados na classe média pode revelar o ódio e o ressentimento dos herdeiros da elite ante a nova realidade social do estado.

A comunicação virtual converteu-se em instrumento de difamação de desafetos políticos — notícias falsas, fotomontagens, vídeos editados, acusações sórdidas, palavreado torpe e outras baixarias.

O processo de difamação da imagem de um ente público é quase sempre irreversível. Uma vez começado, impossível colocar de volta no balde a água derramada.

Tumultos de rua acontecidos logo depois da posse de Camilo Santana, em 2019, parecem ter sido tentativas de prejudicar o governo petista. Tais iniciativas não prosperaram então, mas podem ser reeditadas.

Não devemos subestimar a possibilidade de que eventos desse tipo sejam instrumento de desestabilização do governo do Ceará e dos demais governos de esquerda no Brasil.

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